Os jornais deram pouco ou nenhum
espaço à passeata contra a violência
que fechou a avenida Rio Branco
Por Cristina Braga, abril de 2005
Tarde quente e de sol, estamos frente à Candelária no centro do Rio. Chega gente de todo lado: mulheres com suas roupas negras, outros carregam faixas, muitos carregam cruzes, capoeiristas se apresentam lembrando os negros escravizados, representantes dos mais vários segmentos da sociedade civil se fazem presente. Estão ali os que ainda são capazes de se indignar com a miséria, a dor, o abandono dos companheiros.
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Um grupo de jovens estudantes, juntamente com seus professores Leon Diniz e Paulo Chinelo, trazem suas camisetas com frases – denúncia e se preparando para, emocionados lembrarem Bertholt Brecht e seu verso: “Hoje me levaram mas ninguém se importou…”. Juntam-se aos cantores de Hip-Hop, aos solitários e suas bandeiras. E o bumbo bate forte marcando a dor que a todos envolve.
Está para começar um ato contra a violência no campo e na cidade. Violência esta promovida pelo poder público que, começando no Poder Legislativo, passa pelo Poder Judiciário e chega ao cidadão pelas mãos da Força Policial.
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Mãe do Caju: duas crianças assassinadas
A Avenida Rio Branco, veia mãe do trânsito da cidade, é ocupada pelos manifestantes.
A palavra de ordem é “Abaixo a polícia assassina”.
Enquanto caminhamos os depoimentos são revelados. As janelas dos edifícios comerciais se abrem. Os passantes param para assistir a este cortejo fúnebre cheio de dor e repúdio.
Frente ao Palácio da Justiça temos os depoimentos mais contundentes. Mães, irmãs, filhas, mulheres falam das chacinas que lhes roubaram o convívio com seus entes queridos.
Falam da impunidade de assassinos escudados em fardas que enchem de sangue, desacato, humilhação os bairros onde moram os mais pobres, os negros, os com pouca instrução; os excluídos por um sistema perverso que cultua o capital em detrimento da vida.
O Movimento dos Sem Terra relembra a chacina de Carajás. Lembram Oziel, então com 18 anos, jogado ao chão de joelhos e com arma de fogo junto à cabeça foi desafiado a dar vivas à Reforma Agrária e que assim o fazendo tombou frente aos companheiros gritando “ Viva a Reforma Agrária”.
Lembrou-se do metalúrgico Santo Dias assassinado pela polícia em São Paulo, há 25 anos.
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Na faixa, o protesto contra a Globo
As fotos dos mortos estão por toda parte. São crianças, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres. Estiveram eles no campo ou na cidade fizeram parte dos desfavorecidos.
Mães pranteiam os filhos assassinados e sabem que ao voltarem para suas casas serão alvo fácil para os assassinos dos seus filhos que continuam impunes executando outros e muitos jovens, mas não se calam, não se intimidam.
Já não lutam mais em causa própria. Se oferecem ao sacrifício pelos filhos de todos nós. Muitas vieram de longe, com dificuldade, tem a saúde minada pela dor e pelo esforço em busca da justiça, mas não perdem sua dignidade.
Somos muitos frente ao Fórum. A cada nome chamado gritamos presente e vamos nos deitando no chão. Chamamos por toda sociedade à participação neste movimento.
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de alunos na passeata
A chamada grande mídia, representada ali pela Rede Globo de Televisão, mantém suas câmeras cobertas. Pedimos que registrem o fato mas o cinegrafista vira as costas e sai resmungando. Não há entrevistas, não se dá ao povo aviltado o direito de exprimir sua dor.
À noite nos tele-jornais e no dia seguinte nas versões impressas vemos duas ou três linhas noticiando o fato.
Mas a voz desta gente não vai se calar. No campo e na cidade continuará a indignação e a luta contra a opressão e o abuso de poder.
Nós do NPC, presentes ao ato, continuaremos a levar aos quatro cantos essa luta, apoiando às mães e trabalhando para a formação dos jovens destas comunidades para que possam dar voz a toda a sua gente.
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Cristina Braga é colaboradora do Núcleo Piratininga de Comunicação.