(Luiz Maklouf Carvalho)
José Arbex Jr. é jornalista. Tem 46 anos. É também doutor em História Social contemporânea pela USP. Começou sua carreira profissional em 1984 como repórter da área de Política Externa da Folha de S. Paulo.
Foi correspondente da FSP em Nova York e Moscou e da BBC de Londres. Cobriu a Guerra da Nicarágua, a queda da ditadura Duvalier no Haiti, as primeiras manifestações de rua contra o regime de Stroessner no Paraguai, a retirada do Exército Vermelho do Afeganistão, a Primavera de Pequim, a Retirada do Exército vietnamita do Cambodja e a Queda do Muro de Berlim, entre outros fatos.
Entrevistou com exclusividade diversas personalidades do mundo político, intelectual e artista. Citamos alguns nomes: M. Gorbatchov, Iasser Arafat, Daniel Ortega, Lula. Noam Chomski, Peter Gabriel e John Cage. Entre os livros que publicou estão A Segunda Morte de Lênin – O Colapso do Império Vermelho (Folha), Narcotráfico – Um Jogo de Poder nas Américas (Moderna), Revolução em 3 Tempos – URSS, Alemanha, China (Moderna), A Outra América – Apogeu, Crise e Decadência dos EUA (Moderna), Nacionalismo – Desafio à Nova Ordem pós-Socialista (Scipione), O Poder da Televisão (Scipione) e recentemente Showrnalismo e Jornalismo Canalha, ambos pela Editora Casa Amarela.
Em 29 de novembro de 1999, concedeu por e-mail, a entrevista que publicamos a seguir ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho. Apesar de já se passarem quatro anos, continua atual. E mais do que isso, é um exemplo de rebeldia e coragem para todos os que não querem fazer um Jornalismo Canalha. Leia ainda nesta edição trechos de Jornalismo Canalha, o último livro de José Arbex. Prometemos para breve nova entrevista com Arbex, atualizada até 2004.
A ENTREVISTA
Luiz Maklouf Carvalho. Como, por que, quando e onde você escolheu a profissão?
José Arbex. Não posso dar uma resposta exata… Comecei a escrever em jornais políticos (do PT, da CUT e outros), nos anos 70, como parte da luta contra a ditadura. Mas eu fazia Engenharia Química na Escola Politécnica da USP. Fui pra ECA também, em 1978, muito atraído pelas moças e pelo ambiente da escola: a ECA era colorida, bonita, alegre, ao passo que a Poli era cinzenta, chata, fria. Fiquei mais e mais desencantado com a engenharia… Foi assim.
L. Maklouf. Ainda faria a mesma escolha nos dias de hoje? Por que?
Arbex. Sim e não.
Faria, já que o jornalismo propiciou-me a vida que tenho. Não posso me queixar. Como correspondente da “Folha”, cobri os eventos internacionais mais importantes deste final de século (perestroika, queda do Muro de Berlim, Primavera de Pequim, Guerra do Golfo; estive na Nicarágua, no Afeganistão, no Cambodja, no Vietnã, em Medellín etc. etc. Entrevistei Gorbatchov, Arafat e muita gente que fez o século.
Mas não faria, por ser muito estressante. Atualmente, prefiro desafios mais intelectuais e menos adrenalínicos (hum…).
L. Maklouf. Qual foi o primeiro momento em que você “sentiu” que era do ramo?
Arbex. Acho que fui construindo essa percepção, lentamente. Sempre gostei muito de ler, estudar história. E sempre me envolvi com lutas sociais (minha primeira atividade “subversiva”, em São Paulo, foi ter participado do culto ecumênico em homenagem ao Vladimir Herzog, em 1975, quando eu tinha 18 anos. Bom, juntando tudo, acho que o jornalismo foi uma escolha lógica).
L. Maklouf. Como é que começou sua experiência de correspondente no exterior?
Arbex. Começou com um gesto voluntarista de minha parte. Eu achava, em 1986, que as coisas iam ficar muito explosivas na Nicarágua, depois de um relativo período de calmaria. Eu ia ter férias na “Folha”, onde ainda era um mero “foca”. Resultado: propus que eu fosse cobrir a Nicarágua, como enviado especial, durante as minhas férias… A direção da Folha topou, mas com muita relutância. Fui, e meu palpite estava certo! Aconteceu muita coisa, e eu tive sorte. Estava sempre no lugar certo na hora certa.
