Por Leonardo da Rocha Botega

Desde os anos 1970, o campo da história política tem dialogado com um  conjunto de novas temáticas, num processo desenvolvido a partir de uma  perspectiva de renovação teórico-metodológica deste campo historiográfico. Entre estas novas temáticas vêm ganhando destaque as  análises do papel que a imprensa escrita tem tido ao longo da história, trazendo a tona uma noção mais ampla das formas de difusão  da ideologia dominante em nossa sociedade.   Conforme Falcon, a história política nasceu juntamente com a concepção  de história criada pelos gregos. Porém, é posteriormente que acaba  "identificada como um tipo de história: a história política tradicional" (FALCON, 1997:62). Esta identificação é iniciada no  processo da Revolução Francesa quando os historiadores pretendiam ir contra uma história dos reis e da nobreza, construindo uma história  verdadeiramente nacional destinada a formar patriotas (FONTANA, 1998).   No século XIX, com a definição da ciência histórica, é que teremos o auge da história política tradicional. É no contexto de afirmação da  nova ordem burguesa que surgiram as correntes historiográficas definidoras da história política tradicional, sobretudo, o positivismo  de Auguste Comte, na França, e o historicismo de Leopold von Ranke, na Alemanha. Para estes, a história seria um meio eficaz "para  assegurar-se a difusão dos valores e idéias da nova sociedade" 
(FONTANA, 1998: 118).   Assim,  "Prisioneira da visão centralizadora e institucionalizada do poder, a história política tradicional foi definindo progressivamente temas,  objetos, princípios e métodos. Ligada intimamente ao poder essa história pretendeu ser também memória. Coube-lhe então, durante  séculos, lembrar e ensinar pelos exemplos reais e ilustres de que era a única depositária. Esta história magistra vitae pôde então servir  com equanimidade aos políticos, filósofos, juristas e pedagogos".(FALCON, 1997: 62).   Esta função foi ainda mais acentuada a partir da ascensão do nacionalismo, quando a rivalidade entre as potências passava também  pela competição no plano da organização de arquivos, fazendo com que a consolidação da história como disciplina fosse associada ao  nacionalismo nas suas mais variadas manifestações. Na Alemanha este processo demonstrou-se conjuntamente à Unificação:  
"Ao movimento político militar que culminou com a unificação alemã (1871) corresponde, com anterioridade, um movimento intelectual  intensificado sobretudo após as guerras napoleônicas que, de certa forma, procurava justificação histórica para amparar as pretensões  políticas daqueles que aspiravam a unificação alemã sob hegemonia prussiana. Da mesma forma que o movimento romântico incentivava o  interesse pelo folclore e literatura alemã, passou a existir uma preocupação deliberada de buscar e explicitar as raízes da nação  alemã na história medieval" (R.F. SILVA, 2001: 55).   Esta unidade entre a história política tradicional e o nacionalismo  entra em crise no período posterior a Primeira Guerra Mundial onde "a  vontade deliberadamente pacifista" incitou "à superação do relato da  história puramente nacionalista, chauvinista" (DOSSE, 1992: 23). Nesse  contexto é que surge a Escola dos Annales, de Marc Bloch e Lucien  Febvre, que na busca de uma abordagem nova e interdisciplinar da  história condenava a história política tradicional caracterizando-a  como elitista, biográfica, idealista e parcial (BURKE, 1997). A partir  desta sentença, "o jogo político, a vida parlamentar, os postos  políticos são postos de lado" e, abandonado completamente, o campo  político "se torna supérfluo, anexo, ponto morto no horizonte" (DOSSE,  1992: 25). Nesse sentido é que podemos falar que a partir dos anos  1929/30 a história política tradicional inicia o seu declínio que  culminará no período de 1945 à 1968/70 com a sua "crise final".   