Entrevista com Pedrinho Guareschi. Por Rosângela Gil, de Santos, 22 de novembro de 2003

  O professor de jornalismo da PUC do Rio Grande do Sul, Pedrinho Guareschi, é taxativo: “enquanto existirem meios de comunicação considerados como privados, quando têm dono, é impossível falar em democracia no Brasil”. Para ele, o povo é privado da sua palavra e da sua voz, o que prejudica a cidadania, já que a pessoa humana se torna cidadã quando ela consegue dizer a palavra.

  Pedrinho Guareschi fala com desenvoltura sobre meios de comunicação, cidadania, democracia participativa e distribuição de renda. Não poder dizer a “sua” palavra, que é o que a pessoa tem de mais profundo, sagrado e original, faz com que se crie um ciclo de privilégios e exploração sem fim. Hoje, no Brasil, há uma estrutura que sufoca a palavra, portanto, a participação; portanto, a organização; portanto, as mudanças.

  Nesta entrevista ao Boletim NPC, o professor Pedrinho Guareschi, que participou do 9º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, em novembro último, observa que toda a comunicação trabalha com conotações, com ideologia. “São usados adjetivos terríveis contra o movimento dos sem terra, por exemplo”.

NPC – Quando nos tornamos um cidadão ou uma cidadã?

Prof. Pedrinho Guareschi – A pessoa humana se torna cidadã quando ela consegue dizer a palavra, porque dizer a palavra é realmente tirar de dentro dela o que ela tem de mais profundo, mais sagrado e mais original. E só ela é que pode fazer isso. Então ela precisa, ao dizer a palavra, de consciência e liberdade. Essa consciência e liberdade que a levam a ser responsável. Alguém se torna cidadão ou cidadã quando contribui numa cidade, numa comunidade, com aquilo que ela tem de único e “irrepetível”, que é o seu próprio ser. A partilha desses projetos comuns é que forma democratimente uma cidade, uma sociedade.

  A construção de uma cidade, falando em termos de democracia e cidadania, passa pelo projeto, pelo pronunciamento e pela palavra de todos os seus membros e participantes.

  É muito importante distinguir que há vários níveis de participação. A participação no planejamento, na execução e nos resultados. O que acontece em geral é que os brasileiros participam fortemente na execução. É o trabalhador que faz tudo. Quanto aos resultados eles ficam com uma pequena parte. O Brasil é campeão da má distribuição de renda. Mas a questão da cidadania passa pela participação no planejamento. É no planejamento que eu decido quem faz o quê (execução) e quem fica com o quê (resultados). Então, cidadania é participação no planejamento. E isso só é possível quando a pessoa fala, planeja, apresenta o seu projeto. Essa é a questão central da cidadania.

NPC – Quando os meios de comunicação destróem a palavra do povo?

Prof. Pedrinho Guareschi – Exatamente quanto o povo é privado da sua palavra e da sua voz. E isso acontece, eu diria, estruturalmente no Brasil, porque são poucos grupos ou famílias que detêm os meios de comunicação. A maioria do povo brasileiro permanece silenciada, permanece excluída dessa participação da palavra. Estruturalmente falando, enquanto existirem meios de comunicação que são considerados privados, quando têm algum dono, é impossível falar em democracia no Brasil.

NPC – A comunicação no Brasil pode e deve ser diferente?

Prof. Pedrinho Guareschi – Pode e deve. Pode, e já há vários exemplos de como a gente pode fazer a sociedade civil se pronunciar, se manifestar. Esse é o grande trabalho, penso eu, que leva à democratização e que leva, inclusive, à distribuição de renda. O Brasil é um país de desiguais, e é importante que ele (o Brasil) permaneça desigual porque esses desiguais sempre vão servir aos interesses de outros. Trabalhar para os outros. Serem explorados. Não dizerem a sua palavra. E isso automaticamente faz com que se perpetue um grupo de privilegiados. A distribuição de renda vai levar a maior participação das pessoas. Participação nos benefícios e também na construção da cidade, que é dizer a palavra no momento de se decidir como eu quero a minha Nação, como eu quero a minha cidade.

  Aqui eu faço mais uma distinção entre democracia representativa e democracia participativa. Todo mundo diz: o cidadão já participa quando vota. Até certo ponto. Não excluo a democracia representativa, mas ela está muito mal das pernas. O melhor é a democracia participativa, onde as pessoas são chamadas a dizerem sua palavra. Dizer sua palavra como? Expressando suas prioridades e se reunindo.

NPC – Os meios de comunicação no Brasil informam ou desinformam?

Prof. Pedrinho Guareschi – Na minha opinião mais desinformam do que informam. É impressionante como a informação é dada pela metade. É informado só o que interessa. Se seleciona a informação, se colocam adjetivos terríveis, fazem muito isso com o movimento dos sem-terra.

  Toda a comunicação trabalha com conotações, com ideologia. Se constróe a representação social de um presidente da República, dos líderes. Hoje em dia temos uma coisa escandalosa que é a criminalização dos movimentos populares. Ou não são dadas as notícias ou são dadas notícias contra.