Daí caiu a ditadura dos Duvalier, no Haiti, bem ao lado da Nicarágua. E aí a “Folha” me enviou ao Haiti. Foi então que tudo realmente aconteceu. Mal cheguei em Porto Príncipe (capital), vi algumas cenas que me sugeriram aquilo que Lênin caracterizava
como “situação pré-revolucionária”: “os de cima já não podem continuar como estão, os de baixo já não suportam mais continuar como estão”. Apostei nisso. Contra tudo o que diziam as agências de notícias e os “especialistas”, afirmei que o Haiti estava à beira da guerra civil. Levei uma bronca da direção da “Folha” por causa disso. Mas acertei. No dia seguinte, havia barricadas pra tudo quanto era lado, o Exército estava atirando nas pessoas, foi o inferno.
E assim eu conquistei um espaço meu dentro do jornal.
L. Maklouf. Que reportagens escolheria como suas melhores dessa trajetória internacional (não vale responder que as melhores serão as próximas)? E as que fez no Brasil?
Arbex. Sorry, honey pie, mas as melhores serão as próximas. Eu tenho que acreditar nisso, porque é o que me anima em meu trabalho.
L. Maklouf. Você fez pelo menos duas entrevistas exclusivas com líderes mundiais – Gorbachov e Yasser Arafat. Conte em detalhes como elas aconteceram e o que achou de cada um.
Arbex. A do Arafat foi assim: uma delegação da Palestina visitou a “Folha”, em 1991, quando eu era editor de Exterior, para reclamar da cobertura “insuficiente”. Eu contra-ataquei: “Eu já lhes pedi várias vezes uma entrevista com Arafat, mas vocês estão me cozinhando em banho maria!”. A provocação deu certo. Eles prometeram que iriam descolar a entrevista. Isso foi na quinta-feira. No sábado, tocou o telefone: o “comandante” estaria me esperando… na Tunísia… segunda-feira!!!! E aí? E o visto de entrada? E as passagens? E os problemas de controle de aeroporto na Europa e na própria Tunísia, já que estávamos em plena Guerra do Golfo?
Não tinha saída: meti as caras, e segunda-feira, não sei bem como, estava na Tunísia. Só que Arafat não estava. Tinha ido se encontrar com o Sadam Hussein, em Bagdá. Novo local foi marcado, dali a uma semana, em Amã, Jordânia. Depois de sucessivos desencontros e muita ansiedade, fiz a entrevista. Começou à 1h da manhã e foi até umas 3h, em um local que não tenho a menor idéia onde fica. Mas foi ótimo. A entrevista com Arafat marcou a inauguração do Caderno Mundo da “Folha” (que, à época, tinha 12 páginas diárias) e o ato ecumênico pela Paz no Golfo, que a “Folha” ajudou a organizar. O Arafat é muito simpático, carismático. Em 1996, ele veio ao Brasil. Solicitei nova entrevista. E não é que ele se lembrava de mim? É extraordinário!!!!! Por causa disso, fui o único a entrevistá-lo, em Brasília.
A coisa com o Gorbatchov foi diferente. Eu já tinha perdido a esperança de conseguir uma entrevista com ele, quando recebi um recado, via secretária eletrônica, de que a Fundação Gorbatchov tinha me escolhido para entrevistar o homem. Achei que era gozação de algum amigo meu, e nem levei em consideração. Mas aí, no dia seguinte (quinta-feira) recebi novo telefonema, dessa vez dizendo que eu tinha que estar em Moscou na segunda-feira (de novo, a síndrome da segunda-feira). Eu já não estava mais na “Folha”, isso foi em 1992 (o que, aos meus olhos, torna essa entrevista ainda mais preciosa, já que ela não foi cedida a algum jornal ou pessoa jurídica, mas a mim, pessoalmente). Ofereci a entrevista para a “Folha” e deu tudo certo.
