Desregulamentação do setor de comunicação no Brasil abriu lacunas, mesmo sob o ponto de vista mercadológico
[Publicado em 29.12.10 – Por Eduardo Sales de Lima, da Agência Brasil de Fato]
“No Brasil, o rádio, primeiro, a televisão, depois, foram sempre vistos como negócios particulares, empresas de determinadas famílias, como se fossem qualquer outra empresa, como um supermercado”. Essa é a opinião do professor da Universidade de São Paulo (USP) Laurindo Leal Filho. Ele não termina por aí. Segundo Laurindo, nunca foi discutido que essas atividades ocupam o espaço público e, por isso, “precisam ser regulamentadas”.
Mas os mandos e desmandos no setor de comunicação no Brasil, sobretudo na radiodifusão, vêm há muito tempo. Como conta o professor Venício Artur Lima, da Universidade de Brasília (UnB), na década de 1930 o ex-presidente Getúlio Vargas abriu concessões para as iniciativas privadas. “Naturalizamos isso como se fosse a única forma, e copiamos os Estados Unidos”, conta.
Entretanto, ele pondera que os próprios estadunidenses iniciaram um processo de regulamentação da radiodifusão em 1934 e que, nessa mesma época, a Europa optava pela radiodifusão como um meio sobretudo de interesse público e só anos depois é que a iniciativa privada do setor ganhava mais espaço no continente. Isso, segundo o professor da UnB, contribuiu para a construção da cidadania da população, e, hoje, “aquele público tem noção muito maior de seus direitos”, explica.
Debate interditado
Segundo Laurindo Leal Filho, por conta dessa origem privatista dos meios de comunicação no Brasil, criou-se um monopólio do setor que sempre interditou o debate sobre regulação porque temia perder o espaço conquistado ao longo do tempo. Essa interdição do debate é feita por menos de dez famílias que detêm o controle de mais de 80% dos serviços de comunicação no Brasil. Quase metade dos deputados e senadores é concessionária de canais da rádio e TV.
“Para eles, sempre foi muito bom não haver leis ou outros atores que impedissem esse processo”, explica o professor da USP. Agora, de acordo com Laurindo, é preciso garantir que o espaço da comunicação, rádio, internet, revista, TV e cinema não continue monopolizado por uma empresa ou poucas empresas e que não exista a propriedade cruzada (quando uma empresa é proprietária de vários segmentos da comunicação, como televisão, internet, editora, por exemplo).
“Isso está na Constituição. E sabemos que, na prática, existe [a propriedade cruzada], porque uma empresa como a Rede Globo domina todas as áreas de comunicação”, critica. De fato, o parágrafo 5º. do artigo 220 da Constituição Brasileira diz que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
Ao comparar o atraso quanto à regulação do setor de comunicação aqui no Brasil e na Europa, Ramênia Vieira da Cunha, membro do Intervozes, pondera que a empresa privada europeia não visa menos o lucro do que a brasileira, nem defende como menos ardor seus interesses. “Acontece que há um marco regulatório mais sólido nesses países europeus, e a desregulamentação foi uma prática consolidada de forma acentuada na América Latina por conta dessas relações entre poder econômico e político”, conclui.