Por Intervozes — Coletivo Brasil de Comunicação Social, abril de 2005
Ontem, terça-feira (26/4), a Rede Globo de Televisão comemorou 40 anos de vida. Muita gente graúda da elite cultural e política do país vai aproveitar a ocasião para mostrar a “imensa” gratidão do Brasil com a emissora que — entendem eles — expressa como ninguém esse contraditório e tropical país. Mas nós não iremos comemorar. Pelo contrário, usaremos a data para lembrar, protestar e expor à sociedade que a rede Globo não é apenas o rosto bonito do Rodrigo Santoro ou a simpatia da Suzana Vieira.
Em vários lugares do Brasil, capitais e no interior, a sociedade civil organizada prepara atos públicos para contestar a “versão oficial da história” – uma versão que foi construída pela própria emissora aniversariante. Porque, após 40 anos, é preciso que alguém diga, para que todos saibam, que a rede Globo não é uma empresa cuja marca é a produção de um jornalismo isento e imparcial, o qual se materializa no Jornal Nacional da Fátima Bernardes e do William Bonner.
Muito menos é um grupo que – como eles próprios reivindicam – defende o conteúdo brasileiro do perigo estrangeiro. A rede Globo é, acima de tudo, uma organização política, que atua nos bastidores dos governos brasileiros (sejam eles democráticos ou ditatoriais) em busca de garantir a execução de seus interesses. E que, não uma ou outra, mas muitas vezes, jogou contra a vontade da maioria da população para garantir o seu quinhão.
A edição do debate entre Collor e Lula veiculada no Jornal Nacional dias antes da eleição de 89 (que apresentava os bons momentos do alagoano e os maus do hoje presidente da república) e a total omissão da emissora diante das mobilizações pelas Diretas Já em 1984 (chegando a afirmar que o histórico comício pró-diretas no Vale do Anhangabaú era uma comemoração do aniversário de São Paulo) são bons exemplos desta prática.
As empresas que fazem parte do grupo Globo constituem um pequeno império na mídia brasileira. Atualmente a Vênus Platinada chega a mais de 99,8% do território e da população brasileiros. São ao todo cinco emissoras próprias (com sede nas cidades de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife) e mais 108 emissoras afiliadas. Dados do Ibope revelam que na semana de 4/4 à 10/4 a Globo teve os cinco programas mais assistidos da TV aberta com audiência variando entre 35% e 47%.
Hoje o grupo possui emissoras de TV, jornais que geraram de receita líquida, em 2002, de 159,5 milhões de reais, 15 emissoras de rádio, participação nos grupos de televisão por assinatura Net e Sky, uma editora com 11 títulos de revistas, um portal eletrônico e duas gravadoras (Som Livre e RGE). No caso de sua atuação na TV à Cabo, o grupo detém canais (Sportv, GNT, Multishow e Globonews) e a operadora Net. Todo este complexo vem sendo usado também pelo grupo para oferecer outros serviços, como Internet de banda larga (o novo serviço Virtua).
Elite midiática
A Globo é como a lua. Possui uma face brilhante. Essa que invade nossas casas noite e dia e que gera fascínio e admiração. Mas possui uma outra face, obscura, que pouca gente conhece. E é justamente aí que mora o perigo. A rede Globo de Televisão, surgida há 40 anos de um golpe econômico internacional orquestrado pelo seu proprietário Roberto Marinho e pelo governo militar que assombrou o Brasil por duas décadas, é a materialização da elite mais atroz que domina essas terras há 500 anos. Na época, a emissora recebeu um apoio considerável da empresa de mídia estadunidense Time, ação que era proibido pela legislação mas que foi permitida pelos militares com o intuito de consolidar uma rede nacional de televisão que levasse aos lares do Oiapoque ao Chuí a “identidade cultural brasileira”, principalmente aquela que valorizava a ditadura.
Uma elite capaz, extremamente preparada (para usar um termo costumeiramente adotado pelos defensores do neoliberalismo), que se sente responsável, inclusive, por determinar simbolicamente o que foi o nosso passado, o que é o nosso presente e o que será o nosso futuro. Nesses protestos que faremos, denunciaremos a rede Globo de Televisão como o principal instrumento dessa elite – os Donos do Poder – composta por políticos e empresários que atuam nacionalmente ou regionalmente – as chamadas oligarquias (muitas delas proprietárias de empresas de comunicação que fazem parte do sistema Global).
