Por Claudia Jardim de Caracas (Venezuela), no Jornal Brasil de Fato – Edição Nº 123 – De 7 a 13 de julho de 2005
Manhã de segunda-feira, véspera do Dia da Independência da Venezuela, conquistada em 5 de julho de 1911. O taxista Tony Julio dirige em meio ao caótico trânsito da capital Caracas. A programação de umas das rádios locais o acompanha. “Hoje, também temos que comemorar. É Dia da Independência”, comenta uma das locutoras, em alusão ao 4 de julho estadunidense. Tony Julio se indigna. “Por isso, ninguém acredita no que esses jornalistas dizem. Vivem aqui mas pensam que são gringos”.
Esta pequena cena da vida cotidiana reflete a atuação dos meios de comunicação venezuelanos. Nos quatro cantos do país, ouve-se a falta de credibilidade que resultou do golpe midiático de abril de 2002. “Os meios de comunicação tomaram o lugar dos partidos políticos e esqueceram do principal: a informação. Tudo que fazem tem como fim derrubar o presidente,mais nada”, comenta Tony Julio.
Diante desse cenário, o presidente venezuelano Hugo Chávez, passou a estimular a criação de rádios e televisões comunitárias. A Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) entregou mais de mil concessões de rádios comunitárias ou livres, nesse esforço de contra-atacar a força dos meios de comunicação privados, que detêm o controle de 90% do espaço radioelétrico venezuelano.
Outra iniciativa do governo, que se estendeu a âmbito continental (veja reportagem abaixo), foi a ofensiva televisiva com os canais de televisão estatais. Nesse sentido, o lema de uma das principais TVs comunitárias do país passou a ser regra quando o assunto é reiventar a maneira de fazer televisão: “Não veja TV, faça-a”, divulga a Catia TV, criada pela jornalista Blanca Eeekhout, hoje à frente da presidência dos dois canais estatais.
Há 18 meses, surgiu a Vive TV. Um novo canal público, de caráter educativo,cultural e informativo que tem como missão dar voz à população ignorada durante anos pelas telas dos grandes meios comerciais. O vice-presidente do canal, o jornalista Thierry Deronne, explica que a Vive nasceu para ser umas das “ferramentas de consolidação” da revolução bolivariana: “O povo venezuelano com suas organizações sociais está resgatando um espaço que sempre lhes pertenceu e que o capitalismo historicamente havia roubado”.
Responsável pela criação da Escola Latino-Americana de Cinema, que hoje funciona no interior de Vive, Deronne explica em uma das oficinas de linguagem audiovisual o conceito de TV que se pretende criar. “Estamos tratando de construir uma TV pública revolucionária, feita pelo e para o povo, capaz de romper os modelos comerciais de fazer televisão imposto durante décadas”.
Participação popular
Pelos corredores do canal, é corriqueiro encontrar pequenos grupos formados por motoristas, faxineiros, vigilantes e jornalistas que se aventuram a aprender a manusear uma câmera ou a operar uma ilha de edição. A formação ocorre na Escola de Cinema, onde dezenas de jovens da periferia aprendem a fazer televisão sob o conceito da participação popular. Hoje, parte desses jovens produz o “Noticiero del Cambio” (Noticiário da Mudança), um dos programas mais contundentes no que se refere à crítica ao Estado.
“Não podemos maquiar a realidade, caso contrário, estaremos debilitando o processo revolucionário. Com o exemplo das comunidades organizadas, vamos avançando na tomada de consciência”, afirma Luis Ortuño, de 25 anos, um dos produtores do programa.
O conceito da Vive – uma grande TV comunitária – é alterar a maneira paternalista de contar uma história. Os trabalhadores da fábrica de papel Invepal, tomada pelos operários depois de decretada sua falência, durante uma semana participaram de oficinas de capacitação audiovisual e de linguagem de documentário.
Nesse momento, foi criado o Noticiero de los Trabajadores. Nesse espaço, os próprios operários gravam as assembléias onde tomam decisões, contam parte de seu cotidiano e os desafios que têm enfrentado para recuperar a produção da fábrica, operada em modelo de cogestão com o Estado.
Um conselho social, integrado por representantes dos movimentos sociais e das comunidades organizadas, se reúne quinzenalmente no Canal com os coordenadores de cada unidade de informação para avaliar e opinar sobre a linha das produções.
Tem quase meio século e é ainda atual: “A Assembléia Geral do Povo de Cuba expressa a convicção de que democracia não pode consistir só no exercício de um voto eleitoral que quase sempre é fictício e está manejado por latifundiários, oligarcas e políticos profissionais, senão no direito dos cidadãos a decidir seus próprios destinos. A democracia só existirá na América Latina quando os humildes não estejam oprimidos pela fome, a desigualdade social, o analfabetismo e os sistemas jurídicos opressores à mais total impotência… Primeira Declaração de Havana – 2 de Setembro de 1960.”