Por Gustavo Gindre, agosto de 2005
“Já que a legislação permitiu vender o corpo , que é a infra-estrutura, tem que preservar a alma , que é o conteúdo”
A frase acima aparece sem a menção ao autor porque, recentemente, me deparei com ela, a mesma citação, dita por duas pessoas diferentes em distintas ocasiões. Na primeira vez, eu estava à mesa de debates do III Encontro Internacional de Televisão e a frase foi pronunciada pelo meu então companheiro de palestra, o vice-presidente de relações institucionais da Globo, Evandro Guimarães. Guimarães é o operador político da Globo e seu escritório, ao contrário da Central Globo de Jornalismo (São Paulo) e do Projac (Rio de Janeiro), fica diretamente em Brasília. Depois, a mesma fala apareceu em entrevista do presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, à revista PayTV[1] (n° 122). Pode-se, portanto, notar que esta é uma avaliação institucional da Globo. Parece-me, por motivos que espero deixar claros aqui, que será em torno desta fala que a Vênus Prateada irá organizar o seu futuro.
Este texto visa, apenas, destrinchar, esmiuçar, o significado que a Globo confere à citação acima. Daí, acredito, pode nascer um perfil mais acurado da estratégia que a Globo trilhará nos próximos anos.
Como chegou até aqui
No final dos anos 90 o processo de digitalização dos meios de comunicação de massa ainda não era uma realidade, mas podia-se distingui-lo no horizonte. Sabia-se, por exemplo, que TV aberta, TV paga e rádio estariam transmitindo sinais digitais em alguns anos. De outro lado, já tomava corpo a implantação de tecnologias digitais nas telecomunicações, fixa e celular.
Com isso, as transmissões de textos, imagens, sons e vídeos seriam todas igualadas à uma quantidade diferente da mesma informação: os bites. A diferença entre transmitir um texto ou um vídeo passaria a ser meramente quantitativa: somente mais informação, mas não uma informação diferente. Ou seja, uma rede banda larga estaria apta a transmitir qualquer conteúdo, indistintamente.
Esta é a ante-sala do processo de convergência tecnológica, onde a diferença entre os meios de comunicação vai progressivamente diminuindo.
Claro que, dito assim, parece fácil. Mas, na prática, há diversas questões a serem superadas antes que possamos falar em uma hipermídia digital, que tenha “fagocitado” as diferentes mídias analógicas. Existem pesquisadores, inclusive, que não acreditam que chegaremos a um cenário de convergência completa.
São definições de ordem técnica, mas também na reformatação dos modelos de negócios atuais, pensados para lidar especifica e separadamente com cada uma das mídias analógicas.
Um dos mais sérios problemas a serem resolvidos (mas, nem de longe, o único) é o do “canal de retorno”. Uma TV, ou um rádio, para serem interativos (como são as linhas telefônicas) terão que agregar um canal de retorno partindo do antigo receptor às estações transmissoras. Quando escrevo, no ano da graça de 2005, ainda não existem resultados totalmente maduros, embora já se saiba ser, apenas, uma questão de tempo.
Claro que as dificuldades eram ainda maiores no final dos anos 90. Mas, as grandes empresas (de telecomunicações e de mídia) já supunham que uma guerra entre elas se desenhava no futuro. Os conglomerados de mídia (que produziam conteúdo em diferentes meios de comunicação) necessitavam das grandes redes de transmissão de dados, sejam elas por cabos, wireless ou satélite. E as telefônicas, donas das redes, demandavam conteúdos que não deixassem suas linhas sub-aproveitadas.
Estava claro que as chances aumentavam se um mesmo grupo conseguisse reunir as estruturas que produzem e transmitem conteúdo.
Há que se somar, na conformação do cenário que pretendo construir, dois outros fatores.
