“Pensou em fugir, em correr doidamente para a aurora, em bater asas inexistentes até voar. Escaparia assim à fria sanha daqueles caçadores maus que o confundiam com o milhafre, ele cuja única missão era cantar a beleza das coisas naturais e o amor dos homens; ele, um pássaro inocente, em cuja voz havia ritmos de dança.”
(Morte de um pássaro – Réquiem para Federico García Lorca, de Vinícius de Moraes)
[Rosângela Ribeiro Gil – NPC/SP] Há 81 anos, em 19 de agosto de 1936, a humanidade ficou ainda mais empobrecida e devedora. Militantes franquistas fuzilavam o poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca. Calava-se ali, na espanhola Granada, uma voz feita para amar e respeitar homens e mulheres – fossem eles mouros, judeus, negros, ciganos e todos os alvos das intolerâncias desumanas. “Canto para a Espanha e sinto este país no fundo do meu ser, mas, acima de tudo, sou um homem do mundo e irmão de todos.” García Lorca foi assassinado muito jovem, aos 38 anos, porque era homossexual. Foi uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola.
Uma alma sem fronteiras. Escreveu poesias, peças de teatro, tocou guitarra, pintou, foi um ser humano além de todos os tempos. Dialogava com a vida e a morte em seus textos. Todavia, tinha sempre no horizonte a felicidade, do jeito que ela se fazia, sem amarras, sem preconceitos, mesmo que no caminho se fizessem dores.
A bala que matou García Lorca ainda fere e mata, todos os dias, os nossos homens e mulheres. Todos e todas vítimas de quem não suporta as diferenças de opinião, credo, opções sexuais ou políticas, vítimas dos que apenas conseguem rastejar pelo esgoto de todos os preconceitos, da violência. García Lorca, presente!
Ar de noturno
Tenho muito medo
das folhas mortas,
medo dos prados
cheios de orvalho.
eu vou dormir;
se não me despertas,
deixarei a teu lado meu coração frio.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
Pus em ti colares
com gemas de aurora.
Por que me abandonas
neste caminho?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e a verde vinha
não dará seu vinho.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!
Nunca saberás,
esfinge de neve,
o muito que eu
haveria de te querer
essas madrugadas
quando chove
e no ramo seco
se desfaz o ninho.
O que é isso que soa
bem longe?
Amor. O vento nas vidraças,
amor meu!