Por Luiz Antonio Magalhães
O anúncio, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do aumento do salário mínimo para 380 reais mereceu um editorial duro da Folha de S. Paulo (22/12), intitulado “Mínimo irracional”, no qual o jornal condenava com veemência o reajuste. No mesmo dia foi publicado, no caderno “Dinheiro”, um artigo do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso, também condenando o novo valor do mínimo.
Juntos, os dois textos ajudam a entender a cabeça da elite que não governa mais o país: para a Folha e para Mendonça de Barros, os 30 reais a mais na conta dos pobres representam um verdadeiro acinte. A chave para entender a argumentação do jornal e dos tucanos está no trecho a seguir, pinçado do editorial:
“Em outras cifras, trata-se de comprometer antecipadamente, com gastos estéreis, 12% das escassas verbas que deveriam estimular a economia com obras de infra-estrutura, recuperação da capacidade gerencial do Estado e fomento à geração de tecnologia”.
Assim, não importa que o governo vá procurar cortar em outras áreas para buscar a devida compensação para o aumento e nem importa que o acordo com as centrais sindicais tenha a inédita vigência de quatro anos, pondo racionalidade e previsibilidade no debate da recuperação do poder real do salário mínimo: para a Folha e para os tucanos, o aumento do mínimo não passa de “gasto estéril”, sem que este conceito seja ao menos explicado ao distinto público.
Percepção do leitor
Cinco dias depois da publicação do editorial, eis que o “Painel do Leitor” da Folha deixou escapar um protesto de leitor contra a posição do jornal. O texto fala por si e está reproduzido abaixo.
“A inflexão à direita da Folha tem sido amplamente notada e comentada nos últimos tempos. Mas o editorial da última sexta-feira, dia 22/12 (Mínimo irracional)
De fato, o leitor está coberto de razão – o aumento de 30 reais põe no bolso do trabalhador, em um ano inteiro, quantia menor do que o diretor de Redação da Folha e o economista Mendonça devem gastar em um bom jantar a dois -, mas este não é o ponto relevante para a discussão neste Observatório. O que de fato importa aqui é a percepção dos leitores da mudança editorial do jornal da Barão de Limeira. A cada dia que passa fica mais nítida a guinda da Folha à direita. Um editorial como o “Mínimo irracional” seria impensável anos atrás e talvez conseguisse chocar até mesmo os leitores do Estadão, historicamente mais conservador, mas portador de uma certa consciência crítica dos limites do liberalismo em um país como o Brasil, em que as gritantes desigualdades saltam aos olhos.
Ainda é cedo para analisar as motivações da Folha para este movimento à direita. No passado, o jornal conseguiu cavar o seu espaço no mercado com um posicionamento bem à esquerda, digamos assim, do rival em São Paulo, especialmente durante a campanha das Diretas Já, na qual a Folha se engajou, e no governo Collor, contra o qual se posicionou abertamente. Talvez o jornal tenha feito alguma pesquisa e percebido que a postura anti-Lula agrada o seu leitorado. O dado concreto, como diria o presidente, é que a Folha encerra o ano de 2006 muito à direita do que estava há bem pouco tempo. Os seus leitores já estão percebendo. E começam a reclamar.