[Por Marina Schneider / NPC – 27.03.2017] O Coletivo Brasil de Comunicação Social – Intervozes lançou, no dia 23 de março, na Casa Pública, no Rio de Janeiro, o relatório “Direito à Comunicação no Brasil 2016”. A publicação reúne seis grandes reportagens que abordam os retrocessos vividos no campo da comunicação no Brasil no ano passado. No evento, a coordenadora do Intervozes, Bia Barbosa, ressaltou que vivemos um momento de escalada do cerceamento à liberdade de expressão e, por isso, foi preciso dar um passo atrás na campanha por um novo marco regulatório das comunicações, da qual o Intervozes faz parte, e priorizar a denúncia desses casos e o apoio aos que vêm sofrendo ameaças. Isso pode ser feito por meio da campanha Calar Jamais!, criada no ano passado.
“Enquanto a gente não entender a comunicação como um direito fundamental e só mobilizar em torno de grandes violações, vamos continuar repetindo esse quadro de ameaça permanente à democracia”, ressaltou Bia. Segundo ela, a luta pelo direito à comunicação pode parecer secundária diante de todas as que tentam impedir a retirada de direitos históricos da sociedade brasileira que está em curso, mas não deve ser tratada assim. “Esta é uma luta transversal e essencial para que a batalha em defesa dos outros direitos possa ser feita minimamente com igualdade de vozes no debate público”, apontou.
Também participou do lançamento o jornalista Caio Barbosa, recém demitido do jornal O Dia após publicar uma matéria que relatava as grandes filas de pessoas em busca da vacina contra a febre amarela nos postos de saúde do município do Rio de Janeiro. A demissão, que ocorreu na segunda-feira, 20 de março, teria sido feita a pedido do prefeito Marcelo Crivella diretamente ao proprietário do jornal. No evento também foi lembrado o caso do editor do Blog da Cidadania, Eduardo Guimarães, levado coercitivamente para depor a mando do juiz Sérgio Moro, no último dia 21, para que revelasse a fonte da informação, antecipada pelo blog, de que Lula seria levado a depor (também coercitivamente), em março do ano passado.
“Não podemos, de maneira alguma, naturalizar este estado de coisas. Casos como o do Caio Barbosa e do Eduardo Guimarães são simbólicos e fundamentais para abrirmos o debate com a sociedade e não tratarmos como casos individuais”, apontou Bia Barbosa. Ela observou que não é a primeira vez que um político ‘pede a cabeça’ de um jornalista e o jornal entrega, mas avalia que o cenário atual é diferente, com uma escalada de cerceamento da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. “Isso se manifesta de diferentes maneiras: seja no exercício do jornalismo, na manipulação da informação que é passada e do que não é passado para a sociedade, seja no desmonte da radiodifusão pública, seja na criminalização da comunicação comunitária que segue em curso no país, e na transferência de toda e qualquer possibilidade de ter políticas públicas de fomento à diversidade e pluralidade nos meios e comunicação para o mercado”, ressalta.
Comunicação comunitária como arma de denúncia, apesar das ameaças
O lançamento contou, ainda, com a presença da jornalista Gizele Martins, que listou as inúmeras ameaças que recebeu desde quando começou a participar de iniciativas de comunicação comunitária no Complexo de Favelas da Maré, há mais de 15 anos, e relatou a dificuldade que ela e outros comunicadores possuem de se proteger de tais ameaças. Segundo Gizele, a comunicação comunitária realizada nas favelas do Rio de Janeiro é, em primeiro lugar, um trabalho de defesa do direito à vida, tão ameaçado e violado nessas regiões da cidade.
Segundo Gizele, hoje há uma censura generalizada à comunicação comunitária em diversas favelas do Rio. “A comunicação comunitária que não denuncia, não deve ser considerada comunicação comunitária. A comunicação comunitária que não diz quem a gente é, que não reafirma essa identidade – e são as identidades locais, porque as favelas não são iguais – não deve ser considerada comunicação comunitária”, afirmou. Ela frisou, que essa voz, no entanto, é calada cotidianamente por forças estatais que atuam com esse objetivo realizando desde o fechamento de rádios e jornais e até mesmo ameaçando comunicadores, como Gizele relata ter acontecido quando a Maré foi invadida pelo Exército entre 2014 e 2015.
Jhessica Reia, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, também participou do debate tratando das ameaças à liberdade sofridas hoje por meio da internet. Segundo ela, todos devem estar atentos à proteção de dados pessoais na rede, desde ativistas até usuários comuns. Jhéssica lembrou que apenas 51% dos domicílios do Brasil tem acesso à banda larga, configurando um cenário de concentração nos centros urbanos e de falta de democratização do acesso.
Sobre a publicação
No conteúdo da publicação “Direito à Comunicação no Brasil 2016” estão desde as alterações realizadas pelo governo de Michel Temer na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que praticamente acabam com seu caráter público, a outras formas de ameaças à consolidação do direito à comunicação, como o cerceamento à liberdade de expressão durante os Jogos Olímpicos, a relação promíscua entre políticos, empresários de mídia e igrejas e, ainda, as possibilidades de perda de liberdade na internet. O papel da mídia na crise política que desencadeou o golpe contra a presidente Dilma Rousseff, no ano passado, também está entre os temas tratados na publicação.
Para ler o relatório lançado pelo Intervozes, acesse: http://intervozes.org.br/arquivos/interliv010dac2016.pdf
E, para apoiar a campanha Calar Jamais!: http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/4126-2/