Por Vito Giannoti – artigo publicado no n° 22 da Revista ADVIR, da UERJ – outubro de 2008.
Tratar de 1968, no Brasil, significa falar de França, Inglaterra, EUA, Alemanha, Itália e Tchecoslováquia; de Luther King, Panteras Negras, manifestações feministas nos EUA, ofensiva do Tet, no Vietnã, e Revolução Cultural na China. Nesse caldeirão, fala-se de raspão no Brasil e logo se pensa em passeatas de estudantes, artistas e intelectuais contra a Ditadura, que já estava entrando no quinto ano.
Para os que ainda se lembram da ditadura implantada em 1964, falar em 68 é lembrar o assassinato do estudante secundarista Edson Luís e a enorme passeata no dia seguinte à sua morte. Trata-se de falar na Passeata dos 100 mil, em final de junho. Muitos ainda se lembram do 7 de Setembro daquele ano, quando um deputado em Brasília chamou os pais dos estudantes a boicotar as manifestações do Dia da Pátria. O ano de 1968 também é lembrado pelo Congresso da UNE em Ibiúna e pelo maldito ato Institucional Nº 5, do mês de dezembro, que implantou o terror de Estado em todo o País.
Para a maioria dos estudantes de hoje, 1968, no Brasil, é pouco mais do que isso. Aliás, para a maioria, é muito menos do que isso. O desconhecimento da nossa história – que sempre foi histórico no nosso país – hoje diria que se tornou agudo e endêmico, tornando-se a cada dia mais profundo e generalizado.
1968 não foi só o Maio Francês
Para muitos que, com esforço, conseguem ter uma noção do que foi o ano de 1968, a visão dominante é a de que foi um ano de grandes lutas mundiais – isto é evidente, é verdadeiro. No entanto, muitas vezes essa visão acaba sendo parcial e distorcida. Há uma atitude, quase genética entre nós, de achar que tudo o que é de fora é bom. Lá sim, se luta. Lá se morre na briga política. Aqui, não. Aqui ninguém quer nada. Aliás, já está provado que “brasileiro é pacífico”, “brasileiro é bonzinho”. Brasileiro tem a tal “índole pacífica”. Lembram?
Essa visão é difundida em verso e prosa nas escolas, nas famílias, nas igrejas, nos quartéis e atualmente por todos os meios de comunicação, ou seja, pela mídia do sistema, o “verdadeiro partido da burguesia”, parafraseando Gramsci. Contudo, com isso, não queremos dizer que todos os professores acreditam e repetem essa deformação da alma dos brasileirinhos que caem em suas mãos. Há um punhado que se insurge contra essa versão ideológica da nossa história.
Visão/versão que serve enormemente para os que querem manter a sociedade do jeito que está.
Há muitos que combatem essa interpretação ideológica distorcida que serve para manter a hegemonia nas mãos dos que a detiveram desde Pedro Álvares Cabral até nossos dias. O fato é que, para muitos, 1968 foi o ano das barricadas no famoso Quartier Latin, de Paris. O ano da primavera de Praga e das manifestações pelo fim da Guerra do Vietnã pelo mundo afora.
E as centenas de passeatas realizadas no Brasil? E os sete manifestantes mortos nestes protestos contra a Ditadura? E o discurso de Márcio Moreira Alves que falava aos pais do sangue dos seus filhos derramado nestas passeatas? Depois daquele discurso que denunciava a morte de seis manifestantes, houve mais uma. No Rio de Janeiro, morreu um estudante de medicina da UERJ. Quem se lembra o nome dele? Qual rua lembra esse jovem mártir da luta contra a Ditadura? Qual salão da UERJ lhe é dedicado?
Enquanto isso, fala-se do Maio Francês. Claro, 1968 foi profundamente marcado pela revolta dos jovens franceses, italianos, estadunidenses, tchecos e pela luta gloriosa e, logo, mais vitoriosa, do heróico povo do Vietnã.
No entanto, não podemos nos esquecer dos nossos mártires. Quem ia à passeata do enterro do primeiro estudante morto na véspera, o jovem Edson Luis, sabia que poderia haver mais repressão, mais mortos, que poderia ser o próximo, mas se ia. Assim, as ruas se enchiam, e a Ditadura, segundo aquele deputado, “espancava e matava”.
