Por Ívina Costa

A última mesa de debates do 20º Curso Anual do NPC, realizada no sábado (08.11), teve o objetivo de apontar os desafios imediatos e históricos da comunicação dos trabalhadores. Participaram desse debate os jornalistas Beto Almeida, do canal de televisão Telesur; Leonardo Wexell Severo, do jornal Hora do Povo; Renato Rovai, da revista Fórum; e Vito Gianotti, escritor e coordenador do NPC.

Beto Almeida

Beto Almeida

Beto Almeida abriu o debate, dizendo que “estamos vivendo uma situação de extrema gravidade no país”. Para ele, está em curso no Brasil uma campanha midiática, movida pela direita, a fim de inviabilizar o próximo governo da presidenta Dilma Roussef. Ele lembrou que os golpes de estado fazem parte da rotina política do continente. E acrescentou que, do ponto de vista da comunicação, acha que estamos  despreparados, não só para a batalha de idéias, mas, até mesmo, para garantir a continuidade da democracia. Isso porque, segundo ele, deixamos em segundo plano a comunicação, condição estratégica na formação de opiniões.

De acordo com o jornalista, “há hoje uma necessidade inadiável de se estabelecer uma nova campanha da legalidade”. Ele comparou o momento político atual ao ano de 1961, quando Leonel Brizola era governador do Rio Grande do Sul. “Prevendo um golpe de estado para impedir a posse do vice-presidente João Goulart, já que Janio Quadros havia renunciado, Brizola organizou a defesa comunicacional dos direitos do povo brasileiro,  por meio do rádio e o jornal. Hoje está acontecendo a mesma coisa. Os setores conservadores estão organizadíssimos e cada vez mais coordenados entre si para promover, de alguma forma, o golpe no país”.

Depois de exemplificar algumas formas de se promover um golpe de Estado, além da via militar, apontou algumas motivações do capital internacional. “Querem petróleo, urânio, nióbio… e querem também impedir a continuação da política externa dos governos Lula e Dilma, que tem atuado positivamente em relação à integração latino-americana”. E também devido à “possibilidade de coordenação que o Brasil está estabelecendo com os Brics para formar um campo anti-imperialista internacional, seja através de bancos ou de financiamento de projetos produtivos para o desenvolvimento de portos e ferrovias aqui e em outros países”.

Localizado em Cuba e financiado pelo BNDES, o Porto de Mariel foi citado como exemplo de iniciativas que vem sendo deformadas, no campo da comunicação, na tentativa de justificar que o governo não teria condições, ou mesmo direitos, de exercer a presidência. Beto ressaltou que “os derrotados querem impor a política econômica e social deles” e concluiu dizendo que não vê respostas do campo progressista à articulação do golpe através da mídia.

Uma questão importante levantada por ele foi: “Como democratizar a comunicação, se não temos maioria no Congresso?”. A alternativa seria optar por medidas que não dependam de mudanças na  Constituição. Nesse sentido, a única opção, na opinião dele, seria criar um jornal diário, de grande circulação, impresso e digital, que chegue a todos os cantos do país, e seja voltado para os interesses dos trabalhadores.

Para os que não acreditam mais na força do jornal impresso no campo de disputa de idéias, Beto lembrou que o Congresso Mundial de Editores de Jornal registrou a ampliação do número de jornais impressos, de distribuição gratuita. “Isso mostra que a produção de jornais não está diminuindo, como muitos acreditam. Ao contrário, está crescendo, porque a burguesia percebe que esse ainda é um campo importante”.

Avanços na América Latina

Em seguida, contou experiências de outros países da América Latina em relação à democratização dos meios de comunicação. “Na Bolívia, há cinco anos, o presidente Evo Morales fundou o  jornal público Cambio. Hoje esse jornal tem uma tiragem similar a do La Nación, o jornal mais antigo do país, só que com um preço quatro vezes menor. Ou seja, o Cambio se transformou num jornal de massas.  Evo Morales foi reeleito com expressiva votação e apoio às reformas e transformações que vem executando, entre elas a recuperação da soberania sobre riqueza energética da Bolívia para o povo boliviano”.

