Para esta edição, o Boletim NPC entrevistou o jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UnB, Murilo Ramos. Ele falou sobre a luta pela democratização da comunicação e pela regulação legal dos meios existentes, a legislação de outros países e a conjuntura brasileira.
Murilo Ramos é um dos palestrantes do 23º Curso Anual do NPC. Ele participa da mesa “Agências de notícias, conglomerados globais e a concentração da informação”, no dia 23/11, às 9 horas. Confira a entrevista completa!
BoletimNPC – É possível a existência de um sistema de comunicação democrática ou haverá sempre um dono da voz?
Murilo Ramos – O grande historiador Eric Hobsbawn nos presenteou com uma obra essencial, das tantas que escreveu, que intitulou Era dos Extremos – O Breve Século XX. Extremos porque foi um século marcado por uma polarização entre uma visão de mundo hegemônica, a liberal-capitalista, individualista, conservadora em sua essência, estruturada sobre uma ideia de liberdade nascida da posse dos meios de produção, e a socialista-comunista, coletivista, progressista em sua essência, estruturada sobre uma ideia de liberdade nascida da destruição da propriedade individual dos meios de produção. E breve foi o século, tal como estudado e narrado por Hobsbawn, porque surgiu das promessas da Revolução bolchevique de 1917 naquela que viria a ser a Rússia Soviética, e morreu com a dissolução da mesma Rússia e suas repúblicas soviéticas em 1991. Não que a História tenha acabado naquele instante, no sentido de uma hegemonia liberal-capitalista doravante indisputada. E, como a História não acabou, isto significa que o breve século XX ainda nos deixou com a responsabilidade de continuar lutando por uma democracia para além da voz do dono que é a marca da comunicação no capitalismo ainda hoje. Logo, possível é. Mas essa revolução ainda não está visível em nosso horizonte político, como não faz muito tempo achávamos que estava.
BoletimNPC – Há legislações em outros países que buscam a pluralidade de ideias e que tenha mecanismos de defesa ao poder econômico e político? Quais o senhor destacaria?
M.R. – Nenhuma em particular. Todas, mesmo as experiências sul-americanas recentes, de algum modo preservaram a voz do dono. E, como estamos testemunhando, sem uma perspectiva de luta radical, e global, até o pouco que se consegue está passível de ser perdido muito rapidamente. Claro que, sendo menos radical no pensamento, experiências de serviço público na comunicação, em países como a Alemanha, Grã-Bretanha, Canadá, França, ou espaços democráticos como o Sistema PBS nos Estados Unidos, tem méritos e merecem ser apreciados. Sem falsas ilusões, porém.
BoletimNPC – Como avalia a legislação brasileira?
M.R. – Lastimável no geral, com nesgas de claridade, aqui e acolá, como na legislação da produção e distribuição do audiovisual, e no marco civil da internet. Muito tempo perdido; sequer acumulamos a experiência concreta, hoje em risco, reconheço, da Argentina e Venezuela, e mesmo as experiências, por ora mais estáveis do Uruguai, Bolívia e Equador.
BoletimNPC – Na atual conjuntura, as forças democráticas brasileiras devem investir seus esforços na luta pela regulação da comunicação ou na construção de meios de comunicação independentes do poder econômico?
M.R. – A luta, a começar por aquela de dimensão épica e utópica que tentei resgatar acima, tem que fazer parte do nosso cotidiano. Logo, essas duas pontas de luta no curto prazo, a da chamada regulação e a dos meios independentes, tornados mais possíveis graças à internet – mesmo que as redes ainda cheguem a muito pouca gente – são fundamentais. Como tenho dito ao longo dos anos, parafraseando o grande Antonio Gramsci: pessimistas até podemos ser no pensamento, desde que mantenhamos o otimismo para prosseguir na ação, com um olho no dia de hoje e o outro na História.