Sou estudante de jornalismo e serviço social e moradora da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Gostaria, em primeiro lugar, de parabenizar a equipe da emissora por tentar mostrar na televisão, e em horário nobre, a realidade de parte da população pobre do Brasil, assim como as gritantes diferenças existentes entre pobres e ricos do país.
Confesso que fiquei surpresa quando fiquei sabendo que uma emissora estava disposta a mostrar, em formato de telenovela, as diferenças sociais, econômicas e culturais brasileiras. Foi o interesse por essas contradições e o desejo de mudança que me fez começar a assistir a novela.
Acredito que a equipe de produção tenha feito uma pesquisa significativa para conseguir expor o dia a dia de uma favela. Mas devo admitir que o motivo que me fez escrever não foi apenas este. Muito pelo contrário.
Como moradora de uma das maiores favelas do Brasil, senti a obrigação de demonstrar a minha decepção com a novela e a expectativa frustrada por não estar vendo as verdadeiras causas dos maiores problemas sociais relatados na televisão de forma real.
Acompanho a novela desde o início, e percebi a preocupação da equipe em abordar temas como segurança pública e corrupção. Parabenizo-os por isso. Mas devo dizer que a nossa realidade não é apenas essa. O que me incomoda é ver que, na verdade, a Vidas Opostas citada no título se dedica prioritariamente em mostrar um casal apaixonado, separados pela barreira econômica.
Não estou dizendo que isso seja mentira, mas o que o título sugeriu foi a possibilidade de mostrar as verdadeiras causas dos problemas sociais em rede nacional, por um veículo de comunicação tão poderoso como a televisão. Esses problemas não são causados por casais apaixonados que desejam viver um conto de fadas e no final serem felizes para sempre.
Meu maior objetivo, foi talvez despertar a atenção dos senhores para o desejo de as pessoas oriundas das classes populares em se ver na televisão como elas são verdadeiramente. Para isso deveriam ser explorados fatos como as dificuldades de acesso aos direitos sociais garantidos pela constituição e negados a população como: saúde, educação, habitação, alimentação, entre outros. A novela seria mais útil e cumpriria seu papel social se explorasse mais as diferenças sociais e econômicas entre pobres e ricos do país. Dessa forma a verdadeira Vidas Opostas estaria sendo mostrada.
Gostaria de lembrar aos senhores que nas favelas, subúrbios e periferias não moram somente bandidos e mocinhas apaixonadas. Moram também pessoas que estudam, trabalham e que continuam exercendo suas funções mesmo quando têm um amigo morto por bala perdida, não conseguem ser atendidas nos postos de saúde, as escolas públicas estão em greve ou estão encantadas por meninos bonzinhos e ricos (bem diferente da personagem Joana, que a vários capítulos não escala uma montanha da cidade maravilhosa).
Quero acrescentar que tal crítica não é minha somente, mas de dezenas de pessoas que, assim como eu, criaram expectativa com relação à novela e estão sendo decepcionadas mais uma vez. Essas pessoas correm o risco de ser tentadas a voltar suas atenções para a “grande emissora” que estão que estão habituados a assistir. Emissora essa que estreou uma minissérie onde se propõe a expor parte da história do Brasil e brevemente iniciará mais um reality show.
Espero que a partir deste momento os senhores entendam que a população pobre do Brasil deseja sim aparecer em horário nobre na televisão brasileira. Mas o que desejamos é ver a nossa verdadeira cara, as nossas dificuldades e as causas dessas dificuldades. E que apesar de todos os problemas continuamos nos apaixonando, trabalhando, estudando e evoluindo nossa capacidade de criticar as formas romanceadas, racistas e preconceituosas com que a elite brasileira faz questão de continuar nos vendo.
[Por Marcela Figueiredo, em 03.01.2007]