O jornalista Beto Almeida é um dos diretores da TeleSur – uma emissora de TV de iniciativa do governo venezuelano em parceria com Cuba, Argentina e Bolívia que visa a dar uma alternativa comunicacional para a América Latina em resposta à hegemonia das grandes corporações. Nesta entrevista, o jornalista fala sobre a comunicação dos trabalhadores no Brasil de hoje, bem como os desafios para sua realização. Beto defende a criação de um jornal diário, de esquerda, formado por uma cooperativa de jornalistas e mostra como o projeto é possível de acontecer ao citar experiências de outros países latino-americanos.
Por Camila Araújo / NPC
Num panorama geral, quais são os desafios imediatos e históricos da comunicação dos trabalhadores?
No caso brasileiro, o desafio é quebrar a ditadura midiática. Existe uma ditadura comunicacional no Brasil, que está presente no rádio, na TV, na internet, na mídia impressa. Existe também um conjunto de leis muito restritivas que favorecem o monopólio e o oligopólio. O desafio é quebrar isso. Só que para democratizar e mudar a lei de comunicação é preciso ter maioria no congresso e esse governo não tem, assim como o governo Lula não tinha.
Nesse momento, existem possibilidades reais que não dependem de mudar a constituição. Primeiro, é possível fazer jornal impresso em grande escala. As pessoas não tem acesso à leitura de jornal no Brasil. Em outros países, o jornalismo impresso é crescente, principalmente o popular. Na Venezuela, na Argentina, na Bolívia, no Equador e até mesmo na Europa, os jornais gratuitos impressos estão se multiplicando. Aqui você só vê o jornal Metro e o Destak que estão nas ruas. Em Brasília, a grande maioria dos jornais que circulam na cidade são jornais gratuitos.
É assim em outros países da América Latina e Europa. Mas nesses locais há uma tradição de leitura. A população tem uma educação de leitura, o Brasil nunca teve. Então se você não criar isso com um estímulo forte e um apoio de políticas públicas, nós nunca vamos superar nosso raquitismo de leitura. Se nós queremos uma pauta de transformar a sociedade, nós temos que fazer a nossa mídia para chegar a todos os grotões da sociedade.
Como você avalia a imprensa alternativa e sindical: elas atendem as necessidades dos trabalhadores?
Em parte. Existem bons jornais, bons programas, sites e também existem outros que não são tão bons. É difícil fazer uma caracterização genérica. É preciso discutir permanentemente para aprimorar. De que maneira? No jornalismo sindical, uso como exemplo a revista Brasil (Rede Brasil Atual), apoiada pelas centrais sindicais e que possui um jornalismo de boa qualidade. Ela é bem feita, moderna, o conteúdo não é pesado, a leitura é de fácil compreensão. Agora, tem que se pensar na distribuição e na divulgação. É preciso organizar militantemente a distribuição. Essa revista tem uma tiragem de 300 mil exemplares, mas quantos trabalhadores têm no Brasil? Sindicalizados, são milhões. Fora os não sindicalizados, que são a maioria dos trabalhadores. Então, a imprensa sindical não atinge nem os trabalhadores sindicalizados na sua totalidade. E se nós fossemos pensar nos que nem são sindicalizados, o pessoal é capturado pela mensagem da rede globo, pela estética da Xuxa, do Faustão, do Ratinho. Essa é a disputa que nós temos que fazer. O governo distribuiu renda, elevou a capacidade de consumo, mas não elevou a capacidade de oferta de bens culturais, inclusive, informação de boa qualidade. As pessoas estão comprando mais liquidificador, computador, mas não estão recebendo uma boa informação.
Sobre a criação de um jornal de esquerda: existe espaço hoje para um jornal diário de compromisso popular? Como ele seria?
