Nos meses de março e abril o BoletimNPC vai levar para nossos leitores artigos que tenham alguma relação com o regime militar que vigorou no país de 1964 a 1984. Nesta edição, vamos falar do Partido Operário Comunista (POC), fundado em 1968. Foi o resultado da fusão entre a Política Operária (Polop) e a Dissidência Leninista do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio Grande do Sul.
[Por Angela Mendes de Alrmeida e Maria Regina Pilla -| 01/01/2008] Fundado em 1968, o POC (Partido Operário Comunista) foi o resultado da fusão entre a POLOP (sigla de Política Operária) e a Dissidência Leninista do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio Grande do Sul. Desde a sua origem, o POC se reivindicou como a continuação da POLOP, adotando como base programática o “Programa Socialista para o Brasil”, que no decorrer dos anos 1961 (data da fundação da POLOP) até 1968 havia orientado as posições de seus militantes no debate ideológico que nesses anos os opunha ao PCB (diretamente marcado pela influência soviética) e às correntes originárias do catolicismo de esquerda, que deram origem à AP. O golpe de 1964 veio colocar em cheque aquilo que se convencionou chamar como o “reformismo” do PCB, em poucas palavras, a sua famosa teoria da “revolução por etapas” – pela qual nosso país se encontraria na fase da revolução democrático-burguesa e, portanto, de alianças com um pretenso setor “revolucionário” da burguesia nacional, a mesma que havia articulado o golpe contra as forças progressistas do país. Era contra essa visão que se colocava o “Programa Socialista para o Brasil”.
Durante o ano de 1967, todas as correntes de esquerda no Brasil foram galvanizadas por uma série de fatos políticos entre os quais a divulgação das teses foquistas através do livro de Regis Debray, em Revolução na revolução, que pretendia estar teorizando a experiência cubana; o assassinato de Che Guevara, em 8 de outubro daquele ano, na Bolívia; a evolução da Guerra do Vietnã e as vitórias heróicas dos viet-kongs, aos quais se associava a palavra de ordem de “Criar um, dois, três, muitos Vietnãs”; e a divulgação das teses maoístas; além, é claro, da tomada de consciência sobre o fracasso que havia sido a impotência dos setores populares diante do golpe militar de 1964 e da política pecebista de aliança com a “burguesia progressista”.
Todos estes fatores levaram não apenas ao incremento da militância de esquerda, como a um reagrupamento dessas forças. No que concerne à POLOP, duas cisões importantes, decididas a iniciar a luta armada, carregaram militantes para a VPR e aCOLINA.
Ao mesmo tempo em que se gestavam essas cisões, fruto de amplas discussões dentro de cada organização e entre elas, a ala que continuava a defender o “Programa Socialista para o Brasil”, aproximou-se da “Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul” (do PCB). Nas discussões entre estes dois setores, que daria origem ao POC, firmara-se a confirmação da adesão ao chamado “marxismo revolucionário”, que fazia a crítica do stalinismo da União Soviética e reivindicava uma análise marxista crítica da realidade brasileira, na qual não cabia a idéia de aliança com a “burguesia nacional”, supostamente progressista. Ao mesmo tempo o POC reivindicava o papel preponderante da classe operária na revolução e nisso seguia seus líderes que haviam já escrito abundantemente sobre o assunto: Rui Mauro Marini (exilado desde 1964 e já falecido), Ernesto Martins (nome de guerra de Erich Sacks, militante alemão que havia lutado nas Brigadas Internacionais da guerra civil espanhola), preso nos anos setenta e falecido posteriormente, e Eder Sader (já falecido).
Foi portanto a herança da POLOP que guiou a atuação do POC no ano crucial da revolução brasileira e mundial, 1968. Foi a partir dessas idéias e da atuação no movimento estudantil que foi elaborada a tese da “Universidade Crítica”, com a qual os militantes atuaram no movimento, em vários estados do Brasil e com presença na UNE, sobretudo no XXX Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, em outubro de 1968. Foi também com estas bases programáticas que o POC procurou ampliar seus contatos no movimento operário, tendo participado da famosa Greve de Osasco, em 1968. E, naturalmente, sobretudo depois do Ato Institucional nº 5, em dezembro desse mesmo ano, que trouxe o refluxo do movimento de massas e o endurecimento espantoso da repressão, uma parte de seus militantes não ficou imune ao desejo de aderir à luta armada, juntando-se a outras organizações que já a praticavam.
As discussões sobre esta questão foram o pomo de discórdia que levou à cisão, em 1969, de uma parte minoritária, embora significativa, do partido, que reinvindicando a manutenção das teses da POLOP sem qualquer modificação face à conjuntura, voltou a adotar o nome de POLOP, levando dois dirigentes dos mais antigos e importantes, Martins e Sader. Ao mesmo tempo, em meados do ano seguinte o partido sofria o seu primeiro golpe repressivo.
