Intelectuais presentes em seminário promovido pela Unesco, no Rio, avaliam que casos recentes nos EUA, onde parte dos veículos adotou a autocensura, no Brasil e na Venezuela mostram que a relação mídia-poder tem de ser tema central da análise política internacional. Por Maurício Thuswohl, da Agência Carta Maior, 15/10/2005

Elemento indispensável para a compreensão do mundo moderno, a relação entre os meios de comunicação de massa e o poder foi um dos principais temas de discussão do seminário da Cátedra e Rede Unesco/ONU em Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen), que terminou na quinta-feira (13) no Rio de Janeiro. Segundo a análise feita pelos intelectuais presentes ao evento, casos recentes como o dos Estados Unidos, onde parte da mídia adotou uma postura de autocensura frente ao avanço autoritário do governo de George W. Bush; da Venezuela, onde os senhores da mídia privada tentaram derrubar o presidente Hugo Chávez; e até mesmo do Brasil, onde a mídia conservadora aproveita os erros do governo do PT para tentar sepultar como um todo o projeto de esquerda para o país, mostram que a relação mídia-poder é objeto central da análise política internacional. 

“Não vejo a sociedade de massas como democrática, mas sim como aprofundadora da exclusão cultural e social. Os principais meios de comunicação continuam servindo como instrumentos de conservação do poder”, disse o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral. Ele qualificou como “novo fundamentalismo” a crescente ofensiva cultural que as potências hegemônicas, sobretudo os EUA, impõem aos demais países através dos meios de comunicação: “Massificam a cultura de língua inglesa e, com isso, atacam as demais identidades culturais nacionais. Trata-se de uma nova cruzada, um novo fundamentalismo que está preparando o terreno para a volta do fascismo”, disse. 

No caso específico do Brasil, Amaral evitou citar diretamente a crise do governo Lula, mas utilizou os exemplos do Iraque e da Venezuela para demonstrar o que ele chamou de “opção político-ideológica” da imprensa brasileira: “No caso do Iraque, nossos principais veículos ainda chamam de terroristas as forças que resistem à ocupação do país. No caso da Venezuela, houve um alinhamento imediato aos que reconheceram como legítimo o golpe contra Chávez”, disse o ex-ministro. Para o diplomata João Baena Soares, os grandes grupos de comunicação no Brasil não têm uma visão nacionalista, apesar do discurso que às vezes beira o ufanismo: “A grande mídia não coopera para a defesa dos interesses culturais de nosso povo e apenas reproduz automaticamente o que é ditado por fora”, disse. 

Estudioso da chamada revolução bolivariana na Venezuela e de suas conseqüências e reações, o escritor e cartunista Gilberto Maringoni afirmou que “a história dos meios de comunicação de massas na América Latina é a história do acúmulo de capital”, fato que torna natural a reação da grande mídia contra governantes que não foram forjados por ela e que representam eventuais mudanças no sistema dominante, como é caso de Chávez ou de Luiz Inácio Lula da Silva. O exemplo brasileiro, segundo ele, é emblemático: “Em relação à cobertura da crise no governo Lula, podemos perceber que a dimensão dada aos escândalos é muito maior do que a dada em outros governos que, no entanto, comprovadamente protagonizaram escândalos ainda maiores”, disse Maringoni. 

Concentração de poder 

Um fator surgido nos últimos anos e que pode colaborar para que a grande mídia seja cada vez mais conivente com posturas de poder autoritárias num futuro próximo, segundo os intelectuais reunidos no seminário da Reggen, é a onda de fusões e aquisições que está tirando as principais empresas das mãos das famílias que as controlavam e as colocando sob o controle de grandes conglomerados financeiros. Residente em Paris e conselheiro da reitoria da Universidade das Nações Unidas (UNU), o brasileiro Marco Antônio Dias citou o caso da França, onde jornais como Le Figaro, Le Monde e Libération foram comprados recentemente: “Essa mudança fez ressurgir no país as discussões sobre os conceitos de direito à comunicação”, disse.

Outra crítica feita à grande mídia pelos intelectuais da Reggen é dirigida à sua submissão aos interesses do mercado: “O conjunto de signos culturais que nos é transmitido incessantemente representa meramente a visão do mercado e seus interesses de expansão”, afirmou a professora Estrella Bohadana, da Universidade Estácio de Sá. Para Baena Soares, essa deformação tem maior influência sobre as gerações mais novas: “O preocupante é que estão moldando a mente de quem vai estar no poder daqui a alguns anos”, disse o embaixador. Roberto Amaral citou o caráter excludente que esta visão ditada pelo mercado dá a mídia: “Se a informação é um bem de consumo, também é distribuída desigualmente, assim como outros bens de consumo”, disse o ex-ministro. 

Telesul e outras alternativas 

Apesar da abundância de constatações quanto ao caráter centralizador e conservador da grande mídia, poucas foram as alternativas citadas no seminário da Reggen para contrapor esta concentração de poder que pode facilitar uma nova onda autoritária no planeta num futuro próximo. Ao longo das discussões, pôde-se perceber que muitas esperanças da Academia estão hoje depositadas na consolidação da Telesul, rede pública internacional de televisão recentemente lançada pelos governos de Venezuela e Cuba com ajuda de Argentina e Uruguai. 

Com programação voltada para uma difusão política e cultural que facilite a emancipação dos povos dos países da América Latina, a Telesul, segundo os intelectuais, é um exemplo a ser seguido: “A Telesul é uma entre tantas colaborações que a Venezuela pretende dar para a libertação dos países da região e para a consolidação da revolução bolivariana”, disse Edgardo Lander, professor da Universidade Central da Venezuela e famoso por negociar a Alca com os EUA em nome do governo de seu país. A Telesul também foi lembrada por Maringoni, que criticou o governo brasileiro: “Ainda são muitas as tentativas de acabar com a Telesul, que é uma rede internacional e internacionalizante. É lamentável que o Brasil não esteja participando desta iniciativa”, disse o brasileiro.

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Publicado originalmente na Agência Carta Maior.