[Publicado em 12.09.2011 – Por IHU] Uma cobertura engajada, de posição. Assim foi o trabalho realizado pelo jornal Última Hora na Campanha da Legalidade, em agosto de 1961. O depoimento é do jornalista Flávio Tavares, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line.

IHU On-Line – Como foi sua participação pessoal na Campanha da Legalidade? O que lembra de mais significativo, que mais lhe impactou como jornalista, gaúcho e brasileiro?

Flávio Tavares – Minha participação pessoal foi no primeiro passo da Campanha da Legalidade, que ainda nem tinha esse nome. Nós, no dia seguinte à renúncia do presidente Jânio Quadros, que foi no dia 25 de agosto de 1961,fizemos uma edição extra do jornal Última Hora, num sábado vespertino. Naquela época, os vespertinos não circulavam aos domingos. A edição foi feita nos porões do Palácio do governo gaúcho e circulou no domingo, dia 27 de agosto de 1961, sob a proteção dos soldados da Brigada Militar.

Pela primeira vez na história universal da imprensa, um jornal saiu na rua protegido pela polícia. Em geral, a polícia sempre confisca e destrói jornais. Nesse caso foi diferente, porque nós tínhamos medo de que o Exército confiscasse os jornais, pois esta instituição estava em pé de guerra com o governador. Fizemos aquela edição no Palácio porque a ideia foi do governador Leonel Brizola. E o único jornal que não era hostil a ele era o Última Hora. A sede do jornal era na rua 7 de Setembro, mais ou menos em frente onde hoje é o Correio do Povo, muito perto dos quartéis do Exército. Isso era um perigo.

Passamos a noite inteira no Palácio. Eu era editor de política do Última Hora e o repórter destacado para o Palácio. Eu cobria todas as atividades do Brizola. Terminamos a edição do jornal por volta de 6 horas da manhã e ele era impresso bem perto do Palácio, na rua Duque de Caxias. Saí de lá para respirar um pouco o ar de fora dos porões e não dormi esse dia e nem os demais durante a Campanha da Legalidade. Com 27 anos a gente aguenta.

IHU On-Line – Como você define a cobertura jornalística da Campanha da Legalidade?

Flávio Tavares – Foi uma cobertura engajada; tomamos posição, porque os jornais têm obrigação de tomar posição contra o crime. E o golpe de estado é um crime.

IHU On-Line – Em que medida Brizola participava do trabalho jornalístico durante o movimento? Por que o senhor afirma que ele era um sujeito que “tinha a mania de ser jornalista”?

Flávio Tavares – Ele tinha mania de ser jornalista porque gostava de ser jornalista. Ele tinha dirigido, em 1955, um jornal vespertino chamado Clarin, que era do Partido Trabalhista. Ele sempre tinha opinião sobre os jornais, até sobre a parte gráfica. Já em 1963, durante o governo de João Goulart, Brizola dirigiu um jornal de circulação semanal, Panfleto, onde ele próprio escrevia o artigo da contracapa.

IHU On-Line – Como você avaliou, na época, o aceite de Jango pelo parlamentarismo? Hoje, 50 anos depois, mantém sua opinião?

Flávio Tavares – Naquela época nós ficamos furiosos com o Jango. A tal ponto que rasgamos, (eu e o secretário de imprensa do Brizola) na frente dos microfones da rádio da legalidade, um manifesto do Jango, que era a aceitação prática do parlamentarismo. Esse manifesto nunca foi divulgado na rede da legalidade. Nossa fúria era em função de que aquela medida era uma amputação dos poderes do Jango e das nossas ideias de reformar o Brasil e o mundo. Nós tínhamos feito um movimento que tinha impedido o golpe de estado e a ditadura no Brasil. Era 1964 que estava sendo antecipado para 1961. A mobilização do povo do Rio Grande do Sul levou o Exército a apoiar o governo. Então, nós não podíamos abrir mão da nossa vitória. Depois, no fundo, em termos de história e considerando os fatos que ocorreram mais tarde, eu passei a entender que Jango tinha razão. Isso porque o país estava dividido, embora o Rio Grande do Sul estivesse unido. Havia muita gente que não queria que Jango assumisse o poder.