Na última terça-feira, 18 de agosto, foi realizada uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio para tratar dos autos de resistência. O deputado Marcelo Freixo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos, ouviu representantes do Ministério Público, da Polícia Civil, da Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública e da Defensoria Pública do Estado do Rio. Ao final da audiência, foi proposta a criação de um Grupo de Trabalho para buscar saídas e propostas contra o “abuso dos autos de resistência”, de acordo com Freixo.
Dentre outras atividades, caberá ao grupo fazer um levantamento de todos os autos de resistência dos últimos quatro anos e identificar os responsáveis pelos encaminhamentos dados a estes, principalmente em casos de arquivamento. Essa foi uma solicitação feita pelo deputado Paulo Ramos (PDT) no início da sessão. “É preciso levantar todos os casos para demonstrar que existe um sistema no Rio de Janeiro que caracteriza os mais pobres como inimigos públicos que precisam ser executados. E não adianta desenterrar casos isolados, porque sabemos que é uma prática apoiada institucionalmente”, disse.
Os autos de resistência são declarados por policiais militares e civis para justificar homicídios ocorridos em alguma ação policial. Para o deputado Paulo Ramos, o grande número de autos se deve a um modelo de segurança que estimula o policial a matar. O deputado Marcelo Freixo disse que a “grande preocupação é quando o mecanismo legal de auto de resistência se transforma em instrumento para legitimar atos de extermínio”. O deputado afirmou ainda que a ação letal da polícia tem endereço certo no Rio de Janeiro.
‘Policiais devem ser julgados sem diferenciação’, diz representante do MP
O representante do Ministério Público, Alexandre Temístocles, disse que não são raros os casos de vítimas adolescentes e sem antecedentes criminais. Muitas vezes depende do trabalho da perícia técnica para contradizer o depoimento dos policiais, “já que muitos familiares e amigos de vítimas se sentem intimidados a dar depoimentos”, observa. Ele assumiu que, infelizmente, muitos casos são arquivados porque muitas vezes a versão dos policiais é a que prevalece. Para ele, “o MP deve privilegiar uma investigação séria. Quando houver prova de atividades de extermínio, vai denunciar e submeter depois à apreciação do judiciário”.
Leonardo Chaves, subprocurador geral de Justiça de Direitos Humanos, disse não admitir serem necessárias acusações testemunhais para denunciar policiais, pois, como havia dito Temístocles, muitas vezes as testemunhas são intimidadas. É fundamental pedir que o Instituto Médico Legal e os peritos criminais ajam o quanto antes. Ele citou, por exemplo, uma senhora do Morro do Alemão que disse que queria sim as obras do PAC, mas sem os abusos policiais na favela e sem o derramamento de sangue dos moradores, como chegou a acontecer.
O chefe da Polícia Civil do Rio, Alan Turnowski, defendeu o trabalho dos policiais e fez questão de sublinhar as dificuldades por que passam ao “combater a criminalidade”. Ele fez uma avaliação positiva do Governo do Estado, e disse estar havendo “pacificação” nessas áreas. Ressaltou o investimento em um novo IML do Rio, que será avançado para melhorar as investigações e tornar transparente o trabalho da polícia.
Política de extermínio da polícia do Rio é reconhecida por participantes
Esteve presente na audiência a diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC), Julita Lemgruber. Ela discordou de Turnowski, e disse que, ao invés de pacificar, o que existe é uma política do Governo do Estado de estímulo à violência. “Quando as vítimas são de classe média, há consternação pública. Mas quando a vítima é negra, moradora de favela, há um silenciamento por parte do governador”. Ela lembrou o caso da menina Yasmin, de 3 anos, morta na Vila Aliança, em abril deste ano. Julita anunciou também a publicação do livro Auto de Resistência: relatos de familiares de vítimas da violência armada. Foi feito para divulgar os depoimentos de familiares de vítimas de chacinas cometidas por policiais e apoiar sua luta por justiça. “Alguns policiais assassinos já foram absolvidos, muitos julgamentos foram adiados, mas essas pessoas não perdem a esperança”, afirmou.
Patrícia Magno, da Defensoria Pública do Estado do Rio, sugeriu o fim da prática procedimental de autos de resistência. Ela defendeu que todos os processos sejam julgados como atos de homicídio. Patrícia citou o relatório de Philip Alston, do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que esteve no Brasil em 2007. Uma de suas conclusões foi de que existe uma “cultura da impunidade” em relação à alta taxa de homicídios cometidos por policiais. (leia entrevista com ele em nossa página).