Já em relação à Argentina, Beto lembrou que: em 2009, com maioria no Congresso, o governo de Cristina Kirchner aprovou a Lei dos Meios. O espectro eletromagnético foi dividido em três partes: 33% para o Estado, 33% para o campo empresarial privado e 33% para os setores sem fins lucrativos, como universidades, sindicatos, associações comunitárias, etc. “Isto está sendo implementado no momento. Estão surgindo cinquenta rádios e TVs digitais, porque lá o sistema de rádio e TV digital é estatal. Com isso, a população pode sintonizar 28 canais sem precisar pagar absolutamente nada”. Além disso, o jornalista lembrou que na Argentina, diferente do que acontece aqui no Brasil, os jogos de futebol são disponibilizados gratuitamente devido à lei “Futebol para todos”, que democratizou a exibição do esporte no país.

Em relação à Venezuela, Beto destacou a criação da TeleSur, há 9 anos, e a implantação de um sistema de TVs e rádios comunitárias com acesso ao satélite. “Enquanto aqui no Brasil é proibido, lá o Estado financia a compra de equipamentos a baixíssimos custos e juros”. Depois, ele falou sobre o que aconteceu com a emissora de televisão RCTV após a renovação da concessão pública ter sido negada pelo presidente Hugo Chaves. “Hoje em dia  ela é uma TV social. Foi entregue a cerca de 500 entidades, cooperativas de produtores que antes produziam, mas não tinham onde exibir os conteúdos”.

Para concluir, o jornalista voltou a defender a criação de um jornal impresso e digital, voltado para os interesses do povo. Seria, segundo ele, o maior jornal das Américas. “É possível fazer isso. Há uma sede de leitura, há jornalistas e escritores  desempregados e além disso, 50% da indústria gráfica brasileira tem uma paralisação crônica”. Ele acrescentou que estudos realizados por economistas provam que esse jornal poderia ser auto-sustentável e até gerar lucros. “Basta uma mudança no critério de distribuição das verbas públicas. Ao invés de doarmos tudo à direita para ela nos atacar, precisamos de uma redistribuição democrática, que permita o florescimento da comunicação em todos os lados, para que muitas vozes venham finalmente a ser ouvidas no Brasil”.

Sindicatos devem investir mais na comunicação

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Leonardo Severo

Leonardo Wexell Severo, do jornal Hora do Povo e assessor da CUT,  iniciou sua participação destacando a  atuação do general Omar Torrijos na retomada do Canal do Panamá, em 1977. Ele lembrou que, para ampliar a capacidade de diálogo, aumentar a consciência e organização dos panamenhos e mobilizar a opinião pública internacional, o presidente Torrijos investiu numa rede de comunicação estatal e alternativa. E venceu a luta contra os Estados Unidos.

Segundo ele, inspirados em Torrijos, “temos que deixar bem clara a nossa pauta, até para fazer contraponto ao retrocesso”. Diante de um cenário de desigualdades, concentração de renda e risco de perda de direitos trabalhistas, o jornalista defendeu o aumento de investimentos nos sindicatos, a fim de que estes possam se profissionalizar. “Os meios de comunicação sindical cumprirão um papel político e ideológico fundamental de organizadores de coletivos. Logo, precisam adquirir mais agilidade e abrangência, e fortalecer a articulação com a imprensa classista”.

Ainda em relação a atuação dos sindicatos, o jornalista lembrou que a Conferência Sindical das Américas (CSA) lançou em 06 de maio, no Chile, a Plataforma de Desenvolvimento das Américas (PLADA). Um dos principais pontos do documentos fala que “os sindicatos devem ter uma participação ativa na agenda para a democratização da comunicação, junto a outros a atores sociais do campo popular”. Para concluir, Leonardo lembrou outras propostas da CSA, como a distribuição proporcional e igualitária dos espectros eletromagnéticos e das telecomunicações digitais e o fim dos “latifúndios midiáticos nacionais ou transnacionais e sua ingerência política no continente”.

A apresentação completa de Leonardo Severo está disponível no blog dele: leosevero.blogspot.com.br/ .

Mídias digitais devem ser prioridade

Renato Rovai

Renato Rovai

Baseado na própria experiência como jornalista de mídia impressa e virtual, Renato Rovai, da revista Fórum, apresentou uma visão diferente dos colegas que o antecederam no debate. Do ponto de vista da comunicação como estratégia a ser utilizada pelos movimentos sociais populares, ele acha mais eficaz o uso e investimento em mídias digitais.