Porém, no período seguinte a "crise final da história política  tradicional" iniciou-se a progressiva constituição da "nova história  política". Este fenômeno está ligado a dois fatores. Primeiramente, o  fato de a quarta geração dos Annales ter ido "buscar fora da  historiografia os modelos e a sustentação teórica para repensar as  relações Estado-sociedade imposto pelo seu interesse em renovar o  estudo político" (FALCON, 1997:75). Isso os levou ao encontro com o  weberianismo, com o estruturalismo e a descoberta de Foucault,  permitindo a abertura para novas e variadas concepções a respeito de  temas pouco freqüentados pela historiografia: os poderes, os saberes  enquanto poderes, as instituições supostamente não políticas e as  práticas discursivas.   Um segundo fator que veio em auxílio dessa renovação da história  política diz respeito à difusão de novas correntes marxistas. Estas,  em graus e segundo visões diferentes, travaram discussões que  "lançaram luzes novas sobre o político, o Estado, suas relações com a  sociedade civil" e abriram a "investigação histórica à questão muito  mais ampla do poder, e daí à das suas formas de dominação" (FALCON,  1997:76). Nesse caso foram de fundamental importância alguns conceitos  althusserianos – autonomia relativa, sobredeterminação, determinação  em última instância, aparelhos ideológicos do Estado – e gramscianos –  hegemonia, bloco histórico, dominação versus direção, intelectuais  tradicionais e orgânicos – para as novas abordagens e perspectivas da  história política.   Nesse sentido a partir desta renovação:   "(...) A história política deixou de ser simplesmente factual,  escolhendo temas a serem analisados na longa duração e trabalhando a  questão fundamental do poder em suas múltiplas dimensões. Estabeleceu,  ainda, pontes com outras disciplinas, ampliando objetos de estudo,  encontrando novos conceitos (cultura, política, representação,  imaginário)".(MISKULIN, 2003:16).   Nesta tendência de novas abordagens e perspectivas da história  política é que podemos situar as análises da imprensa a partir dos  conceitos oriundos da perspectiva gramsciana de abordagem dos  fenômenos políticos[1].   Para Fontana,   "Uma das contribuições mais interessantes de Gramsci é a sua reflexão  sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a dominação  sobre as outras, estabelecendo a sua hegemonia não somente pela  coerção, como também mediante o consenso, transformando a sua  ideologia de grupo num conjunto de verdades que se supõem válidas para  todos e que as classes subalternas aceitaram".(FONTANA, 1998:238).   Entre estes "mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a  dominação sobre as outras", encontram-se aqueles que Gramsci denominou  de aparelhos privados de hegemonia, escolas, partidos, sindicatos,  imprensa, entre outros organismos coletivos que elaboram e reproduzem  as ideologias formando a consciência social (GRAMSCI, 1987). É o  conjunto dos aparelhos privados de hegemonia que constituem a  sociedade civil, um outro conceito chave para a teoria gramsciana.   Diferentemente de Marx, para quem a sociedade civil é a base  econômica, a infra-estrutura de uma sociedade. Para Gramsci, a  Sociedade Civil corresponde a um espaço de mediação entre a  infra-estrutura econômica de uma sociedade e o aparelho burocrático do  Estado, o Estado propriamente dito. Sendo, portanto, parte da  superestrutura que juntamente com a infra-estrutura econômica compõem  o Bloco Histórico (PORTELLI, 1

984).   Conforme a teoria gramsciana, há dois níveis superestruturais que se  compõem nas sociedades ocidentais[2] o Estado Ampliado: a Sociedade  Civil, que reúne o conjunto dos aparelhos privados de hegemonia, e a  Sociedade Política, ou o Estado no sentido restrito do termo, ou seja,  os organismos coercitivos do aparelho burocrático-militar de dominação  política. Nesse sentido é que podemos afirmar o espaço da sociedade  civil como o espaço do domínio da ideologia, em outras palavras,  portador material da hegemonia, pois, é aonde se encontra a  possibilidade de legitimidade, consenso, através dos aparelhos  privados de hegemonia que se formam e divulgam valores e princípios  ideológicos.   