Como uma cooperativa com milhares de sócios, com grande apoio de entidades (sindicatos e movimentos sociais), disputando, inclusive, as verbas publicitárias do governo. Não existe legalmente uma justificativa para negar o anúncio para um jornal popular cooperativo. Com uma tiragem de dois milhões de exemplares, poderia ser o maior diário das Américas. Ele teria um esquema de circulação gerador de emprego: autossustentável economicamente, geraria emprego não só para quem escreve, mas também para quem distribui o jornal. Em Cuba, por exemplo, quem vende o jornal Granma na rua são os aposentados. Muita gente está em casa sem praticar nenhuma atividade. Poderia ser uma complementação de renda para os aposentados no Brasil, que teriam uma atividade militante.
E o que impede a criação de um jornal como esse?
Falta unidade da esquerda. É preciso construir essa unidade popular, até porque não é um jornal de partido. Não é um jornal do PT, é um jornal de todas as forças progressistas dos sindicatos e movimentos sociais. Financiamento não seria o grande problema. Você acha que os maiores empresários do Brasil, que ganharam muito dinheiro durante o governo Lula, negariam a ele – que poderia ser uma espécie de presidente de honra dessa cooperativa – um ano de anúncio da sua empresa? Não. Empresários de menor porte também poderiam anunciar nesse jornal. Eles teriam o devido retorno; são a favor das políticas de distribuição de renda feitas durante o governo do PT. Eles também ganharam com a expansão do mercado consumidor. Só que o problema, é que não basta expandir a capacidade de consumo, é preciso elevar a consciência, a informação e a capacidade de entender a realidade, o nível cultural das pessoas. E isso não cai do céu e nem vem de graça. Tem que organizar as bases.
O que é necessário para a democratização da comunicação? Você acha que democratizar é o suficiente para conseguir um espaço na mídia hoje?
Se democratizar significa multiplicar proprietários ou controladores é suficiente. Hoje na Venezuela você tem a TV da Ciência, tem o Canal da Juventude, tem o Canal das Forças Armadas que são anti-imperialistas e de esquerda, graças ao Chávez. Tem o Canal Social que é uma cooperativa de produtores culturais que controlam o canal. São mil possibilidades. Na Argentina tem um canal só de criança, outro só de cultura e educação. Aqui nós temos a possibilidade de fazer um canal só para educação.
A esquerda está preparada?
Nós temos uma capacidade reprimida. Ela existe, mas não tem portas abertas para agir. Se você convocar as pessoas e disser que elas podem fazer sua comunicação, você vai ver a quantidade de talentos que existem. Nós não temos crise de talento, nós temos crise de possibilidades, de falta de espaço.
Qual é a importância da TeleSur para a comunicação dos trabalhadores?
A Telesur é a única TV que é a favor da integração latino-americana. Todas as TVs do Brasil são contra. A mídia brasileira é contra a integração latino-americana. O Brasil tem um papel muito importante na América Latina hoje, apoiando projetos, financiando portos, estradas, ferrovias. Só o povo brasileiro não está informado do que o Brasil faz lá fora. Mas os outros países sabem. A obra Porto Mariel em Cuba, por exemplo, o povo cubano sabe dela desde sua origem. O Brasil veio saber agora pela boca da direita dizendo que o país está perdendo dinheiro construindo portos para Cuba. Não está desperdiçando porque se contratam serviços, trabalhadores e maquinário aqui no Brasil e o investimento será pago.
O papel da Telesur é mostrar que a integração latino-americana é possível e necessária historicamente. Quanto mais nossos povos estiverem juntos, mais capacidade nós teremos de resistir às ameaças que o imperialismo venha a fazer – em relação ao petróleo que está sendo descoberto no Brasil, por exemplo. Então nós temos que nos preparar para isso e unidos teremos capacidade para resistir.
Quais exemplos os outros países da América Latina podem dar ao Brasil em relação à comunicação de esquerda?
A Argentina tem uma lei que reservou 33% do espectro eletromagnético para a comunicação estatal, 33% para a comunicação privada e 33% para a comunicação comunitária ou social, que não são empresas, mas sim instituições sociais, sindicatos e universidades. O Equador tem uma política muito parecida. Na Bolívia, o jornal de maior tiragem do momento é um jornal de esquerda que disputa com o maior jornal privado de direita, eles têm a mesma tiragem.