Considerados essenciais, trabalhadores estão recebendo menos, não têm proteção, garantias e ainda correm mais riscos de vida. Categoria vê organização como único jeito de melhorar vida e condições de trabalho
Não é de hoje que os trabalhadores e as trabalhadoras de aplicativos denunciam as más condições de trabalho, como a baixa remuneração, a inexistência de direitos trabalhistas, a preocupação por não terem qualquer segurança em caso de acidentes, doenças e mortes, assim como o dever de terem de arcar com toda a estrutura para o trabalho, como a manutenção de motos, dos aparelhos celulares e das bicicletas até a compra das bags (bolsas) que levam nas costas.
Com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e a necessidade do isolamento social para conter a proliferação da doença, os trabalhadores de aplicativos enfrentam, além do medo do trânsito, o medo do vírus e o aumento da exploração e da precarização.
Isso porque, ao mesmo tempo em que aumentou a demanda, aumentou o número de desempregados sem experiência no trânsito trabalhando como entregador de aplicativo e, consequentemente, aumentou também o número de acidentes e mortes desses trabalhadores.
O número de aplicativos de entrega baixados cresceu 200%, segundo pesquisa da RankMyApp, empresa de tecnologia para divulgação de aplicativos. Só em abril, mais de 22 milhões de celulares instalaram aplicativos de entrega, o maior número de adesões dos últimos seis meses.
Com mais trabalhadores sem experiências nas ruas, aumentou o número de mortes de motoboys. Em São Paulo, dados do Infosiga mostram que, em março de 2020, 39 motoboys morreram nas ruas da capital paulista, contra 21 no mesmo mês de 2019. Somando todas as ocorrências no estado de São Paulo, também houve crescimento nos números das mortes saltando de 161 (2019) para 171 (2020), resultando aumento de 6,2%.
“As plataformas deveriam dar um curso e mais informações para estes novos entregadores, que procuram este trabalho por causa da necessidade, mas não estão preparados e muitas vezes nem conhecem a legislação”, afirma Alessandro da Conceição Calado, o Sorriso, entregador de Brasília que é cadastrado em mais de cinco plataformas, que já procurou a CUT do Distrito Federal para organizar a categoria e lutar por direitos.
Ele conta que, apesar de estarem organizados na Associação de Motoboys, Autônomos e Entregadores do Distrito Federal (AMAE-DF), pediu ajuda a CUT para fortalecer ainda mais a luta quando vários trabalhadores foram bloqueados pelos aplicativos sem qualquer explicação. As conversas pararam por causa da pandemia, mas vão voltar.
“Eu vi que a gente estava desamparado quando fomos bloqueados e com a associação a gente está com vários planos para avançar na luta e com a parceria com a CUT vai ser melhor ainda para lutar por direitos e qualidade de vida”, afirma.
O presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, disse que a Central começou a se organizar para proteger e defender direitos destas “novas categorias” e ressaltou que essa é uma das resoluções do 13º Congresso Nacional da CUT Nacional, realizado em outubro do ano passado.
“As plataformas dão a esses trabalhadores o nome de empreendedores, mas sabemos que isso é para confundir e explorar ainda mais. Eles são trabalhadores autônomos e precarizados, que trabalham sem nenhum contrato, garantia e reconhecimento. E é por isso que é fundamental que se organizem para enfrentar esta nova faceta do capital”, diz Rodrigo.
O secretário de Relações Internacional da CUT, Antonio Lisboa, lembrou que tem um projeto em andamento com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para elaborar uma pesquisa e depois seguir para a organização desta categoria.
Ele ressaltou também que, no CONCUT, a CUT mudou o estatuto para poder incluir a filiação de associações de trabalhadores de caráter classista, já pensando na defesa destes trabalhadores e trabalhadoras autônomos e que serão cada vez mais explorados.
“A pandemia tem sido avaliada como um acelerador do tempo, no qual as novas tecnologias e a economia da plataforma estão aprofundando as mudanças nas relações de trabalho. E nós como trabalhadores e lideranças temos que criar condições de organizar e dar mais velocidade nestes processos para estarmos na luta junto destes trabalhadores e trabalhadoras”, finaliza Lisboa.
