Por Flavio Ilha – publicado em O Globo
PORTO ALEGRE — Os Judiciários do Uruguai e da Itália vão pedir formalmente ao Brasil a extradição do ex-coronel uruguaio Pedro Antonio Mato Narbondo, responsável direto pelo desaparecimento de quatro militantes de esquerda no país vizinho, em 1976. Os dois países querem que o militar reformado, que vive desde 2001 em Santana do Livramento, na divisa do Brasil com o Uruguai, responda pelos crimes de sequestro, tortura e assassinato.
Narbondo, que também tem cidadania brasileira, é réu em três processos judiciais na Argentina, no Uruguai e na Itália, e também é acusado de ter participado dos assassinatos do senador Zelmar Michelini e do deputado Héctor Ruíz, em Buenos Aires, em maio de 1976.
O coronel foi localizado pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul depois de informações desencontradas sobre seu paradeiro. Especulou-se que Narbondo tivesse se refugiado numa praia do Nordeste brasileiro. Contra o coronel pesa desde 2005 uma ordem de captura expedida pela Interpol (polícia internacional) a pedido da Corte Penal de Roma.
— Infelizmente, ele está protegido pelas leis brasileiras e vive tranquilamente na fronteira, sem medo de responder pelos crimes. Mas esperamos que os pedidos (de extradição) alterem o quadro, trata-se de militar com vasto currículo de serviços prestados à Operação Condor — disse o presidente do Movimento, Jair Krischke.
Na quarta-feira, o procurador Giancarlo Capaldo, que cuida do caso em Roma, entrou em contato com o movimento para obter informações sobre a localização de Narbondo. O objetivo é encaminhar um pedido formal de extradição ao Itamaraty e comunicar à Interpol sobre o paradeiro do coronel. Se não obtiver a extradição, a Corte italiana pedirá ao governo brasileiro que abra um processo contra o militar na Justiça local.
No início de janeiro, o advogado de Narbondo, Júlio Favero, ingressou junto ao STF com um pedido de habeas corpus preventivo contra a Interpol, para evitar uma eventual detenção do coronel devido à ação italiana. Ele responde com outros militares uruguaios pelo desaparecimento de 23 cidadãos italianos, 13 deles nascidos no Uruguai. O pedido foi distribuído ao ministro Luiz Fux em 8 de janeiro.
Como é filho de mãe brasileira, o coronel obteve cidadania em 2003 e, na prática, não pode ser extraditado, independentemente da gravidade dos crimes cometidos no exterior. Mas um acordo assinado entre os países do Mercosul em 2004, dos quais Brasil, Argentina e Uruguai são signatários, determina que o réu responda a processo criminal no país caso a extradição seja negada.
Mesmo que os homicídios ocorridos em 1976 tenham sido prescritos, de acordo com as leis brasileiras, Narbondo deve responder judicialmente pelos sequestros de que é acusado devido à interpretação de que o crime ainda está em curso, já que as vítimas nunca foram encontradas. No STF, há jurisprudência de que desaparecimentos forçados são delitos de caráter permanente, sem possibilidade de prescrição.
Além dos sequestros e dos homicídios de 1976, Narbondo também é acusado pela Justiça uruguaia do assassinato, mediante tortura, do militante democrata-cristão Luis Batalla, em maio de 1972 — antes, portanto, do golpe militar que instalou a ditadura no país vizinho um ano depois. Esse processo foi aberto em 2013. Para Krischke, é mais uma prova de que a Operação Condor começou muito antes do encontro de cúpula entre ditadores sul-americanos que formalizou sua criação no Chile, em 1975.
— Ainda em 1970, o então capitão fez cursos sobre táticas de repressão e tortura na famigerada Escola das Américas, na zona do Canal do Panamá — disse Krischke.