O POC continuou as suas atividades (agora sob o nome de POC-Combate, nome da revista que editou, já no exílio), no movimento estudantil e no movimento operário, prejudicado pela dura e asfixiante repressão, ao mesmo tempo em que ampliava suas relações com algumas organizações armadas que, justamente nesse momento, eram vítimas de dura repressão.
O clima de 1970 era angustiante: parecia a muitos que a luta, além de árdua, não teria frutos. Impressionados por esse clima, onde havia até certo derrotismo, e tentando contrapor-se a ele, alguns militantes, renovando suas raízes antistalinistas, procuraram desenvolver contatos internacionais que lhes ampliassem o horizonte asfixiante dos acontecimentos no Brasil e dessem ao partido uma dimensão histórica da luta revolucionária. Foi assim que nasceram, no segundo semestre de 1970, os primeiros contatos com a IV Internacional (Secretariado Unificado), liderada naquele momento por Ernest Mandel (já falecido), Pierre Frank (ex-secretário de Trotsky, já falecido), Alain Krivine (atualmente deputado pela França ao Parlamento Europeu) e Daniel Bensaïd. Desses contatos brotou a adesão à IV Internacional e a elaboração de cinco teses: “Por uma revisão da estratégia de guerra revolucionária”, “Questões de organização e programa para o movimento operário”, “Sobre a construção do partido leninista de combate”, “O que é o PCB” e “Teses sobre o ABC”, publicadas em Combate nº 1, em 1971.
Mas ao mesmo tempo em que estas sementes frutificadoras de uma militância mais consciente e mais ampla eram forjadas, a repressão, que varria todas as organizações da extrema esquerda (poupando, naquela fase, o PCB), acabou atingindo também o POC, em meados de 1971, quando dezenas e centenas de militantes foram presos, sobretudo em São Paulo e no Rio Grande do Sul, sendo que seu jovem dirigente, Luiz Eduardo Merlino, torturado brutalmente durante 48 horas e abandonado em uma solitária, terminou por morrer de gangrena.
Entre os militantes que se salvaram da repressão (alguns por se encontrarem provisoriamente fora do país), a maioria se exilou no Chile, enquanto alguns tentaram (e conseguiram) sobreviver no país, apesar de condenados e perseguidos. No Chile um reagrupamento foi efetuado, já agora sob a égide de uma militância internacional. Em meio a novos recrutamentos, além da militância local nas organizações ligadas à IV Internacional, dois núcleos de atuação, interligados, se organizaram: um no Chile, que se preparava para a reinserção no Brasil, e outro na Argentina, que em um primeiro momento atuava dentro do PRT (Partido Revolucionário de los Trabajadores), que nessa época tinha ligações com a IV Internacional.
O núcleo do POC-Combate que atuava no Chile conseguiu, lentamente e com grandes dificuldades, desde o início de 1973, reinserir no Brasil, alguns militantes que estavam voltados para, em primeiro lugar, conseguir sobreviver, o que já não era fácil para muitos que já estavam fichados pela repressão, e para concentrar seus esforços, nesse momento, no movimento operário.
Outros militantes, entretanto, estavam ainda no Chile quando o golpe militar se tornara irreversível, em julho de 1973, e naquela conjuntura, movidos por um sentimento internacionalista, apesar de poderem deslocar-se, seja para a Argentina, seja para o caminho já trilhado do Brasil, decidiram ficar e, se fosse possível, colaborar na resistência chilena. Não foi possível: lá também não houve resistência organizada e o militante Nelson de Souza Kohl foi assassinado pelos esbirros de Pinochet, tendo sido preso e “desaparecido” em 15 de setembro, quatro dias depois do golpe.
O núcleo que atuava na Argentina, terminou, em certa medida, aglutinado pelo grupo de militantes argentinos que, fazendo uma opção mais clara e decidida pela IV Intenacional, deixaram o PRT para fundar a Fracción Roja, em 1973. Dentro dessa organização, embora mantendo o contato e a solidariedade prática com o núcleo do Brasil, militantes brasileiros do POC-Combate atuaram durante o período de repressão do governo de Isabelita Perón e da terrorista “Três A – Aliança Anticomunista Argentina” – na fase cruel de preparação da ditadura militar que viria a tomar o poder em 23 de março de 1976. Em maio de 1975, essa repressão, que já havia golpeado duramente as organizações da extrema esquerda, armadas ou não, atingiu a Fracción Roja, com a prisão de cerca de duas dezenas de militantes, inclusive três brasileiros (dentre os quais Flávio Koutzii e Paulo Paranaguá), que juntamente com os argentinos, foram barbaramente torturados e posteriormente processados, permanecendo presos devido às lei do “estado de sítio”.
De 1975 em diante, os militantes do POC-Combate, espalhados pelo mundo, nas prisões argentinas, na militância dificultosa no Brasil, no exílio por diversos países europeus e latino-americanos, desarticularam-se politicamente, muitos deles preferindo atuar na organização da IV Internacional do país em que viviam. Mantiveram no entanto laços de solidariedade pessoal, sobretudo entre argentinos e brasileiros, que duram até hoje.