Por Gustavo Barreto, 5 de setembro de 2004
Para convencer seus leitores de que o país, adotando a ortodoxia da economia de mercado, irá alcançar um crescimento sustentável com distribuição de renda, os editores do jornal O Globo não só reproduzem um noticiário amigável ao governo e aos investidores internacionais. A comunicação possui técnicas pouco conhecidas do público, mas fartamente utilizadas pelos profissionais de mídia e muito estudadas no meio acadêmico.
Uma delas, utilizada na capa de 1/9/2004, consiste em começar as linhas da manchete com palavras-chave, fixando-as de forma que, repetidas diariamente, acabem criando um “consenso”, fundamental para convencer o leitor. Na manchete original — “Mercado interno faz o PIB crescer além do esperado” — duas palavras foram destacadas e dizem muito sobre a política econômica adotada pelo governo: “Mercado” e “crescer”. Coincidência ou não, é exatamente esta a lógica do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e sua incessante busca por “estabilidade econômica”.
É só alegria
Para completar, a capa traz três fotos que é só amor. Mais abaixo, Ronaldinho beija sua namorada durante um treino enquanto o jogador de vôlei Giba faz afagos em sua filha recém-nascida. Acima, o clima de festa se completa com um Lula sorridente apertando a mão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que é pura alegria (foto).
De que todos tanto riem?
Provavelmente das notícias que aparecem na própria página: a carga tributária em proporção do PIB passará de 35% para 37% e os bancos, com medo do conservadorismo do Banco Central, já aumentaram os juros ao consumidor. Para completar, o Departamento de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) divulgou na própria quarta (2/9) que, em agosto, a cesta básica ficou mais cara em 15 das 16 capitais pesquisadas. Em outras palavras, menos dinheiro no bolso do brasileiro e mais dinheiro no caixa do sorridente Palocci, que desvia 5% do Tesouro Nacional para pagar em dia credores nacionais e internacionais. E as Organizações Globo, cujo maior cliente do setor publicitário é o próprio governo, não tem mesmo do que reclamar.
“Bom de tato”
Para não deixar dúvidas de que lado está, o diário carioca noticiou no sábado (4/9) um debate entre o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo Rato, e representativos segmentos do movimento social, como o MST. No título da matéria, o jornal estampa: “Executivo bom de tato na resposta a críticas”. Sandra Quitle, da Rede Brasil, disparou: “Os ajustes impostos pelo FMI não somente causam a devastação social, mas solapam as bases do desenvolvimento econômico”.
Os representantes da sociedade civil entregaram uma carta a Rato na qual afirmam que o débito externo brasileiro já foi pago. Eles defenderam uma auditoria na dívida e chamaram o Fundo de “guardião dos credores internacionais”, classificando-o de instituição autoritária. Rato não conseguiu responder de forma convincente as questões, mas O Globo preferiu classificar o executivo como “bom de tato”.
Gustavo Barreto é editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