Gorbatchov é o sujeito mais carismático que conheci. Certa vez, lendo o que um correspondente americano havia escrito sobre Khruschev, não levei a sério. Achei que era mais uma “americanice”: ele dizia que o Nikita atraía as pessoas, como o ímã atrai o ferro. Pois o Gorba é assim.
L. Maklouf. Que aspectos considerou positivos e negativos do relacionamento correspondente/jornal, no dia-a-dia?
Arbex. Nossa, outro livro… Positivo: conhecer o mundo de gentes, lugares, eventos, experiências, culturas, história. Negativo: stress, solidão.
L. Maklouf. Como avalia sua experiência da Folha de S. Paulo?
Arbex. Acho que isso já está meio que respondido.
L. Maklouf. E na revista “Istoé”?
Arbex. Foi um período muito breve. Entrei lá com um projeto próprio, aprovado pelo Domingos Alzugaray, em 1993. Queria mudar a forma de cobrir “comportamento”. No começou, deu tudo certo. Mas em pouco tempo, começaram as discrepâncias. O peso da tradição foi maior. Saí.
L. Maklouf. Por que optou pelo trabalho de free lancer? E como o tem desenvolvido desde que saiu do dia-a-dia das redações?
Arbex. Basicamente, quero ser o dono de meu tempo e de meu espaço. Não é pouca coisa. Eu hoje consigo me dar o luxo da escolha: trabalho na exata medida em que preciso de dinheiro. Mas tenho hábitos austeros, simples: não bebo, não fumo, não
vou a restaurantes caros, não ligo pra roupa chique, qualquer carro serve, desde que funcione. Consumo livros e cd’s, basicamente.
L. Maklouf. Você tem fama de “radical” e de “brigão”. Ela se justifica? Pode contar os, digamos, melhores momentos?
Arbex. Não sou radical nem brigão. Sou só sincero. Que eu me lembre ou saiba, não tenho inimigos, já que resolvo as coisas na hora e em seguida esqueço o assunto. Se alguém guarda alguma mágoa, não deveria, pois eu não faço isso, e se alguém me dissesse que guarda mágoa, eu ficaria muito surpreso. Provavelmente, seria difícil me lembrar do episódio que teria causado a eventual mágoa. Às vezes – cada vez mais raramente – sou movido a “explosões” que são só isso: explosões. E acabou.
L. Maklouf. Como avalia os jornais diários nacionais?
Arbex. Péssimos.
L. Maklouf. E as revistas Veja, Istoé, Época e Carta Capital?
Arbex. As primeiras três são, em geral, muito ruins, mas eu não coloco um sinal de identidade entre elas. E Carta Capital faz um trabalho investigativo e de conteúdo crítico que não tem nada a ver com aquilo que fazem as outras três.
Veja se assemelha, cada vez mais, a um pasquim da imprensa marrom, é hoje uma revista de quinta categoria. É a “Caras” que se pretende intelectualizada. É ridícula. Por exemplo, a capa com o Stédile retratado como belzebu é tão lamentável quanto a campanha para eleger Ciro Gomes. Não dá mais pra ler. Época e Istoé são, no máximo, “mornas”, e isso se as olharmos com muita bondade. Em geral, falta ousadia, crítica, percepção sofisticada dos fatos da cultura. Falta uma perspectiva brasileira, a coragem de dizer claramente aquilo que tem que ser dito. Falta vontade política de inovar, de interferir socialmente nos acontecimentos do país. E falta uma visão ao mesmo tempo ampla e profunda do lugar do Brasil no mundo. Lançar uma perspectiva brasileira sobre o mundo. Esclareço que eu nem estou falando, aqui, de uma perspectiva “socialista”, mas sim de uma perspectiva qualquer, mesmo “burguesa”. Não há. Só há um blá-blá-blá insuportável que reproduz uma visão de mundo colonizada. Todos esses problemas são decorrência de uma opção editoral que, por sua vez, reflete a tradicional covardia das elites brasileiras.
L. Maklouf. O que vai mal na grande mídia brasileira? E o que vai bem?
Arbex. Vai mal a falta de cultura geral dos jornalistas e dos donos do jornal; a falta de ousadia empresarial; a falta de uma visão brasileira e a falta de coragem para apostar numa visão brasileira; a apologia ridícula do “discurso para o mercado”, que não é nem livre nem neoliberal coisa nenhuma. Etc etc.