O primeiro, de caráter internacional, foi a bolha especulativa que tomou conta das bolsas de valores de todo o mundo e que influenciou diretamente as empresas da chamada “nova economia” (onde o processo de convergência de mídias ocupava destacada centralidade)[2]. Com esta inflação das empresas de mídia, foram facilitados os empréstimos e atraídos os chamados “venture capital funds”, sempre dispostos a obter lucros rápidos.
No caso específico do Brasil, devemos acrescentar a aposta do governo de Fernando Henrique Cardoso (especialmente motivada pela necessidade de reeleição) na paridade do câmbio entre real e dólar[3].
Estes dois fatores se somam para criar um momento de extrema facilidade para que os grupos de mídia (e a Globo era o maior e o mais credenciado) pudessem fazer captações de recursos no estrangeiro (evitando, inclusive, os juros altos praticados no país).
Uma vez captado o dinheiro, seu destino parecia óbvio: investir nos processos de convergência tecnológica, ao mesmo tempo fortalecendo sua capacidade de produzir conteúdo nas diversas mídias e construindo (ou comprando) redes de distribuição.
Onde era possível, ela foi sozinha. Onde o montante exigido, ou a expertise necessária, requeriam um sócio, optou por parceiros estratégicos internacionais.
Já desde o início dos anos 90, o Grupo Globo vinha investindo (em parceria com sócios minoritários) na montagem da maior empresa de TV paga do Brasil: a operadora de TV a cabo NET. Foram necessários recursos para a construção da rede física, depois um upgrade (ainda hoje inconcluso) para torná-la bi-direcional (e capaz de prover acesso à Internet) e, finalmente, sua digitalização (atualmente em curso). O problema é que o modelo de negócios privilegiou as classes A e B e até hoje o número de assinantes patina em cerca de 1,6 milhão (com um índice alto de churn[4]). Agravando o cenário, a Globo não contava com um sócio estratégico na NET.
Ainda no setor de TV paga, a Globo investiu na montagem do empacotamento de canais com a grife NET para a criação de uma rede de franqueadas. Sob a marca NET estão canais norte-americanos (como o atual Universal Channel) e parcerias entre a Globo e as majors dos Estados Unidos[5] (Telecine).
Para a TV por satélite, a Globo tornou-se sócia majoritária da franquia brasileira da maior operadora do planeta, a Sky (de propriedade de Rupert Murdoch, que, no caso brasileiro, era o sócio minoritário).
Mas, a Globo jamais se descuidou de seu foco que é a produção de conteúdos. A Globosat tornou-se a maior produtora de canais para TV em português.
Com dinheiro fácil e barato, e estimulada pela necessidade de convergência tecnológica, a Globo também resolveu tentar a sorte no mundo da telefonia e transmissão de dados.
Em parceria com a Italia Telecom (sua sócia no portal Globo.com), a Globo participou do leilão de privatização do Sistema Telebrás, tentando adquirir (e fracassando) a Embratel (de olho na aquisição da rede de satélites da operadora de longa distância).
Ainda com Italia Telecom (e Bradesco), a Globo montou a Maxitel, operadora de telefonia celular nos estados de Minas Gerais, Bahia e Sergipe.
E, com a Victori International, sua sócia na operadora de pager Teletrim, a Globo criou a Vicom, empresa de transmissão de dados, especializada na prestação de serviços para grandes grupos econômicos.
Mas, aí começaram os problemas.
A bolha da “nova economia” não se sustentou, muitas empresas fecharam, os fundos de capital de risco perderam dinheiro e a captação de novos recursos se tornou um problema. Com pouco dinheiro circulando, raros ainda tinham disposição para investir nos chamados “mercados emergentes” e os investimentos se concentram nos países ditos desenvolvidos.
Passada a eleição geral de 1998, os custos da manutenção da paridade cambial tornaram-se insustentáveis e o dólar começou a disparar, levando, consigo, as dívidas contraídas no estrangeiro.
