vito54Se arguma notícia das banda do Norte

Tem ele por sorte

O gosto de uvi,

Lhe bate no peito sodade de móio,

E as água dos óio

Começa a caí.

A Triste Partida (Patativa do Assaré)

Desde o dia 24 de julho, a classe trabalhadora do Brasil homenageia, agradece e busca formas de manter vivo o legado de Vito Giannotti. Educador, escritor, metalúrgico, pescador, sindicalista, mas sobretudo um comunicador no sentido mais amplo da palavra, Vito veio da Itália para o Brasil e transformou por completo o conceito de comunicação popular no país.

Foi por este motivo que inúmeras organizações de esquerda prestaram sua homenagem a Vito nos últimos meses. E neste sentido, nós, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio de Janeiro, gostaríamos de nos manifestar e registrar um pequeno pedaço daquilo que este grande homem representou para nós.

As grandes contribuições práticas e teóricas de Vito foram voltadas para o trabalho urbano. Nas fábricas do ABC paulista onde foi operário nos anos 1970 e 80, na Oposição Metalúrgica, ou na fundação da Central Única dos Trabalhadores, Vito sempre correu atrás do mesmo desafio: construir meios de comunicação popular que pudessem desbancar o poder ideológico da grande mídia e formar operários conscientes de sua luta por libertação.

Mesmo assim, Vito sempre mostrou muito claramente a centralidade do MST e da luta pela Reforma Agrária na batalha ideológica contra a imprensa burguesa. E, no início de seus cursos sobre a história do trabalhadores no Brasil, Vito sempre exaltava os Nordestinos camponeses, refugiados do latifúndio, que vieram para construir São Paulo e formar o início do que conhecemos como classe trabalhadora do Brasil. E para ilustrar este movimento, ele tocava a música “Triste Partida”, de Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré, comentando cada trecho, e frequentemente chorando a lembrança dos muitos companheiros nordestinos de trabalho e de cachaça. Segundo ele, a música era “o hino dos 29 milhões nordestinos no sul”, durante “a maior migração da história do capitalismo mundial”. Um belo registro deste momento pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=EfBtgtNuVcc&t=50s

Vito sempre utilizou o Movimento Sem Terra como grande exemplo da criminalização dos movimentos sociais pela mídia burguesa. Um exemplo pode ser visto neste trecho do livro “Muralhas de Linguagem”, onde analisa o tratamento dispensado ao MST após o assassinato do Sem Terra Antônio Tavares pela polícia paranaense em 2 de maio de 2000:

“À noite, a matrona da mídia nacional, a TV Globo, mostra no seu Jornal Nacional a cena de violência policial contra o MST. O objetivo evidente não era atacar a violência da polícia do Paraná e sim criar, no milhões de telespectadores, o pavor aos Sem Terra e ódio o MST… desordeiro. A Folha de São Paulo, representante do bloco neoliberal centralizado naquele estado, no sábado, dia 13 de maio, começa seu ataque: “Paulistanos são contra invasões: 70% rejeitam ações em terras e prédios (…)”. No domingo, o ataque da Folha baixou aos níveis mais vergonhosos do jornalismo do país. Para indispor o Brasil contra os Sem Terra, o jornal paulista usa sete páginas inteiras atacando o movimento.”

Em recente texto sobre a criminalização de Sem Tetos na novela Império, da Rede Globo, ele lembrou a trama de Rei do Gado:

“A Globo já fez isso em 1997. Naquela ocasião a novela “Rei do Gado” mostrou um acampamento do MST, que apareceu milagrosamente na novela. Acampamento cheio de SEM TERRA com lideranças legítimas para dirigir a luta. Era o ano do Massacre de 19 SEM TERRAS, em Eldorado de Carajás. O MST e a Reforma Agrária recebiam muito apoio da sociedade. Mas logo quem tinha se encantado com o fato da Globo dar este tremendo destaque à luta do MST, se desencantou. Após alguns capítulos a Globo (…) mostrou sua verdadeira mensagem sobre o MST. As lideranças do assentamento foram apresentadas como aproveitadoras, escolhendo para si as melhores terras e a principal lutadora dos sem terra se casou com o fazendeiro. E … adeus ideal de luta com a companheirada. Mensagem da Globo? Claríssima: Eh! minha gente, não se iludam. É assim mesmo…toda liderança de esquerda é assim. Vendida, sem ideal. Aproveitadora. Tudo igual.”

Integrante do Conselho Editorial do Jornal Brasil de Fato, Vito sempre criticou o excessivo enfoque agrário do jornal nos primeiros anos. Mesmo tendo sido fundado com grande influência da Via Campesina e MST, Vito defendia que o jornal deveria abordar a questão urbana. Mas sua maior briga sempre foi contra a linguagem rebuscada, e o formato de jornal de grande: “O trabalhador tem que poder ler dentro do ônibus lotado, porra!” Como resultado, tivemos o brilhante lançamento das edições regionais do Brasil de Fato, em formato pequeno, e distribuídas gratuitamente.

Em 2009, à epoca da ocupação das fazendas griladas da Cutrale, em São Paulo, o MST recebeu um verdadeiro bombardeio midiático, que resultou na criação da CPI do MST (que por sua vez não resultou em nada). Naquele momento, além de assinar o Manifesto em Defesa do MST (http://www.odiario.info/?p=1384) e apoiar a criação da Rede de Comunicadores pela Reforma Agrária, Vito comentou na saída de uma reunião: “Vou fazer uma camisa com a frase SOU AMIGO DO MST.” Pouco tempo depois, Vito era visto circulando com a camisa e dizia: “Somos um outdoor ambulante, porra!”

Neste mesmo período, o Vito e Cláudia, através do NPC, foram os grandes incentivadores da criação do Boletim do MST RJ (http://boletimmstrj.mst.org.br/). Em um primeiro momento, disponibilizaram a estrutura para a criação do Boletim, e posteriormente formaram em seus cursos de comunicação popular os militantes que passaram a manter o veículo.

Ainda em 2010, Vito foi uma das principais pessoas a colocar a importância, e praticamente exigir que realizássemos uma grande feira de produtos da reforma agrária no centro do Rio. E na primeira edição, lá estava ele, discursando com sua camisa “SOU AMIGO DO MST”. E, até a VI Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes, em dezembro de 2014, Vito nunca deixou de prestigiar o evento. Também sempre esteve presente nos encontro de amigos do MST.

A passagem de Vito Giannotti representa um divisor de águas na atuação do MST. Por um lado, aqueles que conviveram com Vito têm agora o dever histórico de registrar suas contribuições e transformar em ação revolucionária cada minuto ao seu lado. Por outro lado, para a gerações que virão, fica tarefa de conhecer o legado de Vito, plantando, regando todas as sementes que ele generosamente nos deixou.

Às companheiras do NPC: contem conosco! Transformaremos juntos a Triste Partida em força de luta revolucionária. E sempre que tivermos por sorte o gosto de lembrar e ouvir Vitão, e bater em nossos peitos a saudade de moer, que as águas dos nossos olhos caiam sobre a terra repartida, e façam florescer o mundo que sonhamos juntos.

Por Vito Giannotti: nem um minuto de silêncio, mas muitas e muitas vidas de luta!

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – Rio de Janeiro