Segundo ele, por vários motivos, a escrita vem perdendo espaço para as novas formas de comunicação virtual. O jornalista lembrou que, de certa forma, isso foi previsto pelo teórico Vilém Flusser, em 1987, no livro: A Escrita – Há Futuro para a Escrita?. “Impactado com o advento das fitas cassetes, fitas de vídeos e os primeiros disquetes, Flusser levantou a seguinte questão: Com esses novos suportes, a escrita vai resistir? Porque é muito mais interessante produzir um vídeo, produzir imagens, se comunicar a partir dessas outras formas do que escrever”.

“Temos muitos desafios pela frente, mas  estes não passam apenas pela comunicação escrita”, ressaltou. Depois, disse que voltamos a escrever hieróglifos. “Garotos de 12 anos se comunicam no WhatsApp por emotions. Vai sair uma rede social nova baseada única e exclusivamente em emotions. Não estou dizendo que isso é bom, mas apenas que é um fato”. Ele  acrescentou que está para ser lançada nos Estados Unidos uma tradução da obra Moby Dick em emotions. E levantou a seguinte questão: “Será que devemos ainda pensar nos desafios dos movimentos sociais populares em comunicação, nos mesmos instrumentos e suportes que a gente já trabalha, em alguns casos, há mais de um século?”.

Ele contou que, há cerca de 15 anos, previa o fim dos jornais impressos e era combatido como se estivesse prevendo o fim do próprio jornalismo. “São coisas absolutamente distintas. Quando se fala de um novo processo de comunicação, isso não significa abandonar a comunicação. Mas sim, se aproximar de outras formas de comunicar mais eficientes, para alcançar o público que se deseja atingir”.

Ele destacou que, no campo da comunicação, “hoje em dia as pessoas são muito mais atingidas por meio de aparelhos celulares”. Segundo ele, cem milhões de pessoas tem acesso à internet no Brasil e é possível dobrar este número. “Para isso, é estratégico que todo movimento social e sindical coloque em primeiro ponto de pauta o avanço da banda larga no Brasil. Não há nada mais democratizante do que a possibilidade de todas as pessoas serem atingidas por banda larga neste país. Porque todas as reformas passam pela possibilidade da gente se comunicar com um número maior de pessoas possível”.

O segundo ponto na pauta dos sindicatos, na opinião dele, deveria ser discutir os investimentos em comunicação. “Há muito dinheiro sendo gasto com formas ultrapassadas de se comunicar e pouco dinheiro investido em novas formas e tecnologias de comunicação”. O baixo investimento, segundo ele, tem a ver com o fato dos dirigentes sindicais serem de uma geração em que a comunicação digital ainda não existia. Entretanto, o jornalista lembrou que há diferenças entre as categorias. “Boa parte já trabalham no universo digital. Os garçons, por exemplo, usam os celulares para fazer pedidos; os bancários trabalham com internet há mais de vinte anos, etc.”.

Na opinião de Rovai, os sindicatos precisam fazer a transição da comunicação impressa para a digital. “Senão, aqueles que tem posições progressistas de esquerda vão perder as eleições para a geração Facebook. E para pessoas sem a mesma formação política e os mesmos compromissos no encaminhamento das questões sindicais”. Ele acrescentou que, por meio das novas tecnologias de comunicação, a direita tem conseguido organizar manifestações e vem disputando o campo popular. “As novidades estão surgindo e a direita tem conseguido se apropriar de forma mais rápida desses novos conhecimentos. Estão conseguindo transformar essas novas tecnologias em potência para a sua organização política, enquanto a gente está esperando o dia seguinte pra ver o que vai acontecer”.

Para encerrar, o jornalista deu um depoimento pessoal. Contou que já teve uma revista impressa chamada Fórum, durante treze anos. “Hoje essa revista está só na internet. Do ponto de vista da disputa política, os textos que a gente produz hoje tem mais impacto do os que de antigamente, quando a gente suava para pagar as contas. Vinte mil revistas iam paras bancas e a gente esperava de 8 a 10 mil voltarem para poder distribuir de graça ou mandar picar e vender como sucata de papel para reciclagem”.

