Pela primeira vez discutida num encontro de direitos humanos, a comunicação será abordada como um direito social, determinado pelo acesso irrestrito à informação e ao conhecimento e aos meios de produção e veiculação de idéias. Campanha será lançada no segundo semestre deste ano. Por Jonas Valente, para a Carta Maior, 15/08/2005
Brasília – Desde 1996, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e entidades ligadas a esta luta reúnem-se em uma conferência nacional. O encontro se constituiu historicamente como espaço de debate, articulação e posicionamento do movimento de direitos humanos entre si e em relação ao Estado. Em 2004, com a entrada da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, até então ligada à Presidência da República, a conferência passou a ter caráter deliberativo e periodicidade bianual, estando a próxima marcada para 2006. Mas as organizações sentiram a necessidade de retomar um espaço com características da velha conferência, para pensar juntas ações a difícil conjuntura política que o país vive. Com base neste sentimento, a sociedade civil organizada reunida em torno do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH) e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara programaram para os dias 17 e 18 de agosto o Encontro Nacional de Direitos Humanos, espaço que irá debater a pauta do movimento e resultar em uma carta, mas sem qualquer caráter deliberativo. O tema escolhido para o encontro foi o direito humano à comunicação. Segundo informações no sítio da CDHM, a decisão do assunto se deu “por sua atualidade e importância para a sociedade e para os diversos segmentos da luta por direitos humanos”.
O objetivo principal do encontro é “estimular o debate sobre o direito à comunicação e sobre as demandas por políticas públicas que assegurem a diversidade, a defesa e a promoção dos direitos humanos, em suas várias vertentes, no sistema de comunicação e informação”, como afirma seu documento-base. Partindo da temática e de outras pautas do movimento de direitos humanos, os grupos de trabalho terão os seguintes temas: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Relatório da sociedade brasileira sobre implementação do Pacto Internacional de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais e Pacto dos Direitos Civis e Políticos; Combate à tortura; Proteção aos defensores dos direitos humanos; Direito Humano à Comunicação; Violação dos direitos humanos na mídia: Educação e Comunicação em Direitos Humanos; Estado federal e implementação de tratados, recomendações e decisões de direitos humanos; Avaliação de políticas públicas de direitos humanos. Segundo informações da organização, os temas dos GTs estão relacionados “objetos de documentos e visitas oficiais de monitoramento de direitos no Brasil este ano”.
Para as organizações promotoras, a escolha do direito humano à comunicação como tema do encontro foi um importante passo no avanço da luta por este direito, que embora seja objeto de uma discussão antiga, vem ganhando visibilidade no Brasil há alguns anos apenas. O conceito surgiu na virada dos anos 80 no âmbito da Unesco a partir de uma reflexão de que o fluxo de informação e cultura se encontrava desequilibrado e, portanto, a comunicação deveria ser alvo de políticas nacionais visando corrigir este problema. Para fazer uma avaliação global do problema, a organização da ONU produziu um estudo apelidado de relatório McBride (por conta do nome de seu coordenador, o irlandês Sean McBride). O documento está completando 25 anos e a recuperação de sua contribuição bem como da história da evolução deste termo são também objetivos do encontro.
“É a primeira vez que o tema é discutido num encontro de direitos humanos. E isto é fundamental e enriquecedor. É preciso tratar as políticas públicas de comunicação como políticas sociais fundamentais para transformação da sociedade”, reforça o subsecretário de direitos humanos, Mário Mamede. De acordo com o documento-base do encontro, o direito humano à comunicação consagra direitos individuais históricos, como a liberdade de expressão e acesso à informação, mas avança numa perspectiva de relevância coletiva. “Nesse aspecto, o direito à comunicação, como direito social, determina-se pelo acesso irrestrito à informação e ao conhecimento e aos meios de produção e veiculação de idéias mediante condições técnicas e materiais que permitam ao cidadão e à cidadã o exercício pleno do seu direito de ter voz e de ser ouvido”, diz o texto.
Para João Brant, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e da CRIS Brasil – Articulação Brasileira pelo Direito Humano à Comunicação, uma das entidades parceiras do encontro, o evento será essencial de diálogo entre organizações que trabalham já com a luta pelo direito à comunicação e outros segmentos da luta pelos direitos humanos, que sentem o problema de uma mídia oligopolizada e opressora no seu dia-a-dia. “Uma tarefa que estamos buscando construir juntos é atuar de maneira dura contra as violações de direitos humanos na mídia, uma das principais formas de reproduzir em larga escala a discriminação e o preconceito”. Ele informa que a articulação prepara para este segundo semestre uma campanha pra dar visibilidade à luta por este direito que trabalhe a inversão do paradigma atual da mídia brasileira fortalecendo o interesse coletivo e dos sujeitos de direitos ao invés da finalidade comercial.
Momento político difícil
Já não bastasse a crise política, que coloca incertezas sobre o futuro político do país, o momento no qual acontece a conferência é também marcado por um cenário de retrocesso na luta pelos direitos humanos. A pasta da área, que possuía status de ministério e era ocupada por Nilmário Miranda, foi rebaixada a uma sub-secretaria no âmbito da Secretaria Geral da Presidência, comandada por Luiz Dulci. “O encontro chega num momento fragilizado da luta por direitos humanos. Um dos principais instrumentos de garantia de políticas públicas de direitos humanos foi tirado do status de ministério, o que tem conseqüências não somente na perda de poder político, mas também dos recursos para a área, que já eram escassos”, avalia Rosiana Queiroz, coordenadora do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
Ela analisa que a atitude do presidente Lula deixa os movimentos perdidos em relação às expectativas sobre o novo órgão. “O encontro acontece no m
omento em que a gente não tem claras as perspectivas em relação ao governo, não sabemos o que esta secretaria será capaz de operar. Quem vai dar o tom, o subsecretário Mário Mamede ou o ministro Luiz Dulci?”, questiona. Para Rosiana Queiroz, exatamente pela situação difícil em que se encontra a área, o encontro é uma ótima oportunidade de colocar as organizações frente à frente pra fazer uma avaliação conjunta da conjuntura e se articularem para pressionar o governo a favor de suas pautas. O que não se sabe é qual a capacidade ofensiva do governo federal após as sucessivas denúncias e ataques que compõem a “crise do mensalão”.