Quantos mortos houve nas barricadas de Paris? É hora de parar com o complexo de inferioridade frente a tudo o que acontece lá no estrangeiro e cultuar nossos mártires. Temos milhares! Só nas manifestações de 1968 houve sete.
O grande esquecido de 1968: o Movimento Operário
O mais grave não é o esquecimento das lutas feitas no Brasil de 1968. Este esquecimento é seletivo. Além disso, muito pouco se fala da presença do movimento operário nas lutas do ano que marcou nossa história.
O movimento operário tinha sido destroçado pelo golpe vitorioso de 1º de abril. Nos primeiros dias do golpe, no Rio de Janeiro, milhares de operários, trabalhadores portuários, ferroviários, metalúrgicos, bancários e funcionários públicos foram presos em seus locais de trabalho, em suas casas ou em seus bairros.
No dia seguinte ao golpe, somente no Rio, 50 mil pessoas foram presas e amontoadas em delegacias e quartéis. Como eram muitos, a repressão encheu de presos três navios ancorados na Baía da Guanabara e também o estádio Mestre Ziza, dentro do Complexo Poliesportivo Caio Martins, em Niterói.
Com as primeiras prisões, surgiram as medidas que visavam a extirpar o “vírus da subversão” das fábricas, minas, dos portos, aeroportos, das refinarias e de todo conglomerado de trabalhadores. Qualquer pessoa que tivesse um cheiro de esquerda era presa.
No entanto, para os militares, era preciso extirpar o mal pela raiz. Por isso, foi decretada a cassação das diretorias identificadas como de esquerda e a intervenção nos sindicatos que tinham liderado as lutas nos anos anteriores ao golpe. De 1964 ate 1968, mais de 900 sindicatos, no Brasil todo, tiveram suas diretorias democraticamente eleitas cassadas, presas ou perseguidas pelos autores do golpe.
O golpe tinha sido dado exatamente para calar a boca dos trabalhadores, para acabar com as greves operárias e com as ocupações de terra dos camponeses que exigiam, sem meias palavras, “reforma agrária na lei ou na marra”. O capital nacional e o internacional precisavam superar a estagnação econômica iniciada em 1960 e deslanchar seus lucros. Para isso, precisava-se de uma ditadura que prendesse e arrebentasse qualquer contestador da nova ordem a ser implantada.
Assim foi feito. O terror das prisões com seu complemento de torturas, Inquéritos Policiais e Militares, os famosos IPMs, impôs uma severa vigilância policial dentro de fábricas, ferrovias, portos e todo local de trabalho.
O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) desapareceu e seus líderes foram cassados como bichos-do-mato. Os sindicatos passaram às mãos de interventores colaboradores da Ditadura e o silêncio se impôs nas fábricas. A organização dos trabalhadores, que dava a ilusão de ser invencível, mostrou-se incapaz de qualquer resistência. As greves esperadas como anteparo para um eventual golpe da direita não aconteceram e a classe trabalhadora caiu debaixo das botas dos militares.
Nos anos que se seguiram ao golpe, quase não aconteceu nenhuma greve ou protesto dos trabalhadores. A repressão implantada pelos militares, com o apoio e supervisão dos tutores e parceiros no golpe, os EUA, tudo fez para garantir a paz dos cemitérios. Há registros de meia dúzia de tentativas de alguma grevezinha em 1965, 66 e 67. Os golpistas tinham tido sucesso.
Das cinzas da repressão tenta renascer a luta operária
Os trabalhadores, e também militantes comunistas, que continuavam trabalhando em fábricas, escolas ou escritórios, estavam atordoad
os, tentando entender por que seus sonhos haviam desmoronado. Por que não houve reação, não houve greves contra o Golpe? Enquanto isso, mais e mais companheiros eram presos ou tinham que sair de cena para não serem vítimas da repressão.
Em síntese, a Ditadura procurou destruir todo núcleo de resistência operária e de camponeses. O golpe militar no Brasil seria o exemplo dos futuros golpes militares que implantaram ditaduras em quase todo o continente nos anos seguintes, por isso, tinha que dar certo.
