“Essa luta contra a globalização, contra o neoliberalismo, só é possível com a Internet”
Joaquim Palhares é formado em direito, apesar de ter estudado economia e história. Já advogado, tornou-se um dos re-fundadores da Teoria do Direito Alternativo, no Rio Grande do Sul, e criou o boletim impresso Carta Maior para difundir suas idéias. Com isso, ganhou da revista Veja, certa vez, o título de “inimigo público número um do sistema financeiro”.
Por ocasião do primeiro Fórum Social Mundial, pressentindo que a mídia comercial não cobriria o evento, transformou o boletim em uma agência de notícias na Internet, a Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br). Nessa entrevista, concedida após palestra ministrada no 11º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), ele fala sobre o surgimento da Carta Maior e o governo Lula. A Bruno Zornitta e Renata Souza, Rede Nacional de Jornalistas Populares — Renajorp, dezembro de 2005
Bruno. Você é idealizador da Carta Maior. Conte para nós como surgiu essa agência.
Joaquim Palhares. A Carta Maior, na verdade, era um boletim jurídico, onde eu fazia o enfrentamento com o sistema financeiro. Acabei me transformando em um autor de teses jurídicas contra o sistema financeiro. E a revista Veja, numa ocasião, publicou uma matéria me chamando de inimigo público número um do sistema financeiro.
Bruno. Quanta honra, não?
Joaquim Palhares. É, como se aquilo pudesse me causar alguma…pelo contrário, né? Passei a usar aquilo como bandeira. Aí eu achei que aquilo estava esgotado, o PT começou a dar mostras de que poderia ser…que pudesse influenciar na vida brasileira, e eu ingressei no partido em 86. Passei a ajudar. Nunca tive nenhum cargo no partido. E aí, em 94, crio o boletim jurídico, que durou até 2000.
Bruno. Circulava pela Internet?
Joaquim Palhares. Não, era uma publicação como um pequeno jornal. Começou com quatro página e daqui a pouco já estava com oito páginas. E começou mensal e virou quinzenal. Durou sete anos. Foi uma coisa importante, mexeu com as estruturas jurídicas do país. Porque eu sou um dos re-fundadores da teoria do Direito Alternativo, que foi re-fundado lá no Rio Grande do Sul. E foi a Carta Maior, no papel, que espalhou pelo Brasil essa teoria, do Direito Alternativo.
Bruno. E o que é o Direito Alternativo?
Joaquim Palhares. É o uso alternativo do Direito. A norma penal, para que tenha possibilidade de atingir alguém, não tem que ser analisada enquanto lei. Tem que ser analisada enquanto fato social. A pessoa que deve pra alguém, pra uma instituição bancária, primeiro têm que ser analisados os aspectos sociais que levaram ela a dever. Ela perdeu o emprego? Ela perdeu renda? Ela teve alguma doença? Quer dizer, em que medida o Estado tem responsabilidade por isso? Essa é uma tese até hoje utilizada nos países nórdicos, que têm um alto desenvolvimento social. O maior IDH está lá. E lá eles têm esse tipo de norma. Alto desenvolvimento social, alta renda, qualidade de vida fantástica e tem um troço desses.
Bruno. Mas como é que o boletim virou a Agência Carta Maior?
Joaquim Palhares. Por causa do Fórum Social Mundial. Eu identifiquei que a imprensa não ia dar repercussão ao Fórum. Ia ser contra, criar um monte de dificuldades. Então eu vi que ia precisar de alguma coisa. E também, o partido estava maduro, pronto pra fazer uma disputa concreta pelo poder. E não tinham veículo alternativos. Os que têm hoje não existiam. Então eu achei que isso ajudaria a disputa. Abandonei a idéia do boletim e a Internet se apresentou como um instrumento importante. Hoje não existe nenhum jornal do mundo que não tenha um site. Todos têm um poderoso site. Eu participei, em Washington, uns 30 dias atrás, de um debate sobre mídia e Internet. Eu vim de lá estupefato. A mídia de Internet, nos EUA, já fatura mais do que a mídia televisão. É um negócio estonteante. E nós aqui não damos o devido valor a isso. Por exemplo, Seatle só foi possível graças à Internet. Gênova também. Assim como o FSM. Essa luta contra a globalização, contra o neoliberalismo só é possível tendo em vista a Internet.
Renata. Qual a importância da Carta Maior pra comunicação de esquerda no Brasil?
Joaquim Palhares. Eu sou suspeito pra falar, mas o que eu tenho ouvido de alguns intelectuais e as cartas que a gente recebe dizem que só foi possível entender a crise tendo em vista a Carta Maior.
Renata. Vocês estão disputando uma concessão de TV digital, né? Como está essa história?
Joaquim Palhares. Vai depender do governo Lula. Ou ele quer ter uma política de inclusão ou ele vai fazer a política de exclusão. Ou ele vai
pro lado da Globo ou ele
vai pro lado do povo. Então ele tem que aplicar no Brasil um modelo de TV digital europeu, não o norte-americano. Com o norte-americano, vai prevalecer a Globo, ela vai ser dona de tudo. Com o europeu, num fio, vamos chamar assim, vai caber uma infinidade de canais. Se prevalecer a política do Palocci, nós estamos encrencados.
Bruno. Por falar em governo, você criticou em sua palestra o fato de o governo Lula ter transformado a comunicação em marketing político. Como deveria ser o projeto de comunicação do governo?
Joaquim Palhares. A comunicação em um governo popular teria que ser, antes de mais nada, democrática, plural e ter verbas públicas pra que possa se desenvolver. Senão nós temos o seguinte quadro: eu não tenho verbas pra produzir. Se eu não consigo produzir, não tenho anúncio. Se eu não tenho anúncio, não terei dinheiro. Aí fica nesse ciclo vicioso. A gente tem que entender que a informação popular e democrática não é uma mercadoria, ela é um bem social. Se ela é um bem social, cabe ao Estado provê-la, tal como a educação, a saúde a segurança e assim por diante. O direito à comunicação está garantido na Constituição, só que eles não respeitam! Eles se preocuparam em salvar a Globo. O Palocci criou a comunicação dele e o governo não. Quem tem comunicação é o Palocci, que é feita pela Globo.
Bruno. Outra crítica que você fez em sua palestra foi sobre a mercantilização da notícia. Quais tem sido as conseqüências desse processo?
Joaquim Palhares. A distorção, a manipulação, as mentiras, a utilização de fontes anônimas. Como é que você vai fazer um jornalismo sem fontes? Então eles abrem aspas e deitam e rolam. E a fonte? Como é que faz?