Na primeira entrevista após deixar a Globo, o ex-jogador reitera críticas à imprensa e conta como o futebol ajudou a despertar sua consciência política
Heptacampeão francês pelo Lyon e ídolo do Vasco, o ex-meia Juninho Pernambucano acaba de se mudar para os Estados Unidos. Estabelecido em Los Angeles, tomou a decisão de respirar novos ares pela família. Aos 43 anos, está prestes a se tornar avô e vai acompanhar de perto as últimas semanas de gravidez da filha mais velha, Giovanna. Ele explica que a saída do Brasil não foi motivada pelo rompimento de contrato com a Rede Globo, onde era comentarista de futebol desde 2014. Em entrevista ao EL PAÍS, Juninho reclama ter sofrido censura na emissora por questionar o trabalho da imprensa, especialmente o dos setoristas. “Até o episódio da minha saída, seria injusto dizer que eu fui impedido de falar”, afirma. No fim de abril, durante o programa em que opinou que os jornalistas que cobrem os clubes “são muito piores hoje em dia”, a direção de jornalismo do SporTV, canal fechado de esportes da Globo, emitiu uma nota oficial condenando os comentários do ex-jogador.
Além da reprimenda lida ao vivo, que o levou a pedir demissão, ele conta que já havia acumulado desgastes com companheiros de emissora (leia a resposta da TV no fim da entrevista). “Discussões pesadas, de apontar o dedo na cara e tudo mais. Só não teve vias de fato.” Apesar de ostentar um diploma em gestão pela UEFA, Juninho não manifesta interesse em atuar nos bastidores do futebol. Por enquanto, seu único plano é passar uma temporada aprimorando o inglês e, ainda que à distância, se manter ativo no debate político nacional.
Pergunta. O futebol está em seu horizonte nessa nova etapa no exterior?
Resposta. Depois que saí da Globo, eu fiquei pensando no que fazer. Ainda não achei um caminho. Não me sinto pronto nem com vontade de voltar ao futebol.
P. Nem como dirigente?
R. Recebi uma proposta do Lyon, mas preferi esperar. Tenho capacidade para ser dirigente, só que, pela bagunça total no Brasil e pelo que conheço da imprensa, não faria isso agora. Joguei futebol por 20 anos. Sempre tive na cabeça que não poderia precisar de ninguém depois que eu parasse. Para não correr o risco de vender minha alma e meu caráter, só gastei 30% do que ganhei como jogador. Me preparei para isso. Investi 70% dos meus rendimentos.
P. Nem como comentarista?
R. De jeito nenhum. Perdi a confiança na imprensa.
P. Por causa do episódio com a Globo?
R. Tá gravando? Pode gravar, porque eu falo pra caramba. O que aconteceu foi o seguinte… Quando fui pra imprensa, me assustei com o desconhecimento generalizado. O futebol mudou muito. Chegaram a ciência, a nutrição, a psicologia, a análise de desempenho… Hoje o jogador corre muito mais, tem mais músculos, reage mais rápido. O espaço no campo ficou reduzido. Só que a imprensa ainda não entendeu essa evolução. Ela se agarra ao saudosismo: “Ah, mas no tempo de fulano era assim”. Não são todos, mas a maioria dos jornalistas desconhece o jogo.
P. Desconhece em que sentido?
R. Grande parte da imprensa joga contra a evolução do futebol. Eles [jornalistas] precisam da gente, os ex-jogadores, para complementar o que não conseguem enxergar. Fui censurado na Globo por denunciar que tinha setorista vendido, que se envolve com sacanagem. É o setorista que pauta o noticiário, porque cobre de perto os jogos e treinamentos. Quando ele se prostitui, fode o ambiente no clube. É preciso combater o que tá errado lá embaixo na cadeia de produção do jornalismo para pautar coisas mais sérias. E aí, em pleno ano de 2018, sofri censura ao vivo na TV. Nenhum jornalista me defendeu. Pelo contrário, ainda fui humilhado pelo Milton Neves [apresentador da Band], que deu uma tuitada me ridicularizando. Antes, já tinha recebido ameaças de torcedores. Se eu fui censurado e ameaçado, significa que toda a imprensa também foi, meu amigo. E ninguém compreendeu isso, talvez por ignorância ou medo de perder o emprego.