Mas, um terceiro e decisivo elemento se somou para conformar a crise da qual a Globo tenta, agora, se livrar. O horizonte da convergência tecnológica não se aproximou com a velocidade que se imaginava, vários problemas (técnicos, regulatórios e negociais) permaneciam sem solução e o retorno de caixa não conseguia amortizar os investimentos feitos. Assim, por exemplo, a Internet banda larga não cresceu na proporção esperada, a TV digital ainda não foi introduzida e a telefonia celular permanece, em grande medida, transportando apenas sinais de voz.
No dia 28 de outubro de 2002 aconteceu o que até então parecia impensável (dado o seu poderio político e papel simbólico desempenhado nos últimos anos): a Globopar (holding da Globo, que exclui TV Globo, Sistema Globo de Rádio e Infoglobo) anunciou o default. A Globopar não tinha condições de saldar suas dívidas. Em dezembro do mesmo ano foi a vez da NET.
A TV Globo seguia sendo uma empresa superavitária, mas o default da Globopar lhe afetava diretamente. A família Marinho dera a TV Globo e o Projac como garantias para os empréstimos de sua holding. Uma afundando, certamente levaria a outra.
O momento atual
Desde o anúncio de seu default, a direção da Globo vem se esforçando para conseguir um acordo com os credores que permita o alongamento dos prazos e a conversão de parte do montante em moeda nacional (livrando-a do problema de arrecadar em reais e pagar em dólares agora que a paridade se tornou uma quimera).
Mas, a renegociação implica na adoção de um novo modelo de negócios que garanta aos credores que o grupo tem condições de se manter como um player importante no mercado de mídia.
O plano adotado passa, em primeiro lugar, por assumir uma nova estratégia diante do cenário de convergência.
A Globo desistiu de ter o controle das redes de transmissão de dados. Parte foi simplesmente vendida. A Teletrim converteu-se em uma prestadora de serviços wireless de propriedade da ex-sócia Victori. A Vicom foi alienada para a Comsat. Globo e Bradesco se retiraram da Maxitel que acabou anexada à TIM.
O foco passou a ser o conteúdo. A Globo ambiciona ter a capacidade de produzir conteúdo em texto, áudio e audiovisual e ser capaz de “empacotá-lo” para as diferentes mídias: jornais, revistas, rádios, TV aberta, TV paga, Internet e telefonia celular, independente de ser a dona da distribuição.
Assim, a Globo decidiu, também, vender suas redes de distribuição de TV paga: NET e Sky. Mas, neste caso, ela não poderia se dar ao luxo de simplesmente deixar o negócio. Era preciso manter uma participação acionária minoritária que lhe garantisse, ao mesmo tempo, reter o uso dos canais de distribuição de seu conteúdo e impedir que outras produtoras (como os canais da Bandeirantes) lhe fizessem concorrência.
Na operadora NET (agora chamada NET Serviços), a Globo ficará com 26.01% do capital votante e a mexicana Telmex (que, no Brasil, já é proprietária da Embratel, da Claro, da ex-AT&T Latin America e da Vésper) com, no mínimo, 62,49%. O contrato entre a Globo e a Telmex prevê que a operadora deve continuar usando a marca NET (cujos canais são “empacotados” pela NET Brasil, empresa sob controle exclusivo da Globo).
Na Sky Brasil a Globo ficou com 28% das ações ordinárias. E Rupert Murdoch com o restante. Murdoch é o proprietário da Fox, da Sky e acaba de adquirir a DirecTV para fundi-la com sua plataforma de TV via satélite. O contrato prevê tanto a exclusividade na distribuição dos pacotes da NET Brasil quanto a possibilidade da Globo colocar os seus canais nas operações da Sky e DirecTV (recentemente comprada pela Sky) ao redor do mundo.
Com isso, a Globo garante que seu conteúdo chegue a dois terços dos assinantes de TV paga no Brasil (NET + Sky + DirectTV) e impede que seus concorrentes tenham acesso a estes mesmos canais de distribuição.