Os militares agora só teriam que cuidar de calar a boca dos estudantes que continuavam com suas passeatas exigindo melhor ensino, restaurante universitário e, sobretudo, que contestavam os acordos relativos à educação entre a Ditadura e o grande aliado e tutor, os EUA. No entanto, com relação aos trabalhadores, não havia problema. Tudo estava tranqüilo na base operária – pelo menos era isso que os militares pensavam.
O 1968 da classe operária brasileira
Três fatos marcaram o 1968 operário no Brasil: a greve de Belo Horizonte e Contagem (MG); o 1º de Maio na praça da Sé (SP); e a greve de Osasco (SP). É importante revisitar, ainda que brevemente, o cenário de cada um deles.
Estamos em abril de 1968. Desde fevereiro no Vietnã, um povo miserável lutava para libertar seu país da invasão norte-americana e implantar um regime socialista. Seu comportamento heróico, desafiando o exército mais poderoso do mundo, era um incentivo para aqueles que tinham qualquer ideal de mudança.
Nos EUA, dias antes da eclosão da primeira greve no nosso país, o contestador Martin Luther King foi assassinado pelas forças do sistema. Os Panteras Negras, movimento mais radical na luta pela igualdade racial e por um país socialista, começavam a tomar o lugar do reverendo assassinado. Na China, continuava a turbulência da revolução Cultural, e, na França, os estudantes da cidade de Nanterre estavam chegando à capital Paris, com seus protestos e passeatas cheios de revolta.
Os três movimentos protagonizados pela classe operária brasileira – Contagem, Sé e Osasco – foram influenciados pelo clima mundial de contestação que aumentava a cada dia.
Greve de Belo Horizonte e Contagem
Abril de 1968. O ambiente nas fábricas do distrito industrial de BH e Contagem estava tenso. A classe trabalhadora, no país, vivia uma situação muito difícil: arrocho salarial imposto pela Ditadura e falta de emprego.
Desde 1967, o Ministro do Planejamento, Roberto Campos, impunha aos trabalhadores as malditas Leis do Arrocho, como a nova norma dos reajustes salariais era conhecida pelos militantes. Estes, nas fábricas e nos bairros-dormitório, faziam pequenas reuniões onde discutiam os mecanismos de rebaixamento dos salários que as leis representavam.
Nos bairros operários de BH, circulavam pequenos jornaizinhos, dos quais o mais conhecido era O Piquete, produzido pela Colina, uma organização armada que era uma dissidência da Polop. Estes jornais eram rodados em algum Diretório de Estudantes ou em alguma igreja com um padre amigo, que apoiavam a luta dos trabalhadores. Nas grandes fábricas da região de BH e Contagem criavam-se grupos de trabalhadores que discutiam animadamente a situação da sua fábrica e do país.
Em 16 de abril, o caldeirão explodiu. Na grande siderúrgica Belgo Mineira, começou a greve que logo se espalharia pela região toda. A Mannesmam também entrou em greve e os operários ocuparam a fábrica, ou seja, ficaram lá dentro e recusaram-se a sair. Esse tipo de greve era cada dia mais comum nas fábricas da Itália e da França, e essa prática chegara a Minas Gerais.
Nas fábricas da região de BH e Contagem, havia a presença de militantes de muitas das organizações revolucionárias da época. Havia militantes da Colina – organização armada que mais impulsionou a greve –, da Polop, da Ação Popular, do PCB, do PCBR e da ALN, entre outras.
A ocupação não foi fácil. Logo, a polícia e o Exército chegaram aos portões soldados da Mannesman, exigindo a desocupação. Um jovem operário, para fazer o exército desistir da invasão, toma uma atitude extrema: acende uma estopa e, com ela na mão, coloca-se na boca do distribuidor de gasolina, logo na entrada do pátio da fábrica, pronto para fazer explodir a fábrica e boa parte do bairro em volta. A invasão pela repressão não se deu e a greve continuou. Esse operário, hoje mais calmo, vive em Coronel Fabriciano.
A greve se estendeu a outras fábricas da região, atingindo mais de 20 mil operários. As grandes fábricas estavam todas paradas: Mafersa, RCA Victor, Acesita e tantas outras. Todos exigiam aumento salarial, mas o governo não cedia. A greve também não. Mais de uma semana depois, a Ditadura mandou o coronel Passarinho, então ministro do Trabalho, para, numa tumultuada assembléia no sindicato, fazer a proposta de um “abono” de 10%, que foi aceito e a greve acabou.
