A nova configuração política e econômica contemporânea aprofunda essas marcas na periferia do mundo: a conflitividade social aumentou, agora despolitizada, criando territórios varejistas de barbárie. Os descartáveis da nova ordem atiram-se aos mercados dos interstícios da formalidade econômica: das bocas-de-fumo ao emprego precário na “segurança”. A gestão da pobreza ampliou os processos de criminalização e brutalização. A expansão da cultura punitiva, diante do desamparo coletivo, foi se entranhando nos corações e mentes e legitimando como nunca a barbárie. O aumento vertiginoso dos “desaparecidos” de sempre, jovens negros de tão pobres, é uma evidência desse quadro.
Um dos mais assustadores sintomas da nossa cotidianeidade talvez esteja num outro indício: os “desaparecidos” do ciclo militar faziam parte de uma estratégia geral de negação das violências efetuadas e também de não permitir que se constituíssem provas dos crimes cometidos por agentes do Estado. O “desaparecimento”, hoje, de brasileiros pobres, moradores da periferia, é um reflexo do aprofundamento de seu não reconhecimento em vida, de seu anonimato, de seu extermínio: é uma espécie de morte dobrada, objetiva e subjetiva. O tenebroso, hoje, além disso tudo, é que a truculência, ao invés de ser escondida, é exibida como sinônimo de sucesso operacional. As chacinas “profiláticas”, como promessas de pacificação e paradigma de políticas de segurança pública que precedem a entrada do Estado Social, podem ser o mais aterrorizante e emblemático sinal dos novos tempos.