Os depoimentos da cineasta Lúcia Murat e da historiadora Dulce Pandolfi, barbaramente torturadas durante a ditadura civil-militar, emocionaram o plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na última terça-feira, 28 de maio. Elas participaram do primeiro evento da série Testemunhos da Verdade, atividade pública organizada pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro. O objetivo desta série, que também pretende contar com depoimentos de agentes da repressão, é mostrar à população que a tortura foi uma política de Estado.
“Queremos mostrar, sobretudo à geração que não vivenciou o período de trevas da ditadura civil-militar brasileira, que um dia a tortura foi uma política de Estado”, explicou o coordenador da Comissão da Verdade do Rio, Wadih Damous. “Vamos ouvir também os agentes, tão corajosos e valentes para torturar e matar presos e presas indefesas, mas que se acovardam diante das comissões da verdade e dos juízes”, disse. Segundo ele, o lugar daqueles que participaram da repressão deveria ser o banco dos réus.
“Os testemunhos que estão sendo dados à Comissão da Verdade, embora sobre o passado, dizem respeito ao presente e apontam para o futuro, por isso espero que eles ajudem a construir um Brasil mais justo e solidário”, destacou Dulce Pandolfi. Para ela, é impossível construir um país democrático e justo caso essa etapa da história não seja passada a limpo. “Espero que a Comissão possa ouvir os que ainda estão vivos e a todos aqueles que foram reconhecidos para que possamos revelar por inteiro esse período”, afirmou Lúcia Murat. De acordo com ela, a Comissão da Nacional da Verdade e as estaduais são um primeiro passo na busca pela justiça. “Diferentemente de outros países latino-americanos, nós estamos muito atrasados nesse processo”, criticou. Lúcia ressaltou, ainda, que a tortura permanece em delegacias e contra as pessoas mais pobres. “A gente viveu isso na carne e quer combater, mas para isso o crime tem que ser responsabilizado”, ressaltou.
A crueldade da tortura
Dulce Pandolfi era militante da Aliança Libertadora Nacional e foi presa em 20 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro e contou que foi submetida a diversos tipos de tortura. “Umas mais simples, como socos e pontapés. Outras mais grotescas, como ter um jacaré andando sobre o meu corpo nu. Recebi muito choque elétrico e fiquei muito tempo pendurada no ‘pau-de-arara’: os pés e os pulsos amarrados em uma barra de ferro, colocada no alto, numa espécie de cavalete”, contou. Dulce disse, ainda, que em visita ao Doi-Codi, quartel do Exército na rua Barão de Mesquita, na zona norte do Rio, onde ficou presa, um alto oficial do Exército brasileiro colocou um cachorro da raça pastor alemão para lamber suas feridas.
A cineasta Lúcia Murat foi presa pela primeira vez em outubro de 1968, durante o congresso estudantil de Ibiúna. Depois, em 1971, já na clandestinidade, foi novamente presa e levada também para o Doi-Codi, na Tijuca. “De um momento pra outro eu estava apanhando no chão. Logo em seguida me levantaram no pau de arara e começaram os choques. Amarraram a ponta de um dos fios no dedo do meu pé enquanto a outra ficava passeando. Nos seios, na vagina, na boca”, Lúcia contou que ao torturadores chegaram a botar baratas para passear no corpo dela. “Colocaram uma barata na minha vagina”, lembrou.
Comissão terá reuniões mensais abertas à sociedade
A Comissão Estadual da Verdade se reunirá sempre na ultima sexta-feira do mês com representantes de grupos e movimentos da sociedade civil que atuam no esclarecimento de crimes da ditadura militar. O objetivo dos encontros é prestar contas sobre o trabalho da comissão e também ouvir sugestões e críticas da sociedade civil. O próximo acontece no dia 28 de junho. Interessados em participar ou prestar depoimentos devem entrar em contato pelo telefone (21) 22772389 ou e-mail comunicação.cevrio@gmail.com.