P. Antes da crítica aos setoristas, você foi impedido de falar na emissora?
R. No fim de 2013, quando já tinha planos de parar de jogar, me ligaram da Globo perguntando se eu estava disposto a comentar a Copa de 2014. Respondi que me interessava. Mas, se ainda estivesse jogando futebol, não faria. Aí parei de jogar e assinei contrato de um mês com eles. Renovei por mais dois anos. Depois, mais três. Meu contrato iria até o fim do ano que vem. Durante esse período até o episódio da minha saída, seria injusto dizer que eu fui impedido de falar. Mas briguei com os três principais narradores e o principal repórter da casa. Briga grande, discussão pesada, de apontar o dedo na cara e tudo mais em reuniões. Só não teve vias de fato. Queria dar minha opinião e não aceitavam. Diziam que eu falava muito, que interrompia demais. Balançavam a cabeça achando ruim se eu me alongava no comentário durante a transmissão. Sofria pressão por querer dizer o que penso. Mas me contrataram para dar opinião. Eu criticava quem tivesse que criticar. Enquanto a Globo me deixou trabalhar, fiz minha parte. Saí de consciência limpa. Não vendi minha alma nem meu caráter.
P. O clima, então, já não era dos melhores, certo?
R. A relação azedou quando eu critiquei o Vinicius Junior [após um clássico contra o Botafogo]. Fui ameaçado de morte pela torcida do Flamengo, dei queixa na delegacia. Esperava um suporte, mas não recebi apoio de ninguém na emissora. A partir dali a coisa não ficou legal. Como já estava tudo esquematizado para eu ir pra Rússia, não quis deixar os caras na mão. Mas eu abandonaria o barco depois da Copa.
P. Ter passado por um constrangimento no ar antecipou a ruptura?
R. Aquela nota interrompendo o programa [Seleção SporTV] para me censurar partiu de um diretor covarde, que eu ainda não sei o nome. Foi a gota d’água. Na mesma semana, decidi não prestar mais serviços à Globo e pedi para sair.
P. Acredita que o fato de ter manifestado publicamente suas posições políticas interferiu no desgaste com a Globo?
R. Eu espero que não, mas, provavelmente, sim. Durante a Copa do Mundo, a Globo soltou um comunicado pedindo para que os funcionários tivessem cuidado com os posicionamentos políticos em redes sociais. Acho que, a partir do momento em que você tá em casa, a vida é sua. Você posta o que quiser. Jornalista que abre mão de rede social a pedido do patrão, indiretamente, vende seu caráter ao chefe.
P. O que mais te decepcionou em sua passagem pela crônica esportiva?
R. A falta de humildade dos jornalistas. Gostam de ironizar ex-jogador por cometer erro de português, mas a gente agrega outro tipo de conhecimento, velho. Sabe qual é a diferença do atleta para o jornalista? É que nós aprendemos desde criança que existe alguém melhor que a gente. Quando entramos pra jogar, pensamos: “Caralho, aquele cara ali é bom, hein?”. Aprendemos a respeitar nosso adversário. Posso até odiá-lo, mas nunca vou desejar que desapareça, porque eu preciso dele para ser melhor. O jornalista não tem essa capacidade porque nunca entrou em campo. Não tenho a escrita, o vocabulário ou o estudo do jornalista, mas tenho outra visão de mundo. Foi muito feio observar de perto essa soberba. Como que alguém que nunca pisou num gramado pode ter tanta certeza de uma coisa? Passei a vida inteira sendo criticado. Me disseram coisas absurdas na época em que eu jogava e continuo vivo. Por que não posso criticar a imprensa?
P. Suas ressalvas vão além da questão com os setoristas dos clubes?
R. Como é que a imprensa deixou o Eurico Miranda ficar tanto tempo no poder? Em 2015, ele renovou o contrato do Vasco com a televisão. Quando a Globo adianta a verba dos direitos de transmissão, ela presta um desserviço ao futebol, porque não ensina o dirigente a administrar o dinheiro. E aí os clubes caíram num buraco. Mas gostam de ficar enganando o torcedor dizendo que a solução é trocar técnico, tirar jogador, contratar não sei quem… Eu não sirvo pra enganar torcedor. Times como o Vasco precisam de um trabalho sério, de longo prazo, sete a dez anos, para aspirar alguma mudança definitiva. E o que acontece? Quando perde, sai matéria detonando tudo, em vez de aprofundar nas causas. Outro negócio que me chocou: fazendo Campeonato Estadual, os caras não falam o nome dos jogadores de time pequeno. Parece que o time grande joga contra um fantasma. Quando eu ia comentar jogo do Volta Redonda, por exemplo, ligava pro assessor do clube para pegar informação de todos os jogadores, o esquema tático do técnico. Se o fulano joga bem, preciso saber o nome dele pra elogiar. Ou pra criticar, se jogar mal. Essas situações que observei me entristeceram para caralho.
