Por Paulo Donizetti
O mês de março deste ano foi o ápice daquilo que os veículos de comunicação transformaram em novela, com todos os temperos dramáticos: a escolha do candidato do PSDB para disputar contra Lula a eleição para presidente da República. No dia 14 daquele mês, o partido anunciou a opção pelo ex-governador Geraldo Alckmin em detrimento do então prefeito paulistano, José Serra. A busca por uma alternativa para enfrentar o favoritismo do candidato do PT foi tratada como se o país todo tivesse alguma dose de ansiedade pela definição tucana. No auge do drama, a segunda quinzena de março foi um festival de Alckmin por todos os lados, na tentativa da mídia de tirá-lo do anonimato – embora fosse “o nome que os empresários preferiam desde sempre”, como assinalou a Folha de S.Paulo em sua chamada de capa.
Para se ter uma idéia, somente Lula (o presidente, não o candidato) apareceu mais vezes que Alckmin no noticiário do Estado de S. Paulo naquele período. Ainda assim, apenas 13% das aparições de Lula tinham alguma conotação positiva, enquanto 42% eram negativas. Já as citações ao tucano tinham aspecto praticamente oposto: 10% eram negativas e 41%, positivas.
Esse é um dos tipos de aferição feitos pelo Doxa, nome do Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública, criado em 1996, no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), da Universidade Cândido Mendes. O Doxa – www.doxa.iuperj.br – tem acervo de propaganda e jornalismo políticos e pesquisas de opinião, programas eleitorais desde 1988, telejornais, aparições de candidatos e documentários. Permite, mais que investigar históricos de políticos e partidos, analisar o comportamento da mídia.
Agora, no final de agosto, o Brasil ganhou mais um centro de pesquisa empenhado em destrinchar de que forma os principais acontecimentos do país são tratados pelos grandes meios de comunicação. O Observatório Brasileiro de Mídia, criado no Fórum Social Mundial e associado ao Media Watch Global, acompanha o noticiário dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo e Correio Braziliense, além das revistas semanais Veja, Época, IstoÉ e Carta Capital. E investiga os tratamentos dispensados a quatro candidatos à Presidência da República – Lula, Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam Buarque. Relatórios são divulgados semanalmente no www.observatoriodemidia.org.br.
O Observatório elaborou um relatório parcial que mediu como esses candidatos foram tratados pelos textos dos jornais citados no período de 6 de julho a 25 de agosto (veja gráficos). Segundo o estudo, o candidato Lula recebe tratamento positivo em 31,2% das oportunidades em que aparece nesses jornais, enquanto 47,41% das matérias têm abordagem negativa. Já o presidente Lula é citado de maneira negativa em 48,39% dos casos, ante 31,23% das menções positivas. Quando o personagem é Geraldo Alckmin, as curvas se invertem: as citações positivas são 44,56% e as negativas, 31,42%.
Na média de quatro edições analisadas das revistas – da última semana de julho até meados de agosto –, o presidente Lula aparece de forma negativa em 60% dos textos e positiva em 20%. Alckmin tem 54,55% dos tratamentos positivos e 18,18% negativos.
De acordo com o sociólogo Alexandre Nascimento, um dos coordenadores do Observatório, as diferenças de tratamento não parecem tão grandes quando vistas em termos relativos (percentuais), mas quando se verificam os números absolutos – que é concretamente a quantidade de vezes que o assunto aparece – são gritantes. O personagem Lula presidente é mencionado negativamente pelos jornais 330 vezes de um total de 682; enquanto seu principal adversário, Alckmin, recebe 153 abordagens negativas de um total de 487 aparições. “A maior quantidade absoluta agrava o peso das menções negativas e evidencia o desequilíbrio da cobertura”, avalia Nascimento.
Para o diretor financeiro do Observatório, Kjeld Jacobsen, uma das finalidades do instituto é proporcionar ao pesquisador uma possibilidade de leitura mais qualificada das publicações. “A imprensa é tida como o quarto poder, mas a sociedade dispõe de pouquíssimos meios de verificar como esse poder é exercido”, explica. “A liberdade de imprensa é fundamental para a democracia, e a transparência também. Não vejo problema em uma revista ou jornal ter preferência por algum candidato, partido ou projeto. Problema é esconder isso dos leitores.”
Jacobsen diz que o papel do Observatório Brasileiro de Mídia não se restringirá ao noticiário político. “No momento, é o tema mais relevante. Mas tudo que disser respeito ao mundo do trabalho, direitos humanos, educação, movimentos sociais e outros temas de interesse direto do cidadão será objeto de análise”, afirma. “É proporcionar aos leitores meios de verificar se o seu direito à informação é respeitado.”