Por fim, a Globo parece ter abandonado, ao menos por enquanto, a idéia de investir no setor de parques temáticos. E, com a crise mundial do mercado fonográfico, desistiu de disputar com as cinco grandes (Universal, Warner, EMI, BMG e Sony), transformando a antiga gravadora Som Livre em uma loja virtual e vendedora de trilhas sonoras de novelas.
Mas, enquanto se desfazia da distribuição, a Globo reforçava sua posição como principal produtora de conteúdo em língua portuguesa.
Foi comprada a parcela da Italia Telecom no portal Globo.com, que vem disponibilizando cada vez mais programação da TV Globo no seu Media Center (arquivo digitalizado).
Na Globo Filmes a estratégia mostra toda a sua coerência interna. A Globo abandonou seu canal de distribuição, entregando-o às majors norte-americanas. Por outro lado, foi reforçada a produção, integrando-a no circuito de mídia do conglomerado.
A Globo Filmes desenvolve um “controle de qualidade” que procura levar para o cinema a expertise criada na TV. A qualidade técnica da produção e os roteiros devem passar pelo crivo de uma equipe coordenada por Daniel Filho. Ao final, o filme é submetido a sessões com grupos de teste para verificar a aceitação do produto. A Globo oferece aos diretores das películas a garantia de artistas de destaque nas novelas da TV e inserções na programação (na forma de anúncios, merchandising e promoções de vendas). E, de acordo com estudos de viabilidade, produtos que deram certo no formato televisivo são exportados para o cinema.
Com o seu foco todo direcionado para o conteúdo, a Globo tem buscado dois tipos de novas parcerias, bem diferentes daquelas do tempo em que acreditou se capaz de montar redes de distribuição de conteúdo multimídia.
De um lado, empresas que possam aportar novos conteúdos, como produtoras para os canais Globosat (em um movimento ainda bastante tímido) e produtoras de conteúdos já consagrados que possam fazer o circuito das diferentes mídias (como o Big Brother, da Endemol, de propriedade da Telefonica de España). Do outro lado, novas parcerias com empresas que detenham os canais de distribuição para os seus conteúdos (como a Vivo, que empacota para a telefonia celular o citado Big Brother).
Mas, o movimento mais ousado da Globo, em sua nova estratégia para escapar ao default, foi a defesa da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 203/1995 que dormiu no Congresso Nacional por sete anos. A PEC propunha a entrada do capital estrangeiro na mídia impressa, rádio e TV aberta, no limite de 30% das ações ordinárias. Bem como, permitia que estas empresas se transformassem em sociedades anônimas. Durante anos a Globo foi contra a entrada do capital estrangeiro por temer deixar de competir com Band, SBT e Record e ter que disputar o mercado brasileiro com Sony, Warner, News e similares, com muito mais poder de fogo. Foi a crise financeira que lhe obrigou aceitar a idéia de que pode ser necessário ter um sócio estrangeiro. Com o apoio decisivo da Globo (atuando diretamente no Congresso Nacional), a proposta foi aprovada no final de 2002.
Até o momento, a perspectiva de renegociação das dívidas permitiu afastar este hipótese.
O problema do marco regulatório
Durante anos a Globo estimulou, no Brasil, a criação de um cenário de real desregulamentação dos meios de comunicação de massa.
O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) data de 1962, estando, portanto, bastante desatualizado frente às diversas inovações que surgiram nos últimos 43 anos.
O CBT sofreu várias alterações no ano de 1967, em plena vigência da ditadura militar. Tais modificações visavam, especialmente, aumentar o rigor das punições e tornaram-se inaplicáveis (inconstitucionais) com a promulgação da Constituição de 1988.
Em 1997, o governo FHC fez aprovar no Congresso Nacional a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) que extirpou do CBT toda a parte referente às telecomunicações, criando, inclusive, uma agência reguladora: Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O CBT ficou, apenas, com a parte referente à radiodifusão.
