Por Bruno Zornitta, maio de 2005
 

Criar uma rede de comunicadores ligados aos movimentos populares para denunciar a situação da violência no Rio e a criminalização da pobreza por parte da grande imprensa. Esse foi o objetivo que reuniu estudantes, sindicalistas e ativistas no auditório do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (Senge), no dia 11 de maio. O debate “Mídia alternativa e combate à violência” contou com a presença de Cláudia Santiago, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), Márcia de Oliveira Jacintho, mãe de um menor assassinado pela Polícia Militar do Rio, e Marcelo Freixo, pesquisador da ONG Justiça Global. O evento foi promovido pelo NPC, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência e Senge.

Cláudia contou que despertou para a questão da violência nas favelas depois da chacina do Borel. “Duas coisas aconteceram naquele momento: uma, foi me sentir tocada por ter acontecido tão próximo a mim, e a outra foi perceber a distância do movimento sindical dos trabalhadores da favela”, disse. Na noite em que sem-tetos entraram no prédio que hoje abriga a ocupação Chiquinha Gonzaga, Cláudia percebeu a necessidade de uma rede de comunicadores, nos moldes da Rede Nacional de Advogados Populares: “Não dá para a gente ser tão amador”.

Para Cláudia, a rede de comunicadores deve inserir o tema da violência nos veículos alternativos e capacitar moradores de comunidades carentes para que eles produzam sua própria mídia. “Precisamos de uma rede de jornalistas que estejam dispostos a colocar o seu saber, o seu conhecimento, a favor das causas populares”, disse.

Em seguida, foi a vez de Márcia, que teve seu filho Hanry Silva Gomes, de 16 anos, assassinado por policiais militares, no Lins de Vasconcellos, em 2002. “Meu filho morreu porque não era bandido”, desabafou. Segundo Márcia, a polícia captura os traficantes e pede dinheiro e armas como resgate, o “arrego”, na linguagem do crime. Quando morre um inocente, é comum a polícia dar tiros para o alto, para dizer que houve troca de tiros, e colocar armas e drogas junto ao morto, o “kit bandido”. Dessa forma, justificam o assassinato com o auto de resistência, um documento que “comprova” a morte em conflito, explicou.

Márcia esteve no local onde seu filho foi assassinado, tirou fotos, conversou com moradores e descobriu até a placa do carro que os policiais usavam: “Tudo que descobri foi através de investigação própria”. Ela contou que, depois de dois anos e cinco meses, conseguiu o Boletim de Emergência de Hanry, um dos cinco itens que o Ministério Público pediu e não foram cumpridos. “Eu, mãe, dei entrada há duas semanas atrás na seção de arquivo, e fui buscar hoje, para dar à delegada”, disse. Enquanto a dificuldade das camadas populares em obter justiça desanima alguns, outros, como Márcia, enxergam aí seu combustível: “Tudo isso me dá cada fez mais força para lutar, para quebrar esses autos de resistências e essa imagem de que no morro só tem bandido”.

Para Marcelo Freixo, o Estado sempre foi o principal violador dos direitos humanos, “tanto por sua ausência, quanto por sua presença no controle e na preservação da ordem que está colocada”. O pesquisador considera que os jornalistas têm um papel importante na luta contra a violência, que é quebrar a “perversa invisibilidade” do genocídio cotidiano. Marcelo disse que um garoto de 19 anos foi executado na favela do Vidigal por policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar. O rapaz, que trabalhava em uma lanchonete de manhã e estudava à noite, levou um tiro de fuzil na nuca e a morte foi justificada com um auto de resistência. “O laudo comprovou claramente que ele foi executado e ninguém sabe disso”, denunciou.

Marcelo disse também que os comunicadores devem lutar contra a criminalização da pobreza. Esta é propagada pelos meios de comunicação e pelo judiciário, e se internaliza no imaginário das pessoas. O pesquisador mostrou uma matéria do jornal O Globo na qual um tiroteio no Morro do Borel é criticado por tirar o sono de moradores do asfalto. Mostrou também trecho de uma sentença do juíz Alexandre Abraão, em que o magistrado refere-se aos policiais como “incorruptíveis” e às classes populares como “lixo genético”. Isso mesmo, lixo genético.

Além disso, Marcelo contou que, desde a caça a Elias Maluco, assassino de Tim Lopes, os mandatos de busca genéricos tornaram-se prática comum entre os juízes. Esse instrumento permite que a polícia, baseada em uma denúncia, invada “qualquer casa de portão preto” em determinada comunidade, por exemplo. Ele disse que, se a denúncia fosse de um traficante escondido em um condomínio da Barra da Tijuca, em uma casa de portão marrom, nenhum juíz concederia o mandato genérico. “Quero ver qual é o juíz que assina isso”, desafiou.

Por fim, o representante da Justiça Global disse que a luta contra a violência é uma luta pela construção de uma cultura de direitos. “Se a gente conseguisse fazer com que a lei fosse cumprida para todo mundo, a gente faria uma revolução”, afirmou. Para Marcelo, essa luta depende fundamentalmente de visibilidade e denúncia, funções de uma Rede de Comunicação Popular.

O Núcleo Piratininga de Comunicação está articulando a Rede. Para entrar em contato, escreva para npiratininga@uol.com.br