Quando a Constituição Federal foi aprovada em 1988, o presidente da República era José Sarney, que – ora vejam só! – vem a ser a ser justamente um empresário de comunicação controlador da afiliada da rede Globo no Maranhão. O ministro das Comunicações, por sua vez, era Antonio Carlos Magalhães, “dono” da Globo baiana. Não à toa, todas as tentativas de democratizar o sistema de comunicações brasileiro avançaram quase nada.
É justamente por esse motivo que, em entrevista recente, o todo poderoso da emissora, Roberto Irineu Marinho, afirmou que a legislação de comunicações no Brasil é “espetacular”. Irineu se refere a uma legislação que foi aprovada na década de 60, pelos militares que comandavam o Brasil. Além de caduca, se levarmos em consideração as mudanças tecnológicas e políticas pelas quais passou o país nos últimos 40 anos (e que a Globo, em spots na programação, diz ter acompanhado), as normas que regulam a radiodifusão no Brasil foram feitas para garantir a perpetuação dos grandes meios.
Um exemplo é o fato de serem necessários votos de 3/5 dos parlamentares do Congresso para NÃO renovar uma concessão. Este dispositivo garante que haja uma renovação praticamente automática e que pareça, para a maioria da população, que a Globo está aí há 40 anos por que é dona do canal. Na verdade, ela possui uma concessão pública para utilização do espectro eletromagnético onde passam as ondas que possibilitam a chegada do conteúdo emitido pelas antenas das emissoras de TV aos lares da população. Mas a dificuldade de alterar a “eternidade” das concessões não se dá apenas pelo quorum alto.
Atualmente, do total de 81 senadores, 36% estão diretamente ligados a veículos de comunicação – 14 dos 17 senadores do PFL; 11 dos 23 senadores do PMDB; 8 dos 11 senadores do PSDB. Muitos deles, com negócios diretamente envolvendo a rede Globo. Na Câmara dos Deputados, o cenário não é muito diferente. Essa verdadeira tropa de choque, que envolve políticos de todos os matizes ideológ
icos, é sustentá
culo dos interesses da família Marinho no parlamento brasileiro e torna quase impossível uma possibilidade de mudança nos proprietários dos canais abertos da TV brasileira, principalmente da Globo.
É evidente, portanto, que, com essa correlação de forças, projetos como o PL 256 de 1991, da autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que trata da regionalização da programação cultural, artística e jornalística das emissoras, permaneça na gaveta, acumulando mofo. Para quem acha que esse texto é um tanto quanto exagerado, convidamos a fazer uma visita ao Conselho de Comunicação Social (órgão que “assessora” os senadores quando o assunto é comunicação). Lá, poderão assistir aos lobistas e ao presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), uma entidade criada para defender institucionalmente os interesses dos Marinho que se destaca pela cruel perseguição que faz às rádios comunitárias, em ação.
Quando o CCS aprovou um requerimento favorável ao projeto de regionalização da deputada Feghali, os representantes da rede Globo garantiram que usariam de todos os artifícios para impedir que ele tramitasse e fosse aprovado, numa clara demonstração de que a emissora não abandonou as práticas ditatoriais. São as mesmas de quarenta anos atrás. Esse tipo de postura, no entanto, não fica restrita aos bastidores. Muito do que é discutido e definido politicamente pela emissora é depois trabalhado “jornalisticamente” e exibido para o público.
Um caso recente é o do projeto da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), proposto pelo Ministério da Cultura. Como se tratava de um projeto que pretendia democratizar a produção de conteúdo audiovisual, e que, por isso mesmo, contrariava alguns interesses (nem todos) da rede Globo, foi achincalhado em longas matérias nos telejornais do grupo, nos jornais do grupo, nas rádios do grupo. Paralelamente a isso, a tropa de choque no Congresso, os lobistas e a infantaria circulavam por dentro do governo ameaçando e coagindo os autores da proposta.
Queriam implodir o projeto. E conseguiram. Mas não conseguiram evitar que o debate permanecesse, e agora, com a discussão do Projeto de Lei Geral de Comunicação de Massa, o embate vai recomeçar. É por esses e outros motivos que voltamos a reafirmar que não temos nada para comemorar na data em que a Globo comemora 40 anos. Temos muito a questionar, muito a protestar, porque queremos uma comunicação mais democrática no Brasil. E isso só vai ocorrer quando a face obscura do monopólio dos Marinho vier à tona e quando a comunicação for encarada como um direito de todos e todas.
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Texto de 27 de abril de 2005. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social – é uma associação sem fins lucrativos que desenvolve ações na luta pela efetivação da comunicação como um direito humano. Mais informações em www.intervozes.org.brLeia também: Globo comemora seu monopólio. Tudo a ver com o Brasil?