L. Maklouf. Como vê o tratamento da mídia como um todo ao governo FHC?
Arbex. Risível. O governo FHC é uma ditadura. Não há outro nome para um presidente que governa com base em medidas provisórias, que ignora solenemente a nação e que é um serviçal do FMI.
L. Maklouf. Quem fez ou faz a sua cabeça no melhor sentido da expressão? E por que?
Arbex. Meu pai – José Arbex -, William Shakespeare,Karl Marx, Walter Benjamin, Leon Trotsky, Noam Chomsky, Hannah Arendt, Sigmund Freud, Jacques Lacan, Franz Kafka, James Joyce,Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa, Clarice Lispector. É tanta gente… Ainda bem!
L. Maklouf. Você escreve livros para-didáticos e edita o boletim Mundo, na Internet. Fale um pouco dessas duas experiências?
Arbex. São formas agradáveis, importantes para mim de garantir a minha sobrevivência e de me colocar em contato permanente com o público jovem.
L. Maklouf. Você e o jornalista Cláudio Julio Tognolli ganharam o Prêmio Jabuti com o livro “O século do crime”. Como foi esse trabalho a quatro mãos?
Arbex. Foi interessante. Somamos experiências, tanto no sentido da prática jornalística quando no ato de planejar o próprio livro como uma experiência significativa para ambos.
L. Maklouf. Você ganhou o Herzog 99 com a reportagem “Terror no Pa
raná”, na revista Caros Amigos – sobre a violência do governo Lerner contra o Movimento dos Sem Terra. Como nasceu e como foi feita a reportagem – da apuração ao texto e à edição?
Arbex. Nasceu de uma conversa com o João Pedro Stédile. Ele me contou o que estava acontecendo. Em princípio, achei meio estranho, já que nada daquilo saía na imprensa. Fui conferir e deu no que deu.
L. Maklouf. Jornalista deve receber jabá – qualquer que seja ele?
Arbex. Não. Nunca. Em hipótese alguma. Mas isso é uma convicção minha, muito pessoal. Não acho que aceitar jabá seja sinônimo de corrupção. Eu prefiro não aceitar, mas não condeno quem aceite, desde que isso não implique uma “troca de favores”.
L. Maklouf. Repórter pode esconder a identidade para obter informações?
Arbex. De preferência, não. Eu nunca fiz isso. Mas se tivesse que fazer, talvez eu o fizesse – certamente, não pela glória maior do jornalismo, mas porque atualmente eu só me disponho a fazer alguma reportagem se ela acreditar que ela tem algum conteúdo social importante: em nome desse conteúdo, é possível que, em algumas circunstâncias, eu escondesse minha identidade. Talvez.
L. Maklouf. Como você administra a informação “off the record”?
Arbex. Respeito completamente o acordo feito.
L. Maklouf. Que livros considera obrigatórios para a formação específica de um jornalista?
Arbex. Vixi maria mãe de Deus!!!! Qualquer um dos autores que citei logo acima (questão 18)e mais um montão enorme, imenso: desde Balzac – o grande cronista do século XIX, graças a quem sabemos muito do que sabemos sobre a formação do Estado nação europeu – aos livros-reportagem que viraram moda (sem nenhuma conotação negativa)nos últimos anos, no Brasil, passando por Umberto Eco, Heidegger, Milton Santos. Digo isso porque, para mim, jornalista tem que ter muita cultura. Muita cultura. É a única forma de não ser engolido pelo Everest de informações vomitadas diariamente pela Internet, televisão a cabo etc etc. Como desbravar a selva de informações e chegar naquilo que vale a pena???? Como identificar o fato jornalístico hoje em dia???? Só tendo muita cultura.
L. Maklouf. Como vê o renascimento de veículos alternativos como “Caros Amigos”, “Correio da Cidadania” e “Oficina da Informação”?
Arbex. Sintoma excelente do cansaço da mediocridade que impera na grande mídia.
L. Maklouf. Como vê os veículos de crítica da mídia – entre eles o Observatório da Imprensa?
Arbex. Insuficientes.
L. Maklouf. Qual é a sua avaliação do comportamento ético da mídia?
Arbex. Lamentável.