Publicado em 26.11.10 – Por Gizele Martins – NPC

A primeira mesa de debate do segundo dia (25/11) do 16º Curso Anual do NPC contou com a participação de Márcia Jacintho, conhecida por ter lutado sozinha para provar que o seu filho, assassinado pela polícia há oito anos, era inocente. Contou também com a presença de Orlando Zaccone, Delegado de Polícia, com o Subsecretário de Defesa e Promoções de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Pedro Strozenberg, com o Mc Leonardo, presidente da Apafunk e com o jornalista José Arbex.

Esta primeira mesa “A década do medo: mídia, violência e UPP” foi uma das mais esperadas pela platéia, já que o tema violência não sai das páginas dos jornais cariocas, principalmente, nos últimos dias.

Ainda no início, Claudia Santiago, coordenadora do NPC, que mediou a mesa, falou de quando começou a perceber que a luta do trabalhador, do sindicato, era também a luta da favela. “Fui cobrir um protesto feito por moradores do Morro do Borel há sete anos quando a polícia assassinou diversos moradores daquela favela, um deles o filho de Maria Dalva da Silva, que hoje milita para que outras mães não sofram o mesmo que ela. Vi o morro descer e naquele protesto não vi nenhum sindicalista que sempre diz lutar pela defesa do trabalhador. O que me fez pensar, analisar e perceber que o sindicato não pode deixar de perceber a realidade do trabalhador. É preciso estar nos espaços que eles estão, participar da luta que o povo está”, argumentou Claudia.

Logo depois da observação de Claudia, foi tocado a música “Pedaços de mim”, de Chico Buarque, e Maria Dalva, foi homenageada pela sua força e luta. E uma de suas falas foi: “Eu não perdi o Tiago, apenas o devolvi para Deus!”.

Zaccone: Desvincular a favela do crime é a solução!

Para Zaccone, o jornalista tem muita dificuldade em discutir violência porque nas reuniões de pauta, não se discute direitos humanos. “E este tema é de fundamental importância em relação aos fatos que estão acontecendo hoje, porque a mídia, os órgãos de imprensa, acabam fazendo e reproduzindo o discurso do censo comum”, afirmou o delegado.

Zaccone, alertou que é preciso que os jornalistas tenham um olhar crítico sobre o tema que envolva a favela, a violência e o crime. “Os jornalistas e toda a sociedade precisam desvincular a favela da violência e do crime. É necessário também fazer resgates históricos e diferenciar cada acontecimento, a realidade, o dia a dia”, disse o delegado. Ele citou um exemplo claro que ocorreu em 1992, quando os jornais colocavam em suas páginas os diversos arrastões que estavam ocorrendo em Ipanema e em outras praias do Rio. E, hoje, este termo volta às capas de jornais.

“Os jornalistas têm a função de investigar, e perguntar o por que esta onda de crimes só começou depois das eleições. É preciso questionar a forma apresentada. E, para a mídia, o direito humano é vinculado sempre ao direito de bandido e isso precisa ser questionado sempre”, disse.
Além disso, ele aponta ainda que para a favela deixar de ser criminalizada a saída é resgatar os fatos e desvincular todo o fenômeno da desigualdade social da política de segurança pública. “Temos que tentar entender esse fenômeno fora da política de segurança. Não cabe à polícia criar ordem, a função que a polícia tem é a de manutenção. A desordem existe porque há uma sociedade desigual”, concluiu Zaccone.

Márcia Jacintho: Um olhar próximo da realidade

“Tem muita gente aqui que acredita no que a televisão mostra, mas tem muita gente aqui que não vive o que a gente vê na TV. Tem gente que acredita que aquele corpo que desceu do morro foi um traficante, já está se banalizando a vida. Eu fico indignada com isso”, palavras da moradora do Morro do Lins, Márcia Jacintho, mãe de vítima da violência policial do Rio de Janeiro.
Sua indignação contagiou todos os quase trezentos participantes que a assistiam. Márcia contou sua experiência de ter investigado sozinha todo o caso do seu filho, que nunca teve uma atenção merecida, já que se tratava de um favelado. “Sou negra, pobre e moradora de favela, mas também sou sociedade, eu exijo respeito, eu desci para fazer a diferença. Tive coragem de descer o morro para limpar o nome do meu filho. Tive coragem de investigar o caso sozinha”, disse a militante.

Além desta moradora de favela ter enfrentado a dor de ter perdido um filho, teve que encontrar coragem para provar para o mundo que os direitos humanos precisavam valer também para o seu filho, mesmo que já tenham tirado a sua vida. “A dor me fez ter coragem. O meu filho foi tachado como traficante, como bandido, arrisquei até a minha própria vida. Eu nunca dependi do Estado para dar o leite aos meus filhos, mas uma bala tirou a vida de um filho meu”, concluiu Dalva.

