Presentismo, idiotização do sujeito e perseguição de educadores; a comunicação popular no centro para as denúncias e os debates necessários

Rosângela Ribeiro Gil
NPC

Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 2024 – A segunda mesa do curso, no dia 5 de dezembro, resgatou fatos da formação política e econômica do País e como chegamos ao Século XXI com questões fundamentais para a classe trabalhadora e os movimentos sociais e populares. Estamos diante de encruzilhadas impostas, como sempre, pelo capitalismo. Se o tempo nos coloca no segundo milênio, com o desenvolvimento tecnológico ainda mais poderoso, o neoliberalismo nos impõe regressão civilizacional. 

Para falar do momento atual, o professor e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, iniciou sua exposição “voltando” para os anos 1930, no século XX. “Foi uma década de disputa entre o Brasil agrário e o industrial. Mudança de paradigma significa sempre disputa de futuro”, disse. Ele lembra que éramos um país, na passagem dos anos 1920 a 1930, cuja média de expectativa de vida era baixa, “34 anos”.

Apesar de os projetos do governo à época, como o de Getúlio Vargas, colocarem o Brasil em outro patamar econômico, com projetos de desenvolvimento industrial que envolveu, inclusive, a criação da Petrobrás e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o “capitalismo sempre será para poucos, e, nisso a direita está é sincera”, observou Pochmann. 

É como se disséssemos, sem qualquer receio de errar, que é da natureza do capitalismo explorar, ser violento e sem coração. O que vale é a acumulação de riqueza nas mãos de poucos, se o efeito colateral é destruir homens e mulheres e a natureza, é do jogo…deles. Mas não o nosso, por isso, a comunicação que precisamos fazer é fundamental para descontruir discursos ideológicos que capturam mentes e corações.

Para o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o papel da esquerda não é ficar ao lado “da ordem”, mas realmente questionar quais as tarefas dos progressistas nessa disputa. Ele adiantou o que entende como quatro pontos estratégicos na luta para a construção de um futuro melhor: 

  1. O que temos a dizer do centro dinâmico entre Ocidente (representado pela hegemonia militar e econômica dos Estados Unidos) e Oriente (impulsionado principalmente pela China). 

A nossa visão colonial nos fez ver o mundo sempre a partir da perspectiva ocidental, particularmente da Europa. A nossa visão ocidentalizada vem do norte global. Desprezamos os saberes de África e da própria América Latina. O mundo nos foi apresentado olhando para o Oceano Atlântico e não para o Pacífico. O que vemos hoje no País? As áreas litorâneas em processo de empobrecimento.

  1. As mudanças climáticas precisam ser pauta das nossas lutas. O antropoceno é o impacto do homem na Terra, como a alteração de rios, a crise climática e a extinção em massa de espécies. Precisamos distinguir o que é retórica em termos de projetos sustentáveis e o que de fato vai significar o salvamento do mundo. Mesmo com projetos discutidos e financiados, a temperatura não caiu, ao contrário, vem subindo. Aumenta-se a desertificação em vários locais. A esquerda precisa se colocar: o que temos a dizer sobre isso? Até 2050, uma parte da região litorânea brasileira vai desaparecer;
  2. A questão demográfica – decréscimo da população – precisa ser compreendida a partir de dois fatores: envelhecimento e natalidade em queda;
  3. O trabalho na sociedade. Não estamos mais na era industrial. A ideia do emprego fordista ficou para trás. Hoje vivemos sob a era digital com implicações em toda a vida social. Quem é você? Sou qualquer coisa. O trabalho multifacetado não coloca a pessoa em lugares de pertencimento ou identidade com o outro. Não há mais identidade de uma categoria profissional. A fragmentação nos coloca em qualquer lugar.

O professor apresentou o termo “presentismo”: “Processo de alienação que disputa o presente e não o futuro.”

A comunicação é central

Para tantos desafios apresentados pelo primeiro palestrante da mesa, a educadora Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,  fez questão de destacar, no início da sua exposição, a centralidade da (nossa) comunicação para enfrentar o esgarçamento “das fronteiras da justiça social diante dos nossos olhos”. 

O ataque está em toda a parte, como destacou, mas principalmente na educação. Professores estão sendo perseguidos de diversas formas, da dimensão física ao educacional, obrigatoriedade de comprar produtos, como carne, de determinado fornecedor, para compor a merenda escolar, inserção de elogios ao agronegócio no material didático oferecido aos alunos. 

A fragmentação da educação é outro fator perigoso, como disse Pellanda. São diversos os movimentos de reformas educacionais promovidos por governos estaduais. A educação domiciliar é um dos pilares do fundamentalismo religioso e da privatização da área, apontou a educadora. “Tira-se a criança do espaço de convivência coletiva, que é um aprendizado de diversidade e entendimento de diferenças, além de autonomia, e a coloca no espaço privado, que vai combinar autoritarismo, individualização e desaparecimento da diversidade.”

Para ela, o caminho passa pela mobilização, pela comunicação popular e pela educação – ciência e verdade. “Precisamos ocupar os espaços, e não recuar. Precisamos reaprender o lugar de anunciar o mundo que a gente quer.”

Encruzilhada importante

O juiz Rubens Casara, da Associação Juízes para a Democracia (AJD), autor do livro “A construção  do idiota: o processo de idiossubjetivação”, o próximo expositor, provocou: “É na encruzilhada que a gente se encontra. Interpretar o Brasil é lembrar da tradição autoritária e entender como chegamos desse jeito nos tempos neoliberais. É a partir daí que podemos compreender a sociedade brasileira e a realidade.”

Para ele, nunca elaboramos o fenômeno da escravização e da hierarquização das pessoas – as que são ‘matáveis’ e as não matáveis. “É esse movimento que vai nos ajudar a pensar as desigualdades do Brasil, o sadismo de pessoas que se supõem inferiores a umas e, ao contrário, para quem elas entendem estarem num lugar superior”, observa.

No passado recente, continuou Casara, temos a ditadura empresarial-militar de 1964 em que se vendeu o discurso de um “tempo de paz e honestidade”. A realidade foi oposta, disse o juiz. “Foram tempos em que muita gente ficou rica com corrupção, favorecimentos e ruptura de normas. E ainda se deseja voltar a esse passado “normatizado, que nunca existiu”. 

Nos tempos brasileiros sob os preceitos neoliberais, a partir dos anos 1990, é imposta a “racionalidade neoliberal de ver e viver o mundo a partir de vantagens pessoais. O registro da concorrência está em tudo, até na vida privada”. O neoliberalismo, nessa reflexão, não remonta apenas a uma teoria econômica, mas à produção intensa no simbólico e no imaginário. “Se formata o sujeito para naturalizar as injustiças, fechando-o para o  conhecimento e para a diversidade. É a construção do idiota, sujeito adequado à racionalidade neoliberal.”

Quem somos

Para ser mais exato, o 30º Curso Anual do NPC teve 187 inscritos. Somos de cidades dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Espírito Santo, Paraná, Pará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, Amapá, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Acre. Estamos em diversos movimentos sociais e sindicais, desde sem-terra e sem-teto, professores das redes pública e privada, têxteis, servidores da Justiça do Trabalho e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], trabalhadores de pesquisa e desenvolvimento agropecuário, dos Correios, dos químicos, dos petroleiros, dos bancários, do movimento dos policiais antifascismo, da CUT, da União Movimentos Populares de Saúde.

Somos muitos e podemos falar para milhões. Pautas, lutas, ações e informações não nos faltam para fazer a boa comunicação popular, social e sindical. Bora nos comunicar!