“O Código Da Vinci” chama atenção pela polêmica envolvendo a Igreja Católica. Mas, seu grande tema é mesmo a teoria da conspiração. Algo muito apreciado pela indústria da diversão. Até porque trata-se de uma teoria falsa, que serve muito bem aos conspiradores da classe dominante.
O filme de Ron Howard conseguiu a segunda maior bilheteria da história do cinema desde a estréia de “Guerra nas Estrelas”. O livro de Dan Brown, no qual o filme foi baseado não fica atrás. São cerca de 15 milhões de edições vendidas no mundo todo e 400 mil só no Brasil. Um dos maiores fenômenos literários dos últimos anos. Quem leu a versão escrita sabe que a trama de Brown foi feita para ser levada ao cinema. Primeiro, por seu ritmo ágil, envolvente, em que o final de cada capítulo deixa o leitor ansioso por continuar a leitura. Depois, por seu tema. Afinal, trata-se de uma obra sobre segredos do Vaticano. E seu lançamento aconteceu exatamente no momento em que a grande mídia permitiu ao mundo todo acompanhar a agonia e morte de um papa e a escolha de seu sucessor. Além disso, a estória de Brown focaliza uma das organizações mais poderosas da Igreja Católica atualmente: a Opus Dei. E, por fim, tanto no papel quanto na tela, “O código” aborda um dos temas mais atraentes da moderna indústria da diversão, a teoria da conspiração.
Explicando rapidamente, filme e livro falam sobre uma antiga sociedade secreta chamada “Priorado de Sião”. Esta organização seria responsável por preservar um segredo há dois mil anos ocultado pela Igreja: Jesus Cristo foi casado com Maria Madalena. Diante da ameaça de que o Priorado poderia revelar a outra paixão de Cristo e abalar a fé cristã, entra em cena a Opus Dei, interessada na manutenção e ampliação dos poderes do Vaticano. Daí, sucedem-se assassinatos, perseguições, charadas envolvendo as obras de Da Vinci, antigos manuscritos e quebra cabeças. Ou seja, diversão garantida.
Marx e um banqueiro unidos pelo judaísmo
Mas, o verdadeiro segredo do sucesso da obra parece ser o combate entre dois grupos de conspiradores. É a idéia de que uma seita, coletivo ou agrupamento é capaz de manipular certos elementos de modo a alcançar ou se manter no poder. É a famosa teoria da conspiração. Segundo a enciclopédia virtual “Wikipédia” essa teoria: “…supõe que um grupo de conspiradores está envolvido num plano, e suprimiu a maior parte das provas desse plano e do seu envolvimento nele. O plano pode envolver qualquer coisa desde a manipulação de governos, economias ou sistemas legais até à ocultação de informações científicas muito importantes”.
Ou seja, a maior prova da existência da conspiração é a ausência de provas. Esse tipo de pensamento tem seu mais antigo exemplo no famoso “Protocolo dos Sábios de Sião”. Seria um documento que denuncia a existência de uma rede mundial de banqueiros e empresários judeus que teria o objetivo de fortalecer e propagar a fé e cultura de seu povo. Algo que alimenta e realimenta o fascismo no mundo todo. Mas, não só. O famoso anarquista russo Bakhunin era um adepto dessas idéias. Acusava Marx de fazer parte de uma conspiração que incluía o banqueiro inglês Jacob Rothschild. O que os unia seria a origem judaica. Coerente com essa idéia, Bakhunin aprontava suas próprias conspirações. Sempre secretas, pois os trabalhadores seriam muito ingênuos ou estúpidos para participar delas.
Quem acompanha a produção de Hollywood deve lembrar de várias produções com essa temática. Alguns desavisados podem enxergar nessas produções a boa intenção de denunciar os poderosos do mundo. O problema é que esse tipo de denúncia mais ajuda do que atrapalha os poderosos.
