Richard Stallman, um dos pais do software livre, defende o brasileiro Sérgio Amadeu, alvo da Microsoft. Por Rafael Evangelista, para o Planeta Porto Alegre, 21 de junho de 2004
 

Se alguém goza de prestígio dentro da comunidade de software livre seu nome é Richard Stallman. O próprio Linus Torvalds, o pai do Linux, coloca-se na posição de um simples engenheiro e chama Stallman de “grande filósofo”. No início dos anos 80, Stallman sistematizou os princípios básicos da filosofia de compartilhamento e liberdade contidas no movimento software livre. Liberdade para usar, alterar, copiar e distribuir tornou-se um mantra para aqueles que escrevem códigos de computadores mas também teve um efeito explosivo para toda a produção cultural. O chamado copyleft (antônimo do copyright) está se transformando em utopia possível para toda a produção alternativa e libertária.

No campo da tecnologia da informação, o sistema operacional GNU (cria de Stallman) /Linux incomoda a gigante monopolista Microsoft já há algum tempo. A atuação do governo brasileiro, que vem insistindo na preferência pelos programas livres, foi a gota d´água. Na semana passada, a Microsoft iniciou uma interpelação judicial que pode dar origem a um processo por calúnia contra Sérgio Amadeu, o diretor do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). Amadeu teria comparado a oferta gratuita do Windows da Microsoft à prática dos traficantes, que oferecem a primeira dose de graça.

O próprio Amadeu, durante o último Fórum Internacional de Software Livre, já havia alertado que as próximas batalhas seriam jurídicas. A viabilidade técnica do uso dos sistemas livres já teria sido provada e, ao monopólio, só restaria tentar freá-los por vias legais.

Nesta entrevista exclusiva ao Planeta Porto Alegre, Stallman comenta os passos do gigante para frear a adoção do software livre pelos brasileiros. Grande conhecedor do Brasil, o qual já visitou diversas vezes, Stallman considera as escolas brasileiras como um ponto-chave. A iniciativa certamente terá um efeito multiplicador e outros países a tomarão como exemplo.

Não é à toa que o gigante está se mexendo.

Você classificaria a atitude da Microsoft como um ato de desespero ou como uma manobra estratégica?

Eu classificaria como um movimento tático, já que estratégia refere-se a algo em grande escala. Eu acredito que a Microsoft ainda não tenha chegado ao desespero, acho que eles ainda acreditam que vão ganhar e que manterão um império permanente sobre os usuários de computadores do mundo.

Qual a importância da preferência brasileira pelo software livre?

Se o Brasil adotar verdadeiramente uma política completa e consistente de apoio ao software livre, este pode ser o ponto-chave de nossa campanha pela liberdade. Por exemplo, uma política clara para que as escolas usem apenas software livre nas salas de aula colocaria o Brasil no caminho da liberdade e serviria de modelo e inspiração para outros países.

Você concorda com a comparação entre a Microsoft e os traficantes de drogas?

O próprio Bill Gates parece concordar com essa comparação, de acordo com essa citação:

“Embora três milhões de computadores sejam vendidos a cada ano na China, as pessoas não pagam pelo software. Um dia eles pagarão, penso eu. E mesmo enquanto eles estão roubando, queremos que eles nos roubem. Eles ficarão como que viciados e um dia, de algum modo, vamos descobrir como cobrá-los na próxima década.” [Citação retirada da revista Fortune, dia 20 de julho de 1998]

No entanto, prefiro comparar a Microsoft com a indústria do cigarro, esses vendedores de drogas legalizadas. Eles distribuem amostras grátis e cigarros de chocolate para fazer com que as crianças comecem a fumar. Hoje, a Microsoft dá amostras grátis do Windows para escolas e estudantes. As escolas deveriam se recusar a fazer parte desse jogo.

Publicado em Porto Alegre 2003: 21/06/2004