Ocorre que a diferença entre telecomunicações e radiodifusão vem se tornando cada vez mais tênue, por conta do processo de convergência tecnológica. Por isso, os Estados Unidos aprovaram, em 1996, o Telecommunications Act que engloba todo o fenômeno da comunicação. O mesmo fez o Reino Unido, cujo parlamento, em 2003, promulgou o Communications Act, que enfoca conjuntamente radiodifusão e telecomunicações. Tal movimentação se repete em praticamente toda a União Européia, por exemplo.
Ou seja, para deixar a radiodifusão ao relento da lei, para manter o envelhecido e inaplicável CBT de 1962, o governo brasileiro optou por caminhar no sentido contrário ao dos países ditos desenvolvidos, separando telecomunicações de radiodifusão. Esta atitude só pode ser explicada pela enorme influência do setor radiodifusor no Congresso Nacional.[6]
A conclusão é que existe pouquíssima regulamentação para tratar da comunicação social eletrônica. E quando há legislação, são vários os casos de contradições entre diferentes dispositivos como leis, decretos, normas e portarias.
Este cenário beneficiou enormemente as operações da Globo, que puderam funcionar sem grandes obstáculos legais e praticamente sem participação da sociedade como poder fiscalizador.
Mas, agora, tudo está mudando e o mesmo cenário pode se tornar prejudicial para o futuro das Organizações Globo, particularmente em relação às chamadas novas mídias.
Sem a euforia da época da bolha especulativa, o processo de convergência de mídias, contudo, continua.
O desenvolvimento das Digital Subscriber Lines (DSL) permite que as operadoras de telefonia fixa ofereçam (com a mesma rede das linhas telefônicas tradicionais e a necessidade de alguns upgrades no sistema) provimento a Internet banda larga e, especialmente, que estejam aptas para prover vídeo[7].
Com os serviços de telefonia celular digital muito próximos[8] da chamada terceira geração, as telefônicas móveis cada vez mais se habilitam para prover acesso a Internet e conteúdo em vídeo.
Com o cenário de desregulamentação descrito acima, e com o desenvolvimento tecnológico, a Globo pode estar na iminência de sofrer a concorrência das telefônicas, a maior parte delas pertencente ao capital estrangeiro e todas com um faturamento muito maior do que a própria Globo.
Ou seja, depois de ter frustrados seus objetivos de possuir os instrumentos de produção e transmissão de conteúdos, depois de rever sua estratégia para centrar seu foco apenas no conteúdo, a Globo pode começar a sofrer a concorrência, no seu próprio terreno, das empresas que ficaram com as redes de transmissão.
Lutando para sair do default, esta pode ser uma briga grande demais para a Globo.
“O bode na sala”
Com a nova estratégia traçada (concentrar-se no conteúdo), a Globo iniciou um movimento defensivo-ofensivo. Ao mesmo tempo em que negocia com as “teles” contratos para difusão de seu conteúdo, a Globo utiliza seu poder de pressão junto ao Congresso Nacional para evitar a concorrência das operadoras de telefonia.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), de número 55/2004, começou a tramitar em novembro do ano passado e propõe uma nova redação para o artigo 222 da Constituição Federal que passaria a ter o seguinte caput:
“A propriedade de empresa jornalística, de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens, de empresa de acesso à Internet e de empresa que explore a produção, programação ou o provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações de que façam uso e com os quais não se confundem, é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.”
Em seguida, a PEC define que o controle por brasileiros se expressa através da posse de, no mínimo, setenta por cento do capital votante e que as novas empresas devem estar submetidas a todas as exigências do artigo 221 da Constituição, tais como “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, regionalização cultural, estímulo à produção independente e respeito aos valores éticos.[9]
Na Câmara dos Deputados, projeto de Luiz Piauhylino (PTB-PE) tem praticamente a mesma redação, mas chega a ser mais “ousado” propondo que fica:
“vedado o acesso à Internet senão através de empresa de Provimento de Acesso que preencha as exigências do art. 2º desta lei e seus parágrafos[10]”.
Ou seja, ficaria proibido o acesso a Internet por provedor que não tiver majoritariamente capital nacional.
