Por Rosângela Ribeiro Gil – para o Brasil de Fato
Antigos e valorosos militantes operários lançaram mão das suas memórias para contribuir com a elaboração do livro “Investigação Operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores durante a ditadura”, cujo lançamento foi no dia 29 de novembro último, no Memorial da Resistência Auditório Vitae, que fica na antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, na Capital paulista. A obra mostra os mecanismos de repressão contra os trabalhadores nas fábricas em São Paulo durante a ditadura civil-militar.
Estiveram presentes na mesa dois dos coordenadores do Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP), Jorge Luiz dos Santos e Sebastião Neto; a representante da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Sueli Bellato; o presidente da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” de São Paulo, Adriano Diogo; e o representante do Núcleo de Preservação da Memória Política, Ivan Seixas.
O evento contou com a participação de aproximadamente 400 pessoas, na sua maioria trabalhadores que participaram ao longo dos últimos três anos da pesquisa, por meio de oficinas nas regiões industriais, dando depoimentos ou fornecendo documentos. Além do livro, a investigação produziu um vídeo (disponível em http://goo.gl/9SuZGU).
O livro recupera o histórico do Dops, criado em 1924 para controlar os trabalhadores, e mostra a permanência da Lei de Segurança Nacional (LSN) de 1935 até os dias de hoje, a estrutura sindical basicamente inalterada desde a década de 30, que facilitou a cooperação do sindicalismo de direita com a ditadura militar e com os empresários.
Foram apresentados documentos, em sua maioria do Arquivo Público do Estado de São Paulo e do Arquivo Nacional, oriundos do Dops-SP e do SNI, sobre a colaboração umbilical entre empresas e o órgão de repressão, por meio da qual os policiais agiam com liberdade dentro das fábricas, não apenas para reprimir, mas também para intervir diretamente nos conflitos trabalhistas.
Tão graves quanto são os documentos apresentados na mesa, que demonstram a plena cooperação da equipe de interventores no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, permanecendo na diretoria por vários mandatos junto à repressão.
Dops: espinha dorsal da repressão
O Dops foi uma espinha dorsal do sistema repressivo, mas há uma demonstração clara de que vários órgãos do Estado faziam parte de um sistema de controle e repressão aos trabalhadores – inclusive aquelas que deveriam defender seus interesses, como a Delegacia Regional do Trabalho.
A edição do livro é limitada, por isso será distribuído, prioritariamente, para cada um das centenas de participantes das oficinas que nesses anos deram testemunhos, trouxeram documentos ou que de alguma forma participaram desse trabalho coletivo. Todavia, exemplares da obra serão destinados às entidades de pesquisa, arquivos sindicais, grupos de pesquisadores sobre o tema que direta ou indiretamente contribuíram para o trabalho ou possam utilizá-lo. A Comissão de Anistia terá uma cota de livros também para distribuição gratuita.
O lançamento, na verdade, se transformou num grande encontro das famílias de trabalhadores, de lutadores, daqueles que, irmanados, construíram a resistência à ditadura e continuaram na luta contra a opressão capitalista. Segundo Sebastião Neto, um dos coordenadores do projeto e do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), a obra é importante para mostrar às gerações mais novas que a classe trabalhadora brasileira tem boas e importantes histórias de luta em defesa da dignidade humana. O livro, relata Neto, mostra o que aconteceu dentro das fábricas e na vida dos trabalhadores a partir do golpe militar de 1964.
O livro, observa Neto, foi uma forma encontrada dos metalúrgicos da cidade de São Paulo reconstruírem sua história, mostrando os militantes caçados pela polícia dentro das fábricas, os metalúrgicos presos, torturados e demitidos. “Quando falamos em metalúrgicos da cidade de São Paulo, estamos falando dos metalúrgicos agrupados na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP), que por mais de 30 anos enfrentaram pelegos como o célebre Joaquinzão e seus sucessores (Medeiros e Paulinho)”, explica. O sindicato dos metalúrgicos paulista sofreu intervenção em 1964. Afonso Delellis, presidente eleito em 1963, foi cassado assumindo os interventores meados pelo regime militar. “1800 delegados sindicais foram perseguidos”, lembra Neto.