Por Jose Saramago, no livro Terra, no Boletim NPC nº 40

No dia 17 de abril de 1996, no estado do Pará, perto de uma povoação chamada Eldorado dos Carajás (Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas palavras…), 155 soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em ação de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de terras, como parte do esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na qual, entre avanços mínimos e dramáticos recuos, se gastaram já cinquenta anos, sem que alguma vez tivesse sido dada suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer sobrevivência) dos trabalhadores do campo. Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás ficaram 19 mortos, além de umas quantas dezenas de pessoas feridas… 

… A superfície do Brasil, incluindo lagos, rios e montanhas, é de 850 milhões de hectares. Mais ou menos metade desta superfície, uns 400 milhões de hectares é geralmente considerada apropriada ao uso e ao desenvolvimento agrícolas. Ora, atualmente, apenas 60 milhões desses hectares estão a ser utilizados na cultura regular de grãos. O restante encontra-se em estado de improdutividade, de abandono, sem fruto. 

Vagando entre o sonho e o desespero, existem 4.800.000 famílias de rurais sem terras. A terra está ali, diante dos olhos e dos braços, uma imensa metade de um país imenso, mas aquela gente (quantas pessoas ao todo? 15 milhões? mais ainda?) não pode lá entrar para trabalhar, para viver com dignidade simples que só o trabalho pode conferir. 

… As 18 maiores propriedades do Brasil somam 18 milhões de hectares e tem um território equivalente a Portugal, Suíça e Holanda juntos. 18 senhores cercaram para si o espaço equivalente a 3 países europeus! Uma única empresa da Amazônia (Manaza S.A.) detem a propriedade de 5,1 milhões de hectares de terra, o tamanho da Dinamarca…