[Paulo Zochi] A democratização da comunicação é uma questão mundial. O jornalista mexicano Francisco Vidal Bonifaz, em sua obra; “Los duenos del quarto poder”, afirma que mundialmente os meios de comunicação são dominados por cinco grupos: quatro norte-americanos, Time Warner, Walt Disney, News Corp, Viacom e a alemã Bertelsmann. Se avaliarmos os países individualmente veremos que a lógica da concentração se repete; poucos grupos, muitos associados ou mesmo controlados diretamente pelos “cinco irmãos”, dão as cartas dentro de diferentes países.
No Brasil, o projeto “Os donos da mídia” chegou à conclusão semelhante. A pesquisa, organizada pelo jornalista Daniel Herz, falecido em 2006, que teve continuidade através de seus alunos e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado por ele, aponta os grupos Abril, Globo, Bandeirantes, Record, Sílvio Santos e seus associados locais (RBS, Jaime Câmara, Maiorana etc…) como os controladores da mídia nacional.
Mas a situação brasileira tem um agravante. Segundo o projeto, pelos dados de 2008, havia 20 senadores, 48 deputados federais, 55 deputados estaduais e 147 prefeitos ligados diretamente, como sócios ou diretores, a alguma empresa de comunicação. Alguns nomes são bastante conhecidos, como os dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor ou o do senador e candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, Aécio Neves. E nada indica que a situação tenha se alterado.
Este quadro coloca um problema bastante sério, pois no mundo contemporâneo a comunicação de massa é um fator fundamental para a construção da sociabilidade, do conhecimento, dos padrões culturais e dos hábitos de consumo.
Resumindo, comunicação é hoje um problema político. Seu significado diz respeito a essência do conceito de política, ou seja, incide sobre a forma como se dá a organização, direção e administração do Estado, bem como érelativa à convivência entre os cidadãos.
Se o cidadão comum não tem a dimensão exata do que está em jogo quando se discute a “democratização da comunicação”, as empresas do setor, pelo contrário, sabem muito bem do que se estão falando. E estamos falando de poder. Poder econômico e político. Trata-se de determinar o que deve ser consumido pelas massas até o de influenciar a vontade popular na escolha de seus dirigentes.
Para manter este poder de conduzir a opinião pública, a mídia se apoderou de conceitos que são de caráter coletivo e os individualizou e distorceu. Este “controle virtual” se naturalizou de tal forma no Brasil que qualquer tentativa de questionar este estado de coisas é visto como um atentado à liberdade e a democracia.
Na prática isto quer dizer, por exemplo, que o termo “liberdade de imprensa” não mais significa a possibilidade de publicar livremente ideias e fatos apurados pela reportagem, mas sim a licença pública que a empresa de comunicação tem para divulgar aquilo que ela julga oportuno. Com esta manobra, qualquer questionamento a este estado de coisas é, a priori, descartado. Neste espelho distorcido uma crítica às empresas transforma-se em um ataque aos fundamentos da própria liberdade de imprensa.
Ilustrando com outro exemplo, vemos que os publicitários se rebelam contra a normatização da publicidade infantil apelando para a ideia de que o controle público sobre esta atividade nada mais é do que um atentado à “liberdade de escolha do consumidor” – como se uma criança agisse racionalmente e não condicionada pelas técnicas de marketing.
Portanto, nada mais falso do que a ideia, difundida por aqueles que querem perpetuar este estado de coisas, de que a democratização da mídia é uma espécie de censura. Censura é o controle que se exerce sobre a informação impedindo ou dificultando sua circulação. Comete censura o jornal que não publica a versão de um acusado (ou a publica de maneira desproporcional), pois tem interesse em promover o ponto de vista do acusador.
O resultado deste emaranhado conceitual é que a comunicação de massa, mesmo sendo vista como um serviço de caráter público e força essencial para a democracia moderna, foi apropriada por um discurso liberal individualista e reduzida a sua dimensão econômica e industrial. Assim, a mídia – não estamos falando agora da empresa que a produz e distribui, mas sim dos conceitos e valores que ela divulga – deixa de ser bem social e passa a ser propriedade de grandes grupos econômicos.
Democratizar a mídia é, em essência, alterar este estado de coisas, principalmente agindo por intermédio da regulação dos grandes grupos midiáticos, reduzindo seu poder, impedindo o monopólio e possibilitando a livre circulação da informação entre os grupos sociais. O que está em jogo é a possibilidade do cidadão de receber informação de qualidade e formar sua opinião a partir de dados que não sejam manipulados ou selecionados por controle político ou empresarial. O que o movimento pela democratização da mídia faz nada mais é do que cobrar estas responsabilidades públicas.
*Paulo Zochi é presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.