Por Silvana Sá
No último dia 19 de julho, um grande debate envolvendo representantes dos movimentos sociais, marcou o lançamento do novo site da Agência de Notícias das Favelas (ANF). Trata-se de um projeto que visa reunir informações vindas das diversas comunidades carentes existentes não apenas no Rio de Janeiro, como em toda a América Latina. Idealizador e à frente dos trabalhos o jornalista e ativista social André Fernandes. Entre os anos de 1993 e 2003 ele morou nas favelas do Borel, Santa Marta, Acari e Vigário Geral, onde ocorreu a chacina em que 23 pessoas morreram em 1993.
André Fernandes abriu a cerimônia, convidando para participar da mesa Maurício Campos, da Frente de Luta Popular, Caio Ferraz, sociólogo e fundador da Casa da Paz de Vigário Geral, Eliane Martins, diretora da ANF, Juliana Rezende, jornalista e Nilza Gomes, moradora da favela do Jacarezinho. Estavam presentes também representantes de diversos movimentos, como Ocupação Zumbi dos Palmares, Movimento Direito pra Quem?, Campanha Contra o Caveirão, Frente de Luta Popular, e moradores de Vigário Geral, Rocinha, Jacaré, Maré, entre outras.
Campos alertou para a condição de exilado de Caio Ferraz, que estava a 12 anos afastado do Brasil por ter sofrido ameaças. “Isso nos faz perceber que no Brasil ainda há um regime ditatorial”, disse. Ele aproveitou o para alfinetar a esquerda: “Quando falamos em resistência, normalmente estamos falando de esquerda. No entanto, uma grande ala da esquerda opta por abrir mão da luta. Por isso vivemos essa situação na política atual do país. Se a gente continuar fechando os olhos, vamos atestar nossa incapacidade de lutar por um país mais justo”, disparou.
Foi levantada e repudiada durante o debate a situação de João Tancredo, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, exonerado do cargo pelo presidente da instituição, Wadih Damous, que alegou que Tancredo estava tomando decisões por conta própria. Ele foi exonerado no mesmo dia em que apresentou, ao Ministério Público, denúncia de que a polícia cometeu 13 execuções no Complexo do Alemão, em 24 de junho, quando morreram 19 pessoas. Maurício Campos disse que João Tancredo foi morador de Vigário Geral e esta atitude da OAB configura um Estado no qual o pobre, o morador de favela, não possui direito algum.
Esta afirmação pode ser facilmente evidenciada. Em 14 anos, desde a criação da Casa da Paz, após a chacina de Vigário Geral, a comunidade não recebeu nenhum tipo de investimento dos diversos governantes que passaram pelo poder na cidade. “São 14 anos sem escola Municipal, ou Estadual, sem posto de saúde, sem um investimento em transporte. Só tivemos perdas durante todo esse tempo e a degradação do que já existia”, disse um professor da rede municipal de ensino, que estava presente no lançamento do site.
“Megaoperação” do Alemão foi inspirada na Colômbia e no Haiti
Segundo Maurício Campos, 40% dos moradores das favelas colombianas foram executados em ações realizadas pela polícia local. “Ações que serviram de inspiração para o governador Sérgio Cabral agir daquela forma no Alemão. O poder público coopera para a execução em massa”, afirmou. Foi lembrado, também, que em Medelín (Colômbia), uma operação policial foi responsável pela morte de mais de 20 pessoas. “Algo muito parecido com a ‘megaoperação’ do Alemão, em 27 de junho”, alertou.
Ele continuou a fala, trazendo dados sobre execuções sumárias, que aconteceram entre os anos de 2000 a 2003. “Em três anos a população masculina da Colômbia, na faixa de 18 a 20 anos, foi reduzida em 40%”, disse. Já André Fernandes lembrou que comunidades haitianas estão relatando a violação de seus direitos pelas tropas de ocupação da ONU. “A ONU está fazendo lá o que a polícia está fazendo no Alemão. O mais terrível disso tudo é ter o Viva Rio apoiando essas operações lá no Haiti, enquanto aqui no Brasil diz que repudia tais coisas”, acusou.
Neuza Gomes, moradora do Jacarezinho, informou que cerca de cinco pessoas são exterminadas por dia na comunidade. “Estão fazendo lá uma política de extermínio. Terminando o que foi começado há séculos atrás, o extermínio dos pobres. A Rede de Combate à Violência hoje é o instrumento que a comunidade tem para denunciar abusos”, disse.
A mídia e a revolução
“A Agência de Notícias é uma iniciativa de luta de resistência. Porque a luta passa, também, pela imprensa. É importante que o trabalho seja visto, porque se não, não iremos a lugar algum”, disse a jornalista Juliana Rezende, completando: “Este é um trabalho independente, que deverá ter o mote de mostrar a favela como ela é, com suas histórias contadas por quem vive lá dentro”.
Maurício Campos acusou a grande imprensa de formar uma espécie de complô com o capital e com o governo, para mascarar a realidade. “No Alemão policiais saquearam as casas, mas os jornalistas que testemunharam não puderam publicar em seus veículos. E isso foi sintomático à medida que o Pan se aproximava”, afirmou.
André Fernandes encerrou o encontro frisando o papel de disputa hegemônica da Agência. “A ANF é uma construção coletiva. É uma iniciativa de se fazer uma mídia contra-hegemônica. Serão os depoimentos de quem está nas comunidades que irão compor o site. Não estamos simplesmente querendo mostrar o que existe dentro da favela. Estamos querendo articular a favela ao mundo”.
Quem quiser conferir o novo site da Agência de Notícias das Favelas deve acessar o site www.anf.org.br.