Por Emilio Azevedo* em 27/03/2020
O assunto aqui tem relação direta com a ameaça de morte que paira sobre a cabeça de todos nós.
Recebi ontem (26/03/20) uma “notícia” aparentemente boba, veiculada em uma rede social, dando conta que os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e João Doria (São Paulo) “se aliam à ditadura do Partido Comunista Chinês contra Bolsonaro”.
Essa “notícia”poderia ser encarada apenas como uma bobagem ou piadinha inofensiva. Mas ela faz parte de uma rede de mentiras, de uma poderosa máquina de comunicação e desinformação, que vem fazendo grandes estragos no Brasil.
Essa rede faz com que pessoas sigam apoiando, incondicionalmente, Jair Bolsonaro, mesmo após ele falar absurdos e agir agressivamente contra as medidas de prevenção ao coronavirus, definidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Foi a partir dessa máquina de mentiras que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, surfando em fábulas como a ameaça de proliferação de“mamadeiras de piroca”. Essa propaganda articulou uma base social que acreditou numa tal “nova política”, viabilizando eleitoralmente uma figura abjeta e caricata, como sendo a única alternativa para combater um “inimigo comum”.
Trata-se de uma máquina milionária, com conexões internacionais, com atuação muito forte em todas as redes sociais, inclusive com a utilização de robôs. Por conta dela, ainda hoje, existem brasileiros que não entendem as ameaças do coronavirus, mas é possível que sigam acreditando nas ditas mamadeiras penianas…
É uma pandemia de ignorância! E se o vírus pode estar do seu lado, essa máquina de estupidez e falácias pode passear rotineiramente no seu celular.
Na opinião desses camicases, que seguem de modo fanático essa engrenagem de mentiras, o mundo inteiro está errado em relação ao novo coronavirus.
Hoje, um bilhão e 300 milhões de pessoas estão em isolamento social na Índia. No Brasil, todos os governadores, de todos os 26 estados, assinaram um documento público informando que estão em total sintonia com a OMS, para evitar o colapso do nosso sistema de saúde.Mas nada disso tem eco nesse universo paralelo,rebocado por forças quase medievais, para quem a Terra pode até ser plana.
E assim, nesse mundo de infindáveis mentiras, um megaempresário como João Doria e um coronel da pecuária como Ronaldo Caiado tornam-se, de súbito,aliados de um “perigoso partido marxista”. E tudo sendo parte de uma conspiração contra um dito“messias”, um “mito”.
O Coronavirus é um problema gravíssimo! E Bolsonaro também é, tendo que ser retirado da presidência do Brasil, por evidentes e sucessivos crimes de responsabilidade.
No entanto, outro problema brasileiro é essa máquina de mentiras, essa proliferação da desinformação, que hoje vem impedindo a união do país, impossibilitando que todos estejam mobilizados em uma só direção, em favor da luta pela vida, a partir da orientação da OMS.
A humanidade precisa vencer o coronavirus e nós estamos dentro dessa guerra terrível. Mas ela vai acabar! E mesmo após todo esse transtorno de hoje, os brasileiros seguirão tendo pela frente este combate fundamental contra a milícia do Fake News, que vem atuando no Brasil ao longo dos últimos anos. É um processo que indicará o tipo de sociedade que nós, os brasileiros, teremos no futuro.
Vamos ter que priorizar o combate a esta máquina endinheirada, que promove e potencializa a estupidez,juntando um nacionalismo barato, um capitalismo estrábico, poderosas máfias religiosas, milícias assassinas, somados a muito ódio, preconceitos históricos, muita ignorância e, principalmente, muita, muita, mentira. Juntos, eles mentem sobre o passado, mentem sobre o presente e ameaçam o nosso futuro.
Lembrando que ontem (26/03), Carlos, um dos filhos de Bolsonaro, o mesmo que faria parte do chamado “gabinete do ódio”, se filiou ao partido de Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus. É o mesmo partido de Marcelo Crivella, bispo da Universal, sobrinho de Edir e atual prefeito do Rio de Janeiro. Trata-se da mesma Universal que trabalha contra o isolamento social…
Após a segunda guerra mundial, o mundo se uniu contra o nazismo. Após o drama do coronavirus, o Brasil vai precisar de uma articulação que também priorize o combate a essa máquina mortífera, que se alimenta da desinformação. Falo de uma onda que criminalizou um educador do nível de Paulo Freire e fez de um notório perverso, como Jair Bolsonaro – um sujeito que idolatra torturadores-o presidente do nosso país. Isso é gravíssimo e não pode ser banalizado. É muito sério, gente!
Enfim, acredito que alguns ingredientes óbvios, para as batalhas contra esse outro agente “infeccioso”, passam pela política, por organizações sociais voltadas para democracia e justiça social, por uma autêntica democratização da comunicação, por um investimento profundo em educação, aumentando bastante a aposta no conhecimento e na ciência. A educação precisa ser vista como um desafio social, como um direito de todas as pessoas, sendo pública e de muita qualidade.
Num médio e longo prazo, é o caminho que o brasileiro tem em favor da vida. Do contrário, poderemos ser um povo dominado pelo mais absoluto obscurantismo, o mesmo que hoje já nos atrapalha na luta contra o coronavirus. Bolsonaro é a ponta do iceberg. E nós já estamos no Titanic.
*Emilio Azevedo é jornalista de São Luís (MA). Um dos fundadores do Jornal Vias de Fato, faz parta da coordenação da Agência Tambor.
**A ilustração que acompanha este texto é de Carlos Latuff, que autorizou sua utilização.