Fontes consultadas para a confecção deste artigo, e que preferiram o anonimato, garantem que as duas propostas partiram do mesmo endereço: a vice-presidência de relações institucionais da Globo.
Do ponto de vista prático, estas propostas visam impedir que as empresas telefônicas (em geral controladas por capital estrangeiro[11]) disponibilizem conteúdo através de suas redes, exceto se tal conteúdo for comprado de terceiros que sejam majoritariamente de capital nacional.
A Globo sabe que tais medidas são quase impossíveis.
Com o processo de convergência tecnológica, a Internet vai deixando de ser uma rede de computadores para perseguir a meta da ubiqüidade. Como evitar, por exemplo, que um portal como o Terra (pertencente à espanhola Telefonica) disponibilize em seu site (que pode estar hospedado na Espanha) conteúdo audiovisual (tal como filmes, por exemplo) em língua portuguesa e que termine sendo do interesse de usuários brasileiros? E que tal acesso seja feito por uma linha DSL da própria Telefonica ou por um terminal móvel da Vivo?
Ao mesmo tempo, a Globo sabe que o governo não dispõe de mecanismos sofisticados o suficiente para detectar as modernas operações acionárias que permitem que uma empresa legalmente sob controle brasileiro esteja, de fato, nas mãos de um grupo transnacional.[12]
O que a Globo pretende mesmo é colocar “o bode na sala” e demonstrar sua força política para as operadoras de telefonia. Assim, depois, poderá negociar um acordo que lhe garanta o privilégio de ser a produtora de conteúdo que as “teles” tanto necessitam para ocupar suas redes de banda larga, em grande parte ociosas.
Em contrapartida, a Globo oferece tanto a possibilidade de retirar o “bode da sala” quanto a expertise, única no mundo, de produzir, ou adaptar, (“customizando”) um conteúdo com qualidade técnica e já testado para o “gosto médio”[13] do brasileiro.
Demonstrar sua força para depois negociar.
Por isso, na entrevista de Roberto Irineu Marinho citada acima, o presidente da Globo afirma: “acredito que essa divisão de tarefas[14] se consolidará pela via do mercado”. Mas, deixa a porta aberta para colocar novamente o “bode na sala” se as teles não aceitarem um processo negociado: “nada impede que haja, também, uma forma de impor esta divisão de tarefas do ponto de vista legal”.
Conclusão
Como foi visto ao longo deste texto, a Globo foi obrigada a mudar sua estratégia frente aos processos de convergência de mídia. No primeiro momento, a idéia era controlar tanto a produção de conteúdos quanto as redes de transmissão de dados. Com o fracasso da estratégia e o default, a Globo passou a se concentrar na produção de conteúdos customizados para o mercado de brasileiros[15].
Nesse sentido, a TV Globo ganha enorme importância. Primeiro, por ser uma unidade superavitária em um grupo econômico com dificuldades financeiras[16]. Segundo, porque formata a matriz dos conteúdos, atinge mais de 99% do território brasileiro e mais fortemente afeta a construção do imaginário popular.
A partir desta matriz, as demais unidades de negócio se estruturam para formatar os conteúdos em suas respectivas mídias: Editora Globo, Som Livre, Globosat, Sistema Globo de Rádios, Infoglobo (O Globo, Extra, Diário de São Paulo e Valor Econômico) e Globo.com.
A participação acionária da Globo permite que este conteúdo seja transmitido pelas duas maiores plataformas de TV paga do país: a Sky (que, em breve, irá englobar a DirecTV) e a NET Serviços. Para que a estratégia funcione, é fundamental o papel da unidade NET Brasil que “empacota” os canais (da Globosat e outros internacionais) sob um mesmo “brand”.
Por fim, contratos com empresas que possuam redes de transmissão (particularmente as teles) garantem novas formas de escoar a produção de conteúdos.
Ainda que seja formalmente uma unidade pequena no interior da Globo, o portal Globo.com cumpre um papel fundamental nessa estratégia. Como o pr] ]>