 

Vito Giannotti, escritor coordenador do NPC, fez a conclusão do debate e apontou alguns dos muitos desafios para uma nova comunicação dos trabalhadores. Antes, entretanto, discordou do colega jornalista Renato Rovai em relação à importância da mídia impressa. Vito defende o uso de todas as formas de comunicação, uma vez cada uma delas alcança um tipo de público diferente.

“Temos que parar de chorar e de lamentar” – este foi primeiro desafio apontado por ele. O escritor combateu a tendência da esquerda de dizer que a mídia da direita tem tudo; enquanto a da esquerda, não tem nada. De acordo com ele, também não vale a pena ficar repetindo que os governos Lula e Dilma não fazem nada a favor da democratização da comunicação. “Não somos coitadinhos. Não tem golpe nenhum a vista. É claro que a direita, se puder, vai exigir impeachment, vai nos por na cadeia, vai nos matar. A direita é isso. E vai fazer isso com a mídia dela”.

O segundo desafio, de acordo com Vito, é deixar de acreditar na imparcialidade da mídia. “A mídia tem dono. E o dono tem classe e interesses de classe. Se pudesse, a Veja nos poria na cadeia. Cito a revista Veja porque ela é a mais eficiente nesse sentido. O que a mídia faz é: não noticia, distorce ou reserva um espaço mínimo ao que não interessa a ela”. Os valores da direita, explicou ele, são divulgados pelos meios de comunicação e, por isso, ela tem vencido a disputa da hegemonia. “Procurem nas bancas a revista Veja de hoje. Aposto que ela tem, no mínimo, 3 vezes a idéia de que o Brasil tem direitos trabalhistas demais. Quer dizer, é uma disputa política”.

Para os que dizem que não há mais direita e esquerda no Brasil, Vito lembrou o resultado das últimas eleições. “Essa eleição nos mostrou que a direita existe sim. Quem acha que isso não é verdade, pense no (Jair) Bolsonaro e nas votações de São Paulo. (Geraldo) Alckmin foi reeleito pela classe pela classe média e os operários”. Ele ressaltou que os valores que estão hoje na sociedade são da direita. “A maioria é a favor do fim das leis trabalhistas. E há trabalhadores que concordam com isso. Desde que existe, a Veja diz que o desemprego é causado pelos direitos. E o trabalhador acredita nisso”.

Como terceiro desafio, Vito apontou a ausência de uma mídia de esquerda no Brasil. “Temos o jornalzinho do sindicato, feio, mal escrito e com uma pauta ruim. É claro que há bons jornais; mas, a maioria são ruins”. Ele também lembrou que a esquerda não possui banda larga e nem jornal diário. O “Brasil de Fato” foi citado como exemplo de um jornal bem feito, que tem tido boa aceitação pelo público. Só que, lembrou ele, trata-se de um jornal semanal. Em relação às revistas, Vito disse que seria interessante que a esquerda produzisse 3 revistas estaduais: uma de centro, outra de esquerda e a terceira, de centro direita. “Não falta dinheiro para isso”, ressaltou ele. Outra sugestão é que todos os sindicatos do estado se unam para fazer uma rádio.

“Superar o dilema de ter uma mídia impressa ou digital” – eis um outro desafio. “Temos que usar todos os instrumentos porque metade da população brasileira não faz uso das novas tecnologias”, disse ele. De acordo com Vito, também é preciso melhorar as pautas. “O trabalhador quer saber dos interesses imediatos dele: o aumento de salário, o anuênio… e só. Não interessa a ele nada relacionado à outra categoria que não seja a dele. Então, a pauta precisa ser rica e divulgar diversas idéias”.

Para encerrar, autor do livro “Muralhas da Linguagem” (Editora Mauad X) falou sobre o uso de palavras inadequadas no jornalismo. Ele explicou que muitas delas não são compreendidas por grande parte dos trabalhadores brasileiros. Seja devido à baixa escolaridade ou porque as palavras não faz parte do universo de muitas pessoas. Como exemplo, citou o uso de: “ponta do iceberg“, “calcanhar de Aquiles”, “processo histórico”, entre outros. “A melhor linguagem é aquela que a pessoa entende”, concluiu.