A entregadora Keliane Alves Pereira é uma das que precisam que esta organização da categoria dê resultados concretos. Ela é uma das que sofrem com o aumento da exploração. “As demandas dos entregadores diminuíram pela quantidade de pessoas disponíveis e as empresas estão se aproveitando para explorar ainda mais. Agora pouco, neguei uma viagem de quase 40 Km que ia me pegar entre R$15 e R$ 20 reais. Eu me senti escravizada e preferi ir para casa e eles não estão nem ai, porque sabem que eu nego mas tem outros que vão pegar a corriga”.
Sorriso acrescenta que os riscos aumentaram e ao contrário do que a categoria esperava quando a atividade foi considerada serviço essencial, não houve valorização nem respeito da sociedade. “A gente acreditava que ia ser mais valorizado, melhor remunerado e chegamos pensar que a própria sociedade ia ver a gente de outra forma, mas não”.
“Os riscos de vida aumentaram, estamos ganhando menos com todas más condições de antes, mais as atuais, e a população ainda nos trata mal e nos marginaliza”, diz.
Centro de apoio e os cuidados de combate ao covid-19
Outra grande reivindicação da categoria e que agora ficou ainda mais necessária é um centro de apoio, onde eles possam descansar, esquentar a comida, se alimentar, carregar o celular, usar o banheiro e beber água.
Pedro Igor, entregador que usa a bicicleta para trabalhar na capital federal, disse que este espaço deveria ser uma responsabilidade destes aplicativos para que a categoria possa trabalhar com mais dignidade e segurança.
“O ponto de apoio nos daria o suporte para diminuirmos o risco de sermos contaminados, como lavar as mãos, passarmos álcool gel e até nos garantia as condições mínimas de trabalho”, disse Pedro que parou de trabalhar durante a pandemia porque mora com pessoas do grupo de risco e não se sentiu seguro para continuar nas ruas.
Fora que ao fim do dia, segundo Pedro, muitas vezes, por não ter transporte público e não se arriscarem ainda mais e ter que pedalar de 30 a 40 KM para ir para casa, eles não têm como voltar para casa e muitas vezes acabam dormindo na rua.
“Estes espaços também poderiam ser locais para gente ter onde passar uma noite, se proteger e começar a trabalhar no outro dia. O centro de apoio é o mínimo de uma condição digna de trabalho”, afirma Pedro.
Keliane fala que só pela condição de ser mulher já é ainda mais difícil, porque a única empresa que dava um pouco de estrutura para ir ao banheiro e até beber água e lavar a mão, não dá mais devido ao perigo do contágio em lugar fechado.
“Agora tudo piorou. A gente se sente mais humilhado e desprezado eu estou até sentindo falta de como era antes da pandemia, em que éramos menos escravizados”, conta.
Aumento de bloqueios
A categoria também tem relatado o aumento de número de bloqueio de entregadores feitos pelos aplicativos, sem explicação nenhuma, uma das razões que fez a associação dos trabalhadores do DF procurar a CUT.
Eles fizeram algumas manifestações denunciando o problema, pedindo melhores condições de trabalho, fim dos bloqueios e melhor remuneração nos fretes. E foi preciso uma ação coletiva para conseguirem voltar ao trabalho.
“Eu e mais 20 entregadores ficamos mais de um mês sem conseguir trabalhar e foi só esta união que fez com que um juiz estipulasse um prazo de 24 horas para que as plataformas nos reativassem nos aplicativos”, disse Sorriso.
Um motorista em São Paulo, que não quis se identificar, teve o mesmo problema. Ele disse que de um dia para outro teve seu acesso negado na plataforma e não conseguiu trabalhar. “Ainda bem que minha mulher está trabalhando, porque se não a gente estaria passando fome. Até hoje não entendi o que está acontecendo e nem tenho como correr atrás porque nem sei a quem recorrer”, disse.
Fonte: CUT