Por Tadeu Cotta, novembro de 2005
Grandes grupos que comercializam a cultura e o saber ocupam todo o planeta com seus sistemas de transmissão e fibras óticas. Mas eles acham que isto ainda é pouco. Querem também possuir o conteúdo do saber, querem ser os proprietários legais dos copyright. Não é à toa que o mundo assiste a fusões de empresas culturais, como é o caso recente da AOL e Time Warner.
Se as coisas continuarem assim, dentro em breve haverá uma meia dúzia de empresas detendo a propriedade intelectual do passado, do presente e até do futuro da humanidade. Exemplos são Bill Gates e sua empresa Corbis, proprietário dos direitos de 65 milhões de imagens através o mundo, das quais 2 milhões são disponíveis on-line.
No passado recente a propriedade intelectual, e o direito de autor, ainda podia ser justificado. Os abusos, as cópias, eram facilmente percebidos pelas empresas. E elas se acostumaram a agir assim. Na atualidade o controle que elas tentam impor é assustador e atentatório à criação, e à difusão livre do saber e da cultura. De fato, elas se apropriam do saber, mas só difundem aquilo que elas acham que lhes traz lucros. Obras de valor, mas pouco rentáveis, são condenadas ao esquecimento por tais empresas. O cidadão, assim, é impedido do acesso a novos valores e idéias.
Muitas vezes estas empresas concentram seus esforços em promover um punhado de estrelas para ganhar dinheiro nos produtos que elas divulgam. Tudo isto ocorre em detrimento da diversidade de expressão do saber, tão necessária na perspectiva democrática. Estas empresas tentam se fortalecer criando todo um aparato jurídico que “protege” a criação. Para isto não hesitam em ter um exército de advogados e políticos conservadores e de direita, para defender seus interesses privados.
O sistema de propriedade intelectual é uma forma de obter fortuna fácil para as grandes empresas. Elas se sentem ameaçadas pela “pirataria” que democratiza a utilização a baixo preço dos produtos do saber. A pirataria vem para atrapalhar o acúmulo de capital pelos ambiciosos capitalistas. Entretanto, esta luta é em vão: a própria tecnologia criada pelos capitalistas se volta contra eles. É o caso de sistemas MP3, Napster e outros, que permitem ter uma música em minutos, via Internet. A disponibilidade de trabalhos científicos, e de qualquer outra natureza, já se encontra on-line. A única dificuldade consiste, às vezes, no conhecimento do idioma de publicação destas obras. Mas já existem programas que fazem traduções. E tudo isto gratuitamente!…
As empresas, e algumas administrações de universidades de mentalidade conservadora, detestam que as coisas venham acontecendo deste modo. As elites burguesas, e seus apadrinhados dominados ideologicamente, só querem que sejam consumidos os produtos que eles autorizem para tal. Eles não querem aceitar que aquilo que o trabalhador produz generosamente deva ser de livre acesso a todos os povos. Na história das culturas e das ciências sempre foi normal utilizar idéias e trabalhos já anteriormente produzidos por precursores. Isto não quer dizer plágio, que é uma outra história.
O controle do plágio é difícil de ser administrado. De fato não basta provar que Y se inspirou em X, mas é preciso provar também que X não foi inspirado por ninguém mais. Mas como, no campo da cultura e da ciência, X se inspira em alguém, a denúncia de Y seria sem consistência. Desta forma, os direitos de autor se diluem paulatinamente. E não adianta resistir à marcha da História. O que era válido no passado, agora já não o é mais.
É realmente necessário um sistema de propriedade intelectual para difundir o saber? Não é. Mesmo porque tal direito só beneficia o autor em cerca de 10%, a título de direitos autorais. A empresa fica com 90%. E mais, os editores e empresários também entram na divisão do bolo…
A cultura geral e científica não mais deve ser aprisionada por conceitos abstratos e conservadores que nós interiorizamos. Ao contrário, ela deve ser libertada pela nossa luta consciente de transformar e melhorar o mundo. Os conservadores não querem o diálogo. E é por isto que eles reivindicam leis e normas que regulem a posse da propriedade intelectual. Assim, eles só querem o monólogo, que possa lhes assegurar da hegemonia sobre todo e qualquer tipo de propriedade, seja ela intelectual ou não.
Portanto, a manutenção de um sistema de propriedade intelectual não mais é desejável e nem mais é possível defende-lo. Ele precisa ser totalmente abolido e substituído por uma nova concepção que respeite o autor e o remunere. Mas que permita também a mais ampla difusão pública do seu trabalho.
Embora tal idéia pareça ser contraditória, é preciso ter claro que o entusiasmo das empresas em defesa da propriedade intelectual sofrerá forte declínio. E isto ocorrerá porque elas já não poderão explorar suas estrelas e astros de maneira exclusiva. O autor já não será um fenômeno empresarial, base na qual se assenta o atual direito de autor. Portanto, o autor será trazido à sua dimensão correta, o que ele achará normal. Mesmo porque o autor sabe que sempre encontrará mercados e público, via Internet. E, assim, ele poderá ganhar a sua vida corretamente.
Quanto às leis que protegem, contra as fraudes, a integralidade do trabalho artístico ou científico, elas têm aprisionado a criatividade. Tais direitos devem ser proscritos. A questão que deve nos ocupar é a de saber se a utilização parcial de obras de outros autores foi feita com respeito e inspirou novas criações. De qualquer forma, um autor medíocre, que utilize mal uma obra de seu predecessor, será naturalmente estigmatizado como um autor menor pelos seus contemporâneos. E se um autor copiar na integralidade o trabalho de outro, e o usar como se fosse seu, ist
o se caracterizaria como crime.
Em nome da liberdade e do direito de criação, senhores, e explodindo com o atual sistema de propriedade intelectual, é que se libertará a força criadora. E isto em todo e qualquer campo do saber e da cultura, seja ela científica ou não. Em benefício de toda a sociedade.
Portanto, abaixo à propriedade intelectual! Viva a difusão democrática do saber!
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