A repressão da Ditadura deu início à caçada a todos os líderes do movimento. Dezenas foram presos. Outros conseguiram fugir e muitos foram demitidos. Porém, ficou a lição. Mesmo com ditadura, os metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem conseguiram se organizar, por baixo, pela base, desafiando o poder dos patrões e de seu governo. No começo de junho, os militares, com o intuito de impedir que o exemplo de Minas se propagasse, estenderam o tal “abono” de 10% para todos os trabalhadores do país.
1º de Maio em São Paulo
O 1º de maio era a tradicional data da luta dos trabalhadores. Desde o Golpe de 64, no Brasil, nada mais acontecia neste dia. No ano anterior, 1967, houve uma tentativa de manifestação, em Recife, mas foi pequena.
Em São Paulo, o governador da Ditadura resolveu chamar os trabalhadores para a praça da Sé, numa tentativa de passar mel em suas bocas e contornar a revolta, que, a partir dos estudantes, poderia tomar conta das fábricas – o exemplo de BH e Contagem estava ali.
O governador interventor, junto com um tal Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA), convocou os trabalhadores para a Praça da Sé. O MIA foi uma articulação de sindicalistas pelegos-interventores que queriam ser aceitos por suas categorias e de alguns dirigentes comunistas que tentavam sobreviver na Ditadura.
Nas cidades operárias da periferia de São Paulo, a idéia do MIA e do governador da Ditadura foi logo rechaçada. Em Osasco, a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos era composta por jovens rebeldes que não aceitavam o jogo da Ditadura. Essa diretoria, eleita meses antes, no final de 1967, era o principal pólo de resistência na cidade – era composta por jovens com menos de 21 anos, muitos deles ativos militantes da Comissão de Fábrica da Cobrasma, que existia desde 1963. A Cobrasma era a maior fábrica da região e pertencia nada mais, nada menos que ao presidente da FIESP.
Também nessa cidade os operários tinham uma sólida base de apoio para suas reuniões: a paróquia de Vila Iolanda, que desenvolvia um forte trabalho de organização popular e operária. No sindicato e nas vilas da região, começou a organização de um 1º de Maio diferente daquele do MIA e da Ditadura.
Doze ônibus foram alugados para ir à Praça da Sé. Todo mundo precisava ir … sem esquecer de umas duas ou três pedras no bolso.
O que acontecia em Osasco se repetia em Santo André, em Mauá, Ribeirão Pires e outras cidades operárias do cinturão da capital paulista.
Todos à Praça da Sé … com alguma pedra no bolso.
O palanque da Ditadura e da pelegada estava montado. O Governador do maior Estado do País começou o discurso. De repente, um assovio e os operários vindos de Osasco, Mauá e ou
tras cidades começam a atirar pedras no palanque. Uma certeira atingiu a cabeça do governador da Ditadura e o sangue começou a descer pelo rosto. Houve fuga dos ocupantes do palanque, que se abrigaram na catedral, fechando as portas rapidamente. Zequinha Barreto, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, acendeu uma estopa e ateou fogo no palanque vazio. A alegria, na praça, foi geral. Esse foi o 1º de Maio operário de São Paulo, naquele 1968.
A greve de Osasco
Estamos em julho. Os metalúrgicos de Osasco ainda estavam eufóricos com a corrida que deram, no 1º de Maio, nos pelegos e agentes da Ditadura – o exemplo da greve de BH e Contagem estava ali. A Ditadura tinha concedido uns miseráveis 10% de “abono”, que nem de longe cobriam a perdas provocadas pela inflação. Precisavam fazer algo: uma greve.
Estudantes, artistas, intelectuais e as várias organizações de esquerda, com sua militância, ocupavam as ruas. Acabara de ser realizada, no Rio, uma enorme passeata: a Passeata dos cem mil. A Ditadura estava acuada pelo “povo na rua” – a hora era aquela.
No dia 16 de julho, Osasco amanheceu com a fábrica metalúrgica Lona-Flexa parada e ocupada pelos seus trabalhadores. Logo em seguida, parou a Cobrasma. O plano traçado exigia a paralisação das outras grandes fábricas da região: a Braseixo, a Brown Bovery e outras metalúrgicas onde havia uma organização interna e fábricas de outros setores, como a Fiat Lux, fábrica de fósforos do setor químico, e outras do setor têxtil.