José Arbex: A polícia é violenta porque a sociedade é violenta

Para o jornalista José Arbex, a polícia só é violenta porque a sociedade é violenta e aplaude as barbaridades que eles fazem dentro das favelas. “A gente não vê a nossa participação na violência. E a polícia não é violenta numa sociedade que não é violenta. Ela só vai ser violenta porque a sociedade é violenta”, falou. De acordo o jornalista, existe uma classe média e parte do povo pobre que apóiam a violência. “Vi uma entrevista que dizia que o Rio vive numa guerra e que o povo deve cooperar e ajudar a polícia. Como é possível assassinar milhões de pessoas e depois dizer: eu não sabia disso?”, completou Arbex.

O jornalista chamou a atenção de todos os jornalista presentes, pois, de acordo com ele, esta responsabilidade de colocar nos jornais que a favela é criminosa e de que é preciso resolver a desigualdade social com violência também é culpa dos jornalistas. “Não é possível, não é admissível que o sindicato não coloque em pauta a favela, o morticínio. Se tivesse uma resistência organizada no país, não falariam isso do povo na televisão. Estamos quietos, estamos calados. Quando os favelados se levantarem e falarem, chega, é aí que vai acontecer a revolução. Não é no sindicato, não é o jornal sindical. É na favela”, finalizou José Arbex.

Pedro Strozenberg: Estamos numa democracia, ela precisa ser radicalizada, mas ela existe
O Subsecretário de Direitos Humanos do Estado Pedro Strozenberg teve papel essencial na mesa. Ele trouxe explicações sobre o que é a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e disse acreditar na UPP Social, mas que ela deve ser feita de dentro da favela para fora, pensada e realizada com a sociedade civil. “Esta é uma democracia incompleta, que precisa se radicalizar, mas é uma democracia. Vejo a UPP como um caminho de transição, são p
assos. Acho que hoje temos uma polícia diferente do que tínhamos há 15 anos. A polícia está passando por uma transformação interna. Não vou defender a polícia. Mas ela está sofrendo alterações”, contou.

O subsecretário trouxe alguns exemplos de funcionamento da polícia, afirmou também que este é um resultado influenciado pelo sensacionalismo da mídia. “Há dois anos saiu uma pesquisa que apontava a Polícia Militar como a que mais mata no mundo. Ela bateu record de autos de resistência. A polícia aprovou a chacina no Morro do Alemão, que ocorreu há dois anos, e esta atuação da Política de Segurança Pública é a grande resposta da mídia”, completou. Pedro alega que a UPP é um pequeno resultado da transformação que está ocorrendo dentro da polícia. “Ela não trás mudanças novas, estratégicas, ela diz que vai estar presente nas favelas e fazer sua missão. Mas quando ela entra, ela se depara que a presença do Estado na favela é a polícia, e nesse modelo de presença do Estado, vem o lazer, a educação, a saúde etc. O que faz a polícia deixar de fazer seu papel e parte para outras demandas”, disse. Para ele, essa polícia vai cometer crime até a sociedade se revoltar. O desafio é como a gente cria mecanismos e envergonhe, constranja o policial em suas práticas ilícitas, e a UPP Social pode ser uma possível mudança.

Mc Leonardo: Chega da favela chorar!
Mc Leonardo, presidente da Associação dos Profissionais e amigos do Funk (Apafunk), começou sua fala relatando a sua volta para casa na noite anterior e opinou que tudo isso é resultado da ausência do Estado. “Ontem à noite ninguém queria andar devagar, os táxis perderam para os carros de polícia esta noite. Eram 20 mil policiais nas ruas. E isto é resultado da falta de uma política de Segurança Pública de qualidade neste país, no Rio”, contou.

O MC, que morou na Rocinha durante anos, diz que o que o Rio está vivendo é resultado da criminalização da favela, onde se culpa sempre a favela pela violência, onde tudo se resolve com a violência. “Se esta prática de entrar nas favelas e massacrar a todos, algo que é feito há décadas, funcionasse, o problema da violência e do crime organizado já teria sido resolvido. O governo é imediatista, e as ações nas favelas não podem ser imediatas. O que o Estado faz é colocar na favela carros blindados para acalmar a classe média. Nós somos vítimas ou somos culpados?”.
A observação que o cantor trouxe para os jornalistas foi que a mídia tem papel fundamental nisso tudo, já que ela, com seus interesses empresariais e com um punhado de preconceito de censo comum, fazem jornais sensacionalistas, pondo o pobre, o negro e o favelado sempre como o marginal. “A nossa responsabilidade é muito mais. Existe um abismo muito grande de informação dentro da favela, o jornal Meia Hora, por exemplo, não é informação”.

Outro questionamento que o MC Leonardo trouxe foi também sobre a criminalização do funk, sua experiência de luta nos movimentos sociais. “Quando o moleque da favela está do outro lado da trincheira, falando e cantando o seu funk, a sociedade o mata, o criminaliza. Mas, os jornais sensacionalistas põem palavras de incentivo ao crime, põem a mulher de forma vulgarizada em suas capas. E a sociedade não quer que ele cante o que ensinam a ele, não faça o que ensinam a ele”, finaliza. Segundo o Mc, para mudar essa história, é necessário que o povo participe das reuniões de todas as secretarias, que se junte a outras lutas, a outras resistências.