Por Marina Schneider – NPC
“Ideologia, representação e análise crítica da mídia” foi o tema de uma das mesas do terceiro dia do 22º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado no Rio de Janeiro, de 16 a 20 de novembro, para cerca de 200 comunicadores e sindicalistas de todo o país. As palestras foram ministradas pelo jornalista Kléber Mendonça, professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (IACS/UFF) e Pedrinho Guareschi, filósofo e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os dois pesquisadores fizeram reflexões sobre o papel dos meios de comunicação na sociedade contemporânea e apontaram para a necessidade de se construir formas de comunicação alternativas à da mídia hegemônica.
Mendonça lembrou que os meios de comunicação desempenham um papel ideológico de manutenção das coisas como estão, ou seja, de preservação de uma sociedade injusta. Ele fez diversas pesquisas na área de análise crítica da mídia pela perspectiva da análise do discurso e acredita que é possível e necessário continuar numa luta de transformação da sociedade e de nomear o mundo de uma forma diferente. “A análise crítica serve para nos dar ferramentas para fazermos diferente, para construirmos um mundo mais justo e mais digno”, apontou.
A partir de uma perspectiva marxista da linguística, Kleber já examinou o programa Linha Direta e a cobertura feita pelo telejornal RJTV da dita “pacificação” – a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora em favelas cariocas -, ambas iniciativas da TV Globo. Também estudou a cobertura de jornais impressos dada a atividades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos anos 1990.
Segundo o professor, houve uma sofisticação no aparato discursivo da TV Globo quando se compara a primeira pesquisa, com o programa Linha Direta, no início dos anos 2000, e a feita no contexto da “pacificação”, de 2008 a 2013.
No Linha Direta havia uma construção de mundo do que é a violência. “A questão ideológica se transforma num modo de interpelar o telespectador a fazer algo. É uma estratégia que mostra que o Estado não funciona, mas a TV funciona e aparentemente junto com o telespectador”, avaliou. No caso do quadro Parceiros do RJ, exibido no RJTV e apresentado por jovens moradores de favelas, ele enxerga várias armadilhas: diferentes favelas parecem ser sempre o mesmo lugar: um lugar exótico onde há práticas culturais inovadoras, mas não aparecem os problemas. Além disso, é um quadro que parece dar voz a jovens moradores de favelas, mas que na verdade os faz falar com a tutela da TV Globo.
No entanto, este “jogo de nomear o mundo” no qual a mídia comercial tem tanto peso, apesar de aparentemente simples, é visto por Kléber como bastante complexo. “Se ao mesmo tempo o “Parceiros” é uma armadilha discursiva, ele também é um antídoto porque de certa maneira formou uma geração de jovens capazes de usar aquelas ferramentas”, ressaltou. Isso seria um ponto positivo já que esta juventude pode utilizar as ferramentas de outra forma caso entre em contato com uma visão mais crítica da realidade, diferente daquela apresentada pela TV Globo.
A mídia constrói a realidade
Mesmo afirmando estar perplexo com a conjuntura e com o golpe sofrido pela presidente Dilma Rousseff, considerado por ele como nitidamente midiático, o professor Pedrinho Guareschi iniciou sua palestra dizendo que não podemos ser pessimistas e devemos seguir buscando a ampliação da consciência sobre a realidade. Fortemente influenciado por Paulo Freire, Pedrinho reafirmou a filosofia do educador de que a liberdade só é possível com a conquista progressiva de consciência e de que esta liberdade nos faz responsáveis.
Ele apresentou quatro pontos que considera principais na reflexão sobre os meios de comunicação: a mídia constrói a realidade; tem valores; monta a agenda de discussões; e constrói nossa subjetividade. Segundo Pedrinho, com o advento da mídia houve uma mudança no que se entende por “público” e “privado”: público agora é tudo aquilo que é iluminado pela mídia. Daí a gravidade da ocultação feita pelos meios de comunicação de diversos acontecimentos cotidianos diretamente ligados aos interesses populares. “Hoje há 222 universidades paradas no Brasil. Vocês viram alguma coisa na Globo ontem? Nós podemos parar o Brasil, mas qual a repercussão da Globo sobre isso?”, questionou.
A partir de uma pesquisa que coordenou na UFRGS, Pedrinho chegou a um dado impressionante: 80% do que se fala em conversas informais é pautado pela mídia, sobretudo pela TV aberta, que atinge também pelo menos 80% dos brasileiros diariamente. O poder de influência de pouquíssimas empresas na subjetividade das pessoas é, portanto, muito grande e foi fortemente questionado pelo pesquisador, que lembrou que o Capítulo V, artigo 220 da Constituição Federal, veda o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação. No entanto, por nunca ter sido regulamentado, não há fiscalização quanto às concessões de rádio e televisão – nem com relação à concentração e nem no que diz respeito à finalidade prioritariamente educativa e cultural que deveriam cumprir as empresas que exploram estas concessões.
“Temos no Brasil um escândalo porque alguns se apoderaram de uma mídia da qual não são os donos. Quando um comentarista diz que é formador de opinião isso é crime. Está pegando uma concessão e fazendo um uso particular”, criticou. Para Pedrinho, a mensagem passada pela mídia deveria ser aquela que ajuda o povo a pensar. “O jornalista deve respeitar o povo e ajuda-lo a pensar. Mas sem regulamentação da mídia não andamos e não teremos democratização”, avaliou. Pedrinho exibiu alguns exemplos de criminalização de movimentos sociais e de lideranças na grande imprensa, como o artigo “O mapinguari ataca” publicado em 08/05/1994 no jornal Zero Hora em que o ex-presidente Lula é comparado a um personagem do cinema que “devora a cabeça das pessoas que captura”.
Defendendo a necessidade de regulação da comunicação no país para que haja pluralidade informativa, o pesquisador finalizou sua apresentação com uma frase atribuída ao sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e que permanece atual: “Eu só acredito em democracia no Brasil quando o diretor-presidente das Organizações Globo for eleito por voto direto”.