Competição capitalista dificulta grandes conspirações
Para começar, as conspirações aparecem como elementos anormais na estrutura do poder. Se há injustiça, exploração, autoritarismo e manipulação, não é porque isso seja próprio da forma como governo, parlamento, judiciário, forças militares e grandes empresas mantenham a dominação de classe. É porque um grupo se apoderou de algum ponto-chave na estrutura de poder ou numa corporação. São apenas políticos ou patrões maus. Não é à toa que em estórias desse tipo, o final feliz representa a descoberta da conspiração e sua eliminação. E geralmente os responsáveis pela derrota dos conspiradores são indivíduos ou pequenos grupos. Para derrotar conspirações do mal nada melhor do que conspiradores do bem. A vitória desses últimos garantiria que o aparelho de dominação ou grandes empresas possam voltar a seu funcionamento normal. Como se o funcionamento normal não implicasse injustiça, exploração, autoritarismo e manipulação.
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Além disso, a teoria da conspiração ajuda a esconder um traço muito particular da sociedade burguesa. É o fato de que de todas as classes dominantes da história humana, a burguesia é a que enfrenta maior concorrência entre seus próprios pares. É verdade que nos últimos 100 anos o capital concentrou-se cada vez mais e só há lugar para os “supers” e “hipers”. Mas a briga entre os gigantes capitalistas também fica cada vez mais irracional. Se um inventa lucros aqui, o outro dá um jeito de exagerar seus rendimentos ali. Foi o que vimos com as falências da Enron, World.com, Parmalat etc. É como aqueles monstros de filmes japoneses. São grandes répteis falsos lutando. Mas quando um deles cai os efeitos são verdadeiros. Destrói quarteirões inteiros da pobre cidade que serve de palco ao arranca-rabo. Infelizmente, na vida real são os trabalhadores, aposentados e pensionistas e pequenos comerciantes que têm suas vidas esmagadas. E estes dificilmente aparecem nas tramas dos blockbusters ou best-sellers.
Um cristianismo associado a cavaleiros e guerras
Então, não haveria algum nível de conspiração entre os que detêm o poder político e econômico? Claro que sim. Os capitalistas têm muitas razões para se unir. Se juntam e respondem rápida e de forma eficiente quando seus interesses maiores estão em jogo. Ameaças à propriedade de suas fábricas, bancos, fazendas ou a seu lucro são imediata e, se necessário, violentamente afastadas. Mas trata-se de uma conspiração de classe, que, muito freqüentemente, tem no aparelho de Estado seu melhor quartel general. São as forças militares, o parlamento, o poder judiciário, o Executivo. Mas também podem ser associações e partidos ligados aos patrões. A depender da situação, da época, do país ou região, esses elementos são combinados e utilizados da maneira mais eficiente possível. Mas, o remédio contra isso é saber conspirar na mesma medida. Ou seja, enquanto eles mobilizam seus recursos políticos, só resta aos do lado de cá, fazer o mesmo. Nossa fraqueza é que precisamos de mais gente e não menos em nossos complôs. Precisamos agir à luz do dia para conseguir a adesão de crescentes maiorias. Do contrário, acabamos reproduzindo o autoritarismo dos que estão no poder.
Mas, voltando ao “Código”, as obras de Brown e Howard acabam colaborando para esconder o que importa. O maior problema da Igreja Católica não é qualquer segredo sobre a vida amorosa de Jesus. É a história da colaboração do Vaticano com governos e regimes autoritários e assassinos. Hitler, Mussolini, Franco, Pinochet são só alguns dos ditadores que chegaram ao poder ou nele ficaram com a benção papal. O último papa, por exemplo, foi campeão na defesa das causas mais conservadoras.
Aqueles que acreditam estar vendo a revelação de uma farsa estão apenas vendo outra farsa. É como diz o monge beneditino Marcelo Barros, em excelente artigo publicado em www.adital.com.br
“O mais lamentável nessa história não é o que está atiçando a ira da maioria dos crentes. É que a fé cristã continue associada a nobres e cavaleiros de guerra e não a pessoas consagradas à paz e grupos empenhados em tornar este mundo melhor. Entretanto, isso Dan Brown não inventou. Ainda temos no mundo um cristianismo ligado à cultura de guerras, conquistas e segredos de corte. Em tal atmosfera, fica fácil fazer romances de mistério”.
Os defensores de teorias da conspiração ajudam nessa tarefa, mesmo sem querer. Enquanto Tom Hanks faz seu personagem Robert Langdon correr pelas ruas de Paris, os verdadeiros crimes e erros do Vaticano ficam esquecidos.
Junho de 2006