O escândalo dos crimes cometidos pelos jornais do magnata da mídia mundial Rupert Murdoch (uso de grampos telefônicos para ter informações privilegiadas) são ingredientes poderosos para as mais diversas análises. Podem-se debater as razões de ser do jornalismo, os limites éticos de sua condição, às relações espúrias com o poder, entre tantas outras angulações. Uma delas, recorrente, é a das bestas do apocalipse que insistem em anunciar o fim do jornal impresso. Recorrer a expedientes ilegais, como uso de câmeras e gravadores escondidos, grampos telefônicos, falsificação de documentos não são exclusivos da mídia impressa, muito pelo contrário, mas seriam, talvez, os últimos recursos do jornalismo impresso – apelo ao sensacionalismo – para se manter vivo no enorme furacão do meio informativo.

É óbvio que não há como negar a crise de identidade da mídia impressa. De identidade e não de existência. Como na vida, o jornalismo impresso enfrenta seu rito de passagem. O fim da infância não significa necessariamente fim da vida e nem o apagar do passado. Assim, as notícias em tinta e papel vão continuar a existir, mas só deve sobreviver aquele projeto que compreender que o jornalismo impresso precisa, obrigatoriamente, ultrapassar a fronteira do umbigo em que está metido desde o século XVII, quando começou a surgir de fato. Mesmo que não queiram, gazetas, diários, jornais serão refundados para continuar a existir.

Com a consolidação da internet e das redes sociais, com a transformação do leitor em fonte, com a popularização, condensação e simplificação das novas mídias, o conceito de notícia para o jornal impresso mudou. Hoje, o fato é registrado a cada segundo e em segundos ganha o mundo. O volume e a intensidade são avassaladores. E não é apenas texto. São trilhões de links, fotos, vídeos e comentários em tempo real. Nenhuma notícia da mídia comercial está imune as mais diferentes versões discordantes do leitor, que deixou faz tempo essa condição para ser participante do processo, às vezes ainda de forma passiva. E o que faz o jornal diário? Depois de 24 horas dos fatos, só no dia seguinte vai noticiar o que todo mundo sabe, viu, comentou. Para quê? De fato essa forma não se sustenta mais por muito tempo. Seria, então, o fim do impresso? Claro que não.

As novas mídias surgem exatamente para dar o sentido que faltava ao jornalismo impresso. Foi assim quando surgiu a fotografia. A pintura foi buscar sua essência, ou seja, a foto não destruiu, como se imaginava, com a arte das tintas, telas e pincéis. Assim foi com surgimento da televisão no século XX, levando o pânico da incerteza ao rádio e ao cinema. O que dizer desses dois últimos meios hoje? Estão cada vez melhores. A própria mídia impressa viveu isso quando do surgimento do rádio. Depois do rádio e da tv, o impresso ganhou outros ares. No entanto, com a vida onlinizada um dos componentes vitais que afasta definitivamente a mídia impressa desse turbilhão midiático é a velocidade do registro do fato. Sem ter como competir no mundo do instante seria o fim do jornal do dia seguinte? Definitivamente, não.

Na vida corrida, os meios eletrônicos se ajustaram para apresentar e responder as demandas por informação. No entanto, elas são trilhões de notícias quase telegráficas, curtas, desprovidas na maioria das vezes de contextualização e, principalmente, da investigação e do aprofundamento, isto é, condições da essência do jornalismo. Assim, a credibilidade, base que sustentou a ideia de imprensa livre, praticamente ruiu e a desconfiança se instalou. Quem deu a notícia? Quem falou? O porquê disse? Quais os fundamentos que usou? Saiu no blog, falaram no Twitter, postaram no Facebook…será que é verdade? Bom, é exatamente nesse vácuo de dúvida no conteúdo e da inexistência de investigação aprofundada e análise dos fatos que a mídia impressa deverá se refundar, porque ela também, copiando a mídia onlinizada perdeu-se em seu caminho.

Essa transformação vai exigir, talvez, a quebra de paradigmas que o jornalismo impresso não tenha enfrentado antes, como mudar os conceitos de informação e conteúdo. Por exemplo, precisa dialogar com as novas mídias, investir pesado nas condições de trabalho e de aperfeiçoamento constante de seus profissionais, radicalizar na busca pela diversidade de opiniões na sociedade. Será que as empresas e os profissionais estão preparados para isso? É difícil até dizer que o jornal impresso de amanhã não vai noticiar um fato de hoje. Ele até pode utilizar a notícia do agora, mas tão somente para aprofundar, apurar, investigar e apresentar amanhã um denso material com os mais variados ângulos da notícia para uma faixa considerável de leitores que espera isso. Assim, será um erro esperar que o jornalismo impresso continue mergulhado na agonia diária de correr atrás do fato que já entrou nos sites, rádios e tvs. Não precisará buscar recursos criminosos e o sensacionalismo barato de sangue e sexo para chamar atenção de que está vivo e pedir: “compre-me”.

Nessa refundação por conta das condições objetivas da história, a mídia impressa só tem um caminho: será mais ética, investigativa e plural. Diferente de outros meios, a tinta no papel é muito mais perene. Fica ali ferindo, martelando, provando que o tempo não apaga, por exemplo, a corrupção descoberta. Os maiores escândalos neste país ganham a mídia depois de profundas e longas investigações do jornalismo impresso. Por sua condição temporal, nem rádio, tv e site dá conta disso. Ou seja, não estava em jogo o fato trivial do instante, mas a essência dos fatos que poucos querem ver. Boas vindas aos novos tempos!

Cristian Góes, jornalista.