Gianotti – A comunicação sindical ganhou uma dimensão muito maior no século XXI do que tinha no começo do século passado. O peso que a comunicação tem hoje é absolutamente diferente do que tinha há 50 anos atrás. O título do livro já diz que a preocupação é responder aos desafios da comunicação na sociedade atual, em todos os níveis, que vão desde os tradicionais meios de comunicação – os meios impressos – passando pelos meios que vieram posteriormente, como o cinema e o rádio, chegando aos meios eletrônicos, que se multiplicaram nos últimos 20 anos do século XX, com a internet. Qual é o peso que a comunicação tem hoje na vida das pessoas? Como os trabalhadores vão utilizar os meios de comunicação para divulgar suas idéias, para disputar a hegemonia na sociedade? Essa são as questões que norteiam o livro: a centralidade da comunicação e sua importância para os trabalhadores.
Essa semana, aqui no Rio de Janeiro, os jornais todos estamparam com a maior tranqüilidade uma notícia típica da nossa mídia, sobre uma atriz, Zezé Polessa, que foi parada no trânsito e teve seu carro roubado. Em seguida, uma outra notícia dizia: polícia mata três bandidos na Chácara do Céu que roubaram o carro da Zezé Polessa. Para mim, é criminoso colocar a notícia dessa maneira. Primeiro, quem disse que aqueles três rapazes que a polícia matou eram bandidos? Depois, quem disse que foram eles que roubaram o carro? Em terceiro lugar, veja quais são os valores que essa notícia reafirma: as vidas de três favelados valem menos que o carro da atriz. Quer dizer, a vida deles não vale nada. E aí, qual é a tarefa da imprensa sindical? Ela tem que mostrar uma alternativa a essa maneira criminosa de noticiar, tem que mostrar outros valores. Quem disse que um carro vale mais do que a vida de três jovens, que deixaram a família e quem sabe até filhos? E aí, qual é a importância da imprensa sindical e alternativa? Apresentar uma alternativa a esses valores, fazer a disputa na sociedade.
Temos que comentar o que acontece nas novelas, por exemplo. Um artigo recente do Gabriel Priolli [presidente de honra da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU)] mostra a maneira ridícula como são tratados os estudantes na novela “Duas Caras”, da Rede Globo. O padrão dos estudantes naquela novela é o de baderneiros e parasitas, que não estudam. Tem também os estudantes bonzinhos, que não reclamam de nada e obedecem a tudo. Uma imagem absolutamente conservadora dos estudantes, uma imagem de direita, que é a negação de tudo o que foi o movimento estudantil de 50 anos pra cá, do que foi o movimento de 1968, que faz 40 anos agora, em maio. A Globo se antecipa e já diz quem são os estudantes: vagabundos, baderneiros. Temos que mostrar uma outra visão disto, seja comentando o que a mídia burguesa apresenta, seja apresentando outras notícias, outros valores. Precisamos investir na imprensa sindical e ficar extremamente atentos para nos contrapor aos valores colocados pela mídia empresarial, que eles reafirmam constantemente.
Para mim, a imprensa sindical é a continuação de um longo filão da história da imprensa dos trabalhadores no Brasil, em uma linha do tempo que se inicia com a imprensa anarquista do começo do século. Naquela fase da imprensa, com toda a dificuldade que existia e jornais
que eram proibidos de circular, havia dois jornais no Brasil que eram diários: A Hora Social, no Recife, que foi fechado, e o jornal A Plebe, em São Paulo, que durou 40 dias, com 5 mil jornais diários, distribuídos pelos militantes. Depois veio a imprensa comunista. De 1945 a 46 nasceram oito jornais diários. Em 46, no auge de uma fase mais democrática, havia 8 jornais diários do Partido Comunista. Uma terceira fase foi a da imprensa alternativa durante a ditadura militar, que começou com O Pasquim, um jornal de oposição – tanto é que a ditadura mandou prender seus editores várias vezes. Tinha também o jornal Opinião e muitos outros. Eram mais de 150 jornais da imprensa alternativa, de 1969 a 1981. Um dos últimos jornais que apareceram nessa fase foi o jornal Mulherio, um jornal feminista. O Pasquim chegou a ter 220 mil exemplares semanais. Naquele tempo, os jornais diários não chegavam a ter 150 mil exemplares.
É importante estar atento à nossa pauta. Temos que saber dosar as informações imediatas, que a categoria quer, que tratam do seu umbigo: sobre o anuênio, o seu salário, seu horário. Isso é o básico. Eu diria que um jornal sindical tem que tratar 50% do imediato. O resto tem que tratar desde o aquecimento global aos agrotóxicos, do etanol à política internacional. Tem que falar da Venezuela, da Bolívia, da guerra de extermínio dos EUA no Iraque. Ao mesmo, é preciso tratar da vida das pessoas – a educação dos filhos, o namoro, a saúde, a cultura, ou seja, tudo o que pode interessar de forma viva, dinâmica. É importante falar da vida das pessoas e não ser o típico jornal de sindicato, que só fala da categoria. Porque senão o trabalhador tem que buscar essas informações nos veículos da mídia empresarial, que são veneno puro.
Eu acho que, diferentemente de uns 15 anos atrás, muitas publicações sindicais ficaram mais bonitas. Com o advento da internet e da editoração eletrônica, ficou difícil fazer um jornal feio. Um jornal com bastante imagem e artigos curtos é o básico atualmente. Mas não era há 50 anos atrás. Acho que, em geral, muitos sindicatos melhoraram, mas ainda há muito a fazer. Ainda existe muito jornal feio, que tem
o lixo como destino quase imediato. O trabalhador está acostumado a ver o Jornal Nacional e o Fantástico, que são a ideologia da burguesia destilada, mas são muito bem feitos. Esse trabalhador não vai se interessar em ver um jornal feio, como muito que existem.