P. Você não se via em conflito interno por trabalhar num lugar tão diferente de suas visões?
R. Não adianta pagar caríssimo pelo campeonato se você não protege o espetáculo. Eu brigava por isso lá na Globo. Queria mostrar pra eles que um calendário melhor deixaria o produto deles melhor. Tem jogo quarta e domingo no Brasil, porra. Ninguém aguenta. Está tudo associado ao dinheiro. Atleta não é máquina. Pra jogar bem, ele precisa se recuperar. Não pode ter jogo do Campeonato Brasileiro em data FIFA. E a falta de conhecimento da imprensa sobre esses detalhes me espantou. Todo mundo evoluiu. Por que a imprensa não pode evoluir? A análise ainda se resume a eleger o herói e o vilão. Isso é muito perigoso. Olha o recado que passam para a sociedade: ou você é craque ou você é um merda. Por que às vezes o atleta brasileiro amarela? Porque sabe que vai ser massacrado quando perder. Cria-se o pavor da derrota, que influencia no rendimento. O torcedor entra nessa lógica, quer saber quem foi o culpado.
P. Certa vez, você disse que o Renê, lateral do Flamengo, só era criticado por ser nordestino, e esse comentário gerou bastante repercussão…
R. Quando cobram 180 reais num ingresso, quem tá no estádio é outro tipo de público. Os jogos do Flamengo hoje são feitos pra quem mora na Zona Sul e na Barra da Tijuca. Tenho embasamento para falar do Renê. Quem são os jogadores que a torcida do Flamengo mais pega no pé? Muralha, que tinha um corte de cabelo todo diferente. Márcio Araújo, negro. Rodinei, que, de forma absurda e desrespeitosa, é chamado de “porca gorda”. Pará e Renê, que vieram das regiões Norte e Nordeste. Como comentarista, percebi que já havia uma campanha dos torcedores contra o Renê, mas, em campo, eu não via um desempenho tão ruim. Pelo contrário. Ele é um dos melhores laterais marcadores do Brasil. E o time não perde só por causa de um cara. Outros jogadores, que tinham performance abaixo, eram analisados de maneira diferente. Mas isso faz parte da nossa cultura elitista. E o próximo da lista será o Vitinho, que também é negro. O inconsciente toma conta. Só falam de quanto ele ganha e quanto custou, mas ninguém leva em consideração que o cara veio da Rússia e vai demorar a se readaptar. “Ah, mas ganha bem pra isso”. Porra, é ser humano. Sabe de onde ele veio? Sabe com foi a infância dele, tudo que ele viveu pra chegar até aqui?
P. Na época, o Flamengo emitiu uma nota dizendo que sua torcida não é racista.
R. Claro que a torcida do Flamengo não é racista, velho. Mas uma parte da torcida que paga 180 reais pra ir no jogo é racista sim, assim como parte da torcida do Vasco e de outros times grandes. Como pode um torcedor do clube que aceitou os negros, onde os operários construíram o próprio estádio, ser racista? O cara é torcedor de time popular. Como pode ser fascista? Isso é doença. Só pegam no pé dos mesmos. Se apaixonam por jogador que não tem muito valor técnico, mas uma aparência melhor. Eu vim do Nordeste, pô! Sei bem como é.
P. Sofreu muitas críticas preconceituosas?
R. Todo mundo passa por isso, meu amigo. Quem joga futebol escuta muita coisa preconceituosa, dentro e fora do estádio, incluindo a análise da imprensa. Não se faz a crítica técnica, mas humilhando o jogador. Tem que ter limite na hora de criticar. O cara tem família, os filhos vão pra escola, ouvem um monte de besteira. A pressão é muito grande. O Alex conta que o pai dele passou mal de tanto ouvir crítica do Galvão Bueno na TV. É algo que se repete.
P. Enxerga certo preconceito de classe na crítica da imprensa aos jogadores?
R. Existe o preconceito, mas também o interesse em marginalizar o atleta. A verdade é que a imprensa oprime o jogador. Quer que ele seja visto apenas como um marginal, um ignorante. Não sou formado em nada. Mas eu nasci em Recife, cheguei ao Rio com 19 anos, morei oito anos na França e dois no Catar, mais seis meses nos Estados Unidos. Visitei mais de 40 países jogando futebol. Será que a vida não me ensinou outras coisas? Sabe por que o atleta homossexual não se assume? Porque ele tem medo da repercussão na imprensa. Medo de ser humilhado. Outra coisa que sou totalmente contra: entrevista na beira do campo. Jogador tem que ir pro vestiário, tomar banho e esfriar a cabeça. Naquele momento, ele não está em sua plenitude de sobriedade. No calor da emoção, o que o cara diz ali, depois de 90 minutos de esforço intenso, pode sair do contexto ou não ser o que ele realmente queria dizer.
