“Tropa de Elite” teria muito o que aprender com o filme-tese dos irmãos Coen. Enquanto Padilha prefere usar a violência para nitidamente vibrar com seu Capitão Nascimento, os irmãos norte-americanos criam um melancólico e sério panorama do que vem a ser uma natureza violenta e toda a irracionalidade e destruição que ela carrega.
O problema de todo o universo “Tropa de Elite” ainda vem sendo justamente o discurso de José Padilha. Ao mesmo tempo em que ele se refere ao filme como uma crítica a polícia e seus métodos; na prática, toda a mise-en-scène de Padilha no filme vibra com essa mesma polícia. Isso é, a força e o movimento do BOPE “cativam” e divertem. Conseqüentemente o filme serve não para a população desaprovar o método e a imagem do BOPE, mas para incentivá-lo e ver como uma possível única esperança. Para complicar existe a pessoa de Harvey Weistein, que sabe muito bem do caráter divertido e inconseqüente do filme e o vende feito um filme do Tarantino. Qualquer tipo de celebração dentro desse contexto, seja pelo Urso de ouro em Berlim, sejo pela grande sucesso nas bilheterias, é bastante lamentável.
Já em “No Country for Old Men”, encontramos a mesma violência, não em seu contexto, mas em seu estado de natureza – violência é violência em todo lugar – tratada e mesmo estudada de uma maneira muito mais madura e mesmo útil do que o filme de José Padilha. Aqui, os irmãos Coen não estão atrás de vibração, de criar um fenômeno contagiante, mas sim de compreender (ou simplesmente concluir) toda e qualquer irracionalidade que isso envolve. Não existe um lado, quando o jogo nem mesmo é pensado, mas apenas imposto. Quando Anton Chigurh (Javier Bardem) nos propõe o cara ou coroa, que melhor resposta senão a da esposa de Llewelyn Moss em recusar o jogo? Porque não existe jogo, está tudo nas mãos de Anton. Ele impõe seu jogo sádico e irracional, e usando do cara ou coroa, tenta se distanciar um pouco da possível culpa de uma morte. Mesmo que evidentemente ele seja um homem sem culpa, o cara ou cora ainda é seu ponto fraco, porque é aonde ele mesmo tenta negar sua própria natureza irracional, transformando tudo numa simples brincadeira de acertar ou errar.
Existe culpa em “Tropa de Elite”? Se Anton Chigurh trabalha por conta própria, tendo apenas sua mente doentia como motor, o Capitão Nascimento tem todo um aparato político e supostamente justo de trabalho. Ele sobe o morro e mata, sem julgamento, por que não seria isso mesmo o que os traficantes merecem? Claro que na realidade é um trabalho extremamente condenável e sinceramente tão irracional quanto o de Anton, mas na situação extrema que se encontra o Rio de Janeiro, será mesmo que o espectador vai concordar com isso? Para ajudar, existe toda uma humanização do Capitão Nascimento. Sua suposta preocupação pelo filho que vai nascer e todo um ambiente familiar que somos apresentados de quando em quando. Anton, por outro lado, não é um ser humano, é um animal violento e irracional. Não existe expressão em seu rosto e nem mesmo reação. O Capitão Nascimento, um homem da polícia e pai de família, é uma contradição real no meio policial do Rio de Janeiro. Ou seja, ele não é inventado, a contradição em Tropa não está dentro do filme, mas sim em seu diretor. O filme é apenas imaturo, Padilha é oportunista e ainda paga de bom moço.
A violência em “Tropa de Elite” é tão injustificável quanto a praticada em “No Country for Old Men”. Porque estamos diante de crimes e apenas uma coisa é certa em ambos os filmes: as leis não valem mais nada. Mas enquanto o Capitão Nascimento pensa que faz justiça pelas próprias mãos, Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), o xerife no filme dos Coen, apenas aceita a inevitabilidade da situação.
Talvez o que “Tropa de Elite” precisasse era simplesmente de um xerife como Ed Tom Bell. Não para resolver a situação, que supostamente não tem solução. Mas para concluir que a falta de solução tem motivo numa criminalidade tanto dentro do tráfico, como dentro da polícia. É um ciclo vicioso. O documentário “Notícias de uma Guerra Particular”, de João Moreira Salles e Kátia Lund, faz esse trabalho quando não toma nenhum dos lados, porque de novo, não existe lado para se tomar em uma guerra, quando a própria guerra não deveria nem existir.
Na metade para o fim do filme dos Coen, nós nem mais vemos os assassinatos de Anton, porque não é mais necessário. A tese já está feita, o trabalho agora é da natureza inevitável que rege todo o ambiente. Enquanto em “Tropa de Elite”, a última cena é justamente a celebração principal dessa violência, porque ela envolve uma vingança pessoal. O policial André vinga a morte de seu companheiro Neto por um motivo pessoal, quando todo o contexto em que eles se inserem nada mais é do que dois lados diferentes em uma guerra impessoal.
Sendo assim, “Tropa de Elite” é um filme anti-humanista porque torce por uma “justiça” de medida extrema, tomando o partido de um lado dentro da guerra. Enquanto “No Country for Old Men” compreende que a guerra – violência contra violência – é irracional em todos os seus sentidos.