A partir da análise dos aparelhos privados de hegemonia, Gramsci chega  à concepção da imprensa como agente partidário,[3] "sujeito político  construtor de consenso e de hegemonia: formulador, organizador e  fiscalizador de programas e projetos dos quais as próprias empresas  jornalísticas fazem parte" (C.SILVA, 2005:26). Nesse sentido é que os  jornais cumprem a sua função como "meio para organizar e difundir  determinados tipos de cultura", articulados de forma orgânica com um  determinado agrupamento social "mais ou menos homogêneo, de um certo  tipo e, particularmente, com uma certa orientação geral" (GRAMSCI,  2004:32). Desta forma, temos definida a ação partidária dos jornais.   Gramsci exemplifica esta tarefa ao analisar os jornais italianos do  início do século XX:   "Jornais italianos muito mais bem-feitos do que os franceses: eles  cumprem duas funções – a de informação e de direção política geral, e  a função de cultura política, literária, artística, científica, que  não tem um seu órgão próprio difundido (a pequena revista para a média  cultura). Na França, aliás, mesmo a função distinguiu-se em duas  séries de cotidianos: os de informação e os de opinião, os quais, por  sua vez, ou dependem diretamente de partidos, ou têm uma aparência de  imparcialidade (Action Française – Temps – Débats). Na Itália, pela  falta de partidos organizados e centralizados, não se pode prescindir  dos jornais: sãos os jornais, agrupados em série, que constituem os  verdadeiros partidos" (GRAMSCI, 2004:218).   Assim, podemos verificar que ao definir as impressas jornalísticas  como agentes partidários, Gramsci rompe com as concepções liberais que  entendem a imprensa como um quarto poder, cuja natureza própria é a  responsabilidade social de vigiar o poder, aferindo a "opinião  pública", garantindo desta forma a liberdade de opinião.   Neste sentido, é que a perspectiva gramsciana ao propor um conjunto de  conceitos e categorias que compõe uma interpretação crítica do papel  desenvolvido pela imprensa nos processos históricos, rompe com a visão  tradicional da história política abrindo novas possibilidades para os  estudos da História Política.   __________   [1] Entre as análises feitas a partir desta perspectiva podemos  destacar: SILVA, Carla Luciana Souza da. Veja: o indispensável partido  neoliberal (1989 a 2002). Tese (Doutorado em História). Niterói:  Universidade Federal Fluminense, 2005. SILVA, Carla Luciana Souza da.  Imprensa como partido: uma leitura marxista de Gramsci a partir de  VEJA. In. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina-PR:  julho de 2005. SILVEIRA, Caren Santos da. Aspectos da organicidade  entre as formas discursivas de oposição veiculadas na revista Veja nos  anos 1980. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: PUC-RS,  2003.    [2] Aqui, Gramsci, diferencia as sociedades ocidentais e as sociedades  orientais conforme a organização de suas estruturas de Estado.  Enquanto no Ocidente ocorre uma estrutura de Estado ampliado, no  Oriente há uma estrutura de Estado restrito que tem por base a  manutenção e a reprodução da dominação a partir tão somente do poder  coercitivo. Cabe ressaltar também que a divisão entre Ocidente é  Oriente em Gramsci não é uma divisão geográfica, mas sim, conceitos  históricos de conteúdo sócio-econômico que representam o tipo de  sociedade e o papel desempenhado pela Sociedade Civil e pela Sociedade  Política na organização e reprodução das estruturas sociais.    [3] Esta visão já pode ser encontrada de uma forma ainda não elaborada  no texto onde Karl Marx analisou a imprensa inglesa, mostrando as  diferenciações entre a imprensa ligada ao Partido Tory e a imprensa  ligada ao Partido Whig. Ver: MARX, Karl. A opinião dos jornais e a  opinião do povo (1861). In. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre, LP&M,  2006.   http://www.espacoacademico.com.br

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