A greve começou sem piquetes. Em Cobrasma, Lona-Flex e Barreto Keller havia Comissões de Fábrica reconhecidas há anos. Essas Comissões e a atuação muito intensa de grupos de esquerda, como VPR, Polop, ALN e Ação Popular, garantiram a participação ativa de lideranças e da própria massa. O presidente dos metalúrgicos e também presidente da Comissão da Cobrasma, José Ibrahim, foi uma das principais lideranças desse movimento.
No dia 17, a cidade estava parada, mas a Ditadura não admitiu o desafio. Logo no segundo dia da greve, chegaram à cidade todas as forças repressivas. Depois de ter invadido e depredado os sindicatos dos metalúrgicos, dos químicos e dos têxteis, chegaram ao maior foco da contestação, a Cobrasma.
Lá os operários estavam fazendo o mesmo que acontecia em dezenas de greves daquele ano, na França, Itália e Alemanha: tinham ocupado a fábrica. Além da ocupação, os operários dessa grande fábrica inovaram em suas táticas; rapidamente, na Cobrasma, as lideranças da greve prenderam mais de 30 dirigentes e executivos, mantendo-os sob guarda num local fechado, soldado com maçarico. Ninguém sairia até a empresa ceder às reivindicações dos operários. Este era o sonho. Nos dizeres de João Joaquim, primeiro-secretário dos metalúrgicos: “A tensão era muito grande porque uma das decisões que o grupo tinha tomado era soldar o portão” (em Teoria e Debate 5/2008).
Essa atitude não nasceu de repente, afinal, havia uma forte organização interna puxada pela Comissão de Fábrica. Como diz Joaquim Miranda, membro do conselho fiscal dos metalúrgicos: “Foram seis anos trabalhando, construindo aquelas bases operárias lá dentro”. Essa lição foi retomada pelas oposições sindicais no esforço de organizar suas bases para a luta contra o peleguismo e contra o sistema de exploração e opressão que apareceu à luz do sol dez anos depois, nos anos de 1978 e 79. No entanto, naquele 68, a situação não estava madura.
A repressão, no portão da fábrica, forçou a sua abertura. Um enxame de todo tipo de repressão prendeu mais de 800 operários. Com as mãos na cabeça, foram levados ao DOPS em São Paulo, e então começou o calvário igual ao de todo preso da Ditadura .
A greve começou a se diluir, a repressão ocupou todas as fábricas e bairros da região e, em uma semana, o movimento foi derrotado.
Mais duas greves em setembro de 1968
Além desses três grandes acontecimentos naquele ano de revoltas e contestação, a classe operária tentou mais duas lutas, pouco antes do endurecimento da Ditadura com o Ato no 5. As duas ocorreram no mês de setembro: a primeira, bem menor, foi em São Paulo, na fábrica de chaves para carros, Metalúrgica Lassen. Era uma empresa de meio porte que impunha condições de salário e de trabalho muito ruins para seus trabalhadores. Alguns militantes da Oposição Sindical – dentre eles Waldemar Rossi, encabeçador da chapa oposicionista no seu sindicato, no ano anterior, à revelia da diretoria pelega e interventora do seu sindicato – organizaram uma greve de uma semana. Queriam quebrar o arrocho salarial da Ditadura e conseguiram alguma vitória, mas essa greve ficou totalmente isolada e não conseguiu se espalhar.
A segunda foi, de novo, em Minas Gerais. Outubro era o mês do reajuste anual dos metalúrgicos de BH e Contagem. Em setembro, vários ativistas e militantes dos grupos de esquerda, que se multiplicavam naqueles meses turbulentos, sonharam em repetir a greve vitoriosa de abril. No entanto, tudo não passou de um sonho. Embora a greve desencadeada em setembro tenha sido até maior do que a de abril, a Ditadura e os patrões não cederam um milímetro. Já estava no ar o endurecimento político que viria dali a menos de três meses. Embora todas as organizações de esquerda apostassem nessa nova greve, ela não conseguiu se segurar e alcançar alguma vitória, por isso, esvaziou-se aos poucos. No dia 3 de outubro, a greve já tinha se acabado. A repressão conseguiu derrotar o movimento no seu nascedouro.
Este foi o ano de 68 no meio operário.
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