P. Por que tão poucos jogadores se posicionam politicamente?
R. A carreira do jogador é curta. O futebol exige tanta dedicação que você acaba se alienando. Entendo o atleta que ainda está jogando e prefere não se posicionar. Mas o ex-atleta que tem uma boa qualidade de vida não falar nada sobre a situação do país é inadmissível.
P. Foi por isso que você passou a se posicionar mais após a aposentadoria dos gramados?
R. Minha consciência política e minha responsabilidade como cidadão se desenvolveram muito mais depois que parei de jogar. Antes, quando aparecia notícia de que um político tinha morrido, eu dizia: “Menos um pra roubar”. Aprendi as coisas lendo, viajando o mundo e observando como tudo funciona para emitir minha opinião. Mas é claro que o jogador jovem, que não é amigo de jornalista e não tem ninguém pra protegê-lo, vai ser engolido ao se posicionar. Acaba evitando gastar energia com isso para se concentrar no seu ganha-pão.
P. A passagem pela França ajudou a amadurecer sua consciência política?
R. O que me despertou para a política foi o lado humano dos franceses. Eu pensava que o brasileiro era solidário. Enchia a boca pra dizer isso. Mas que mentira, velho. O francês é solidário para caralho. Tem os extremistas, a parte que despreza os muçulmanos, racista. Mas a maioria do povo francês é humanamente evoluída. Vi jogador mais novo receber proposta para ganhar o dobro em outro clube e recusar porque era da cidade, não queria sair de lá. E eu não entendia. Só olhava pelo lado financeiro. Essa era minha mentalidade. Vi também jogadores que saíram de países muito mais pobres que o nosso, em guerra civil, terem mais respeito ao próximo e educação que a gente. Nós somos muito gananciosos. Só sei disso porque morei fora do Brasil. O futebol me ensinou a enxergar o mundo. Quem salvou minha vida foi o futebol.
P. Se refere à ganância do brasileiro em geral?
R. Olha, quem tem dinheiro vivo, lucra com essa situação caótica do país, com o dólar nas alturas. Eu joguei 10 anos fora do país, recebendo em moeda estrangeira, só gastei 30% do que ganhei, tudo declarado, certo? O patrimônio que tenho investido lá fora só aumenta. Como o povo está feliz com esse sistema se ainda tem criança morrendo de fome no país, pô? Isso é injusto! A classe mais rica precisa de sensibilidade. Todos nós, brasileiros, gostamos de dinheiro. Mas, quando a ganância cresce demais, a distância para os mais pobres fica muito grande e a violência dispara. A riqueza não pode ficar na mão de poucos. É egoísmo. E tudo começa na linha de largada. Eu luto para que as oportunidades não fiquem só na mão de quem já tem privilégios. Como vamos falar de meritocracia? Meritocracia existe no esporte, onde treina todo mundo junto e o melhor tem que jogar. Mas, num país como o Brasil, não dá pra falar em meritocracia. Uma minoria larga bem à frente e quer exigir que os retardatários sejam alguém na vida. Essa corrida nunca vai ser justa.
Juninho e a família, em Los Angeles. ARQUIVO PESSOAL
P. Você se reconhece como privilegiado nesse sistema?
R. Eu ganhava 60 paus lá na Globo pra trabalhar duas vezes por semana. Já estou em uma boa condição. Poderia ficar calado, feliz da vida e levando vantagem, já que o sistema só está me ajudando. Mas que felicidade é essa? O brasileiro perdeu a autoestima, anda de cabeça baixa na rua. Tem uma molecada aí de 20, 30 anos que ainda mora com os pais e passa o dia inteiro na frente da TV, uma geração desiludida. Não é esse o país que eu quero para minhas filhas.
P. Viver numa casa com quatro mulheres também influencia sua visão de mundo?
R. Reconheço que ainda sou um machista em desconstrução, porque foi a educação que recebi. Aceito essa condição para poder evoluir. Aprendo todo dia com minhas filhas, vendo a luta das mulheres para ter direitos iguais no Brasil.
