por Paula Zarth Padilha
O jornalismo tem desempenhado um papel fundamental no Brasil em tempos de coronavírus: além do desafio de se colocar em risco para exercer a profissão, considerada serviço essencial no país por decreto, cada jornalista ainda tem a tarefa de se reinventar a cada pauta. O trabalho usual de buscar fontes, de explorar pautas de maneiras adequadas, de exercer seu trabalho em segurança e com equipamentos adaptados para a existência de contaminação comunitária por um vírus invisível, reportar a sobrevivência e a morte. São muitas as dimensões louváveis do jornalismo neste mês de apreensão com o avanço da COVID-19 no Brasil.
E esse cenário também é potencializado por outras adversidades: em 2020 a profissão sofre ataques sistemáticos sobre sua condição de existência, com questionamentos do valor de verdade, da checagem, da apuração, do acesso a fontes, enfim, todos os critérios técnicos do jornalismo são questionados, com o agravante que esses ataques partem da Presidência da República e promovem um efeito em cadeia deliberado: o da descredibilização da imprensa.
Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro proferiu 116 ataques ao jornalismo ou a jornalistas, de acordo com relatório da Federação Nacional dos Jornalistas, amplamente divulgado. Em 2020, esses números aumentaram consideravelmente, pois além de monitorar postagens no twitter, entrevistas e discursos, a FENAJ estendeu a pesquisa para as lives do YouTube e as ações do presidente em frente ao Palácio do Planalto. O número de ataques atingiu 141 ocorrências nos primeiros três meses do ano. No contexto da pandemia, Bolsonaro atacou a imprensa e o trabalho de jornalistas profissionais 21 vezes, somente no mês de março.
Um dos efeitos dessa, e de diversas ações governamentais questionáveis por parte do presidente, que influenciam parte da população, é a dúvida sobre a real gravidade e mortalidade da doença coronavírus, que chegou ao país no mês de março e mata, atualmente, cerca de 200 pessoas por dia, em dados ainda subnotificados, por não termos acesso a testagem em massa da população, sequer que doentes que apresentam problemas respiratórios de menor gravidade.
O Jornalismo é a ferramenta que nos mostra, dia a dia, as informações disponíveis nesse contexto extremo. E historicamente serve à sociedade nesse sentido. Dos arquivos da Biblioteca Nacional, o jornalista Bruno Brasil, curitibano radicado no Rio de Janeiro, pinçou esse exemplo, de conscientização sobre os impactos da gripe espanhola no Brasil e a falta de credibilidade da população sobre a gravidade. Confira:
É lugar comum dizer que a Historia se repete. Há pouco mais de cem anos, a chegada da chamada “grippe hespalhola” no Brasil rendeu incontáveis laudas na imprensa nacional: havia de tudo, de propaganda de remédios “milagrosos” a recomendações médicas que, ao público, poderiam parecer exageradas. E havia também a simples negação da letalidade da nova influenza. No nº 1.069 da revista O Malho, de 10 de março de 1923 – momento em que a “espalhola” já fazia vítimas no Brasil há cinco anos – um cartum dava conta do “impressionante desastre que vitimou nosso collega d’A Noite, Dr. Gomes Leite”. Se antes a fatalidade vinha a galope, com a modernidade, vinha motorizada: situação sem precedentes expressa pelo cartunista: “E dizem que não há grippe hespanhola! Oh! Se há! E d’esta vez vem de automóvel!”