P. Assim como ex-colegas do futebol, você tem planos de entrar para a política?
R. Ainda não sei. Estou esperando a vida me mostrar o que devo fazer. Nunca me envolvi com nenhum político, nunca fiz campanha pra ninguém. Conheci o Lula pessoalmente quando o Brasil jogou contra o Haiti, em 2004. Ele foi lá, agradeceu a gente e deu uma carta para cada um. Foi a única vez que estive com ele. Eu o admiro muito. Ninguém vai apagar o que ele fez por esse país. O Lula é um senhor de 72 anos que está sendo massacrado. Por que as pessoas odeiam o Lula? O que odeiam nele é a aparência, a origem, o sotaque, a história e a popularidade. Se fizer um teste de ódio nas ruas, colocando um boneco do Lula ao lado de um do Aécio, vai sobrar para o Lula. Nem se compara. A elite exerce um domínio mental. Funcionário usar roupa branca na sua casa, uma coisa do tempo da escravidão. Como tenho boa condição, eu vivia entre os bacanas, morava em condomínio de rico. E via o pai passando esse ódio pro filho, uma coisa surreal.
P. Como analisa o cenário político no Brasil nesses últimos anos?
R. Nossa democracia é muito jovem, mas o básico seria entender que o voto tem peso igual. Negro, branco, pobre, rico: nenhum voto vale mais que outro. O problema é que, depois de tanto tempo de esquerda no governo, o desespero pela retomada do poder cegou algumas pessoas. Precisou de quantos para tirar a Dilma? Aécio, Eduardo Cunha, Temer e… A imprensa, pô! Rasgaram nossos votos e nos levaram a esse terror. Que tirassem a Dilma agora, nas urnas. Por pior que estivesse o país, não chegaria nessa situação, em que um extremista é cotado à presidência. Pode escrever aí: a grande mídia vai apoiar o Bolsonaro se ele for pro segundo turno.
P. Algumas personalidades do futebol também, não?
R. Muitos brasileiros ignoram que outros foram torturados e assassinados na ditadura. É desesperador ver gente apoiando intervenção militar. O Exército existe para defender o país, proteger as fronteiras, não para matar brasileiro na favela. Eles não foram treinados pra isso. Dizem que eu defendo bandido. Mas a gente tem que parar com essa história de achar que todo crime é igual. Uma coisa é assassino, outra é o cara que rouba. Não posso colocar um jovem de 18 anos que roubou num presídio. Ali é categoria de base para o crime. Quando o cara sai, ele quer se vingar da sociedade. Por isso que eu me revolto quando vejo jogador e ex-jogador de direita. Nós viemos de baixo, fomos criados com a massa. Como vamos ficar do lado de lá? Vai apoiar Bolsonaro, meu irmão?
P. Por envolver a paixão, o meio do futebol é um terreno fértil para a intolerância. Como fez para se blindar desse ambiente, sobretudo jogando em outros países?
R. Uma das minhas filhas nasceu em Recife, as outras duas, em Lyon. Minha neta vai ser filha de nordestina com americano descendente de chineses. Será que não tem diversidade na minha família? Sou um cidadão do mundo. Não posso ser intolerante com as diferenças. A única ressalva são os extremistas. Será que um cara que crê na existência de “raças humanas” e propaga discurso de ódio merece a democracia?
P. Nota paralelos entre o futebol e a política?
R. O futebol está tão perdido quanto o Brasil. A diferença é que o futebol ainda tem o talento a seu favor e pode demorar menos para sair do buraco.
GLOBO NEGA CENSURA
Procurado pela reportagem, o departamento de comunicação da Rede Globo enviou um posicionamento sobre as falas de Juninho:
Como funcionário do Esporte da Globo, Juninho Pernambucano foi tratado sempre com profissionalismo e respeito, e jamais sofreu qualquer tipo de censura. A nota citada por ele na entrevista ao EL PAÍS e divulgada pela Globo afirmava, sem deixar margem à dúvida, que Juninho tinha direito à sua opinião, que era e continuaria sendo livre. O texto apenas deixava claro que o canal SporTV não concordava com as críticas, as acusações e a generalização feitas pelo então comentarista contra um grupo de profissionais, que incluía seus próprios companheiros de trabalho. E reforçava a confiança nos mais de 30 setoristas que trabalham no Grupo Globo. A nota foi lida ao vivo e diante do próprio Juninho, o que não caracteriza a “covardia” que ele relaciona ao episódio.
Sobre outro episódio citado na entrevista, Juninho Pernambucano relatou, em fevereiro, ter sofrido ameaças de torcedores do Flamengo após uma discussão nas redes sociais. Por isso, pediu para não comentar a final da Taça Guanabara, para a qual estava escalado. Em respeito ao profissional, o pedido foi imediatamente atendido e ele foi retirado da equipe que trabalhou na partida.