[Por Sheila Jacob] Na sexta-feira, 11 de setembro, ocorreu mais uma das tantas censuras impostas aos meios de comunicação alternativos e populares. O juiz titular da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro, Carlos Augusto Borges, negou o pedido do BoletimNPC para realizar entrevistas com cinco mulheres do presídio feminino Talavera Bruce, na capital do estado.

A jornalista Raquel Junia, que propôs a reportagem para investigar os usos da comunicação por internos no sistema prisional, apresentou ao juiz todos os documentos solicitados, como a autorização por escrito de cada uma das mulheres encarceradas e a descrição da pauta com a permissão do secretário de Administração Penitenciária, Cesar Rubens Monteiro.

Ela entregou ainda um termo que comprovava seu vínculo laboral ao NPC. Mesmo com toda essa documentação, o juiz negou o pedido.

“As internas já haviam autorizado o uso da imagem delas. A pauta inclusive é para discutir o direito à comunicação também para as pessoas sob tutela do estado, nos presídios, a partir de um projeto de criação de um canal de TV com programação específica para esse público, como documentários, educativos, noticiários etc”, diz Raquel Júnia.

Essa ideia de criação de um canal de TV dentro das penitenciárias partiu do jornalista Beto Almeida, da TV Comunitária de Brasília. Para Beto, o caso mostra claramente a discriminação contra a mídia alternativa. “Isso é nefasto, porque contraria uma tendência mundial que é a possibilidade de a sociedade se organizar em diversas formas de comunicação, e não apenas a chamada grande mídia”.

Para ele, a atitude do juiz Carlos Augusto Borges é contraditória com a própria função das penitenciárias, que deveria procurar a reintegração na sociedade da população carcerária, e não o contrário. “Como vai haver a reintegração, se há o impedimento de elas se manifestarem? O que se tem que fazer é promover o diálogo de todos os setores sociais. Seria um grande ganho a possibilidade de elas terem acesso ao direito à comunicação, pois se estaria, pelo menos, enxergando essas pessoas como seres humanos, com seu direito de dialogar com a sociedade. Isso sim contribuiria para sua ressocialização”, opina Beto Almeida.

 

Medida impede direito à comunicação garantido por lei
A jornalista Cláudia Santiago, editora do BoletimNPC concorda com Beto. “É inadmissível que um órgão como o Boletim NPC, que tem mais de dez anos de existência, que se pauta pela seriedade na apuração das matérias, e que indicou para realização das entrevistas duas jornalistas, tenha sido impedido de fazer uma matéria sobre aquilo que é o motivo central de sua existência: a forma como as pessoas se comunicam. Essa pauta é muito importante para nós”. Ela lembra que inclusive o BoletimNPC é reconhecido pelo Ministério da Cultura como um Ponto de Mídia Livre.

“É rotina na nossa profissão fazermos trabalhos freelancer. A questão central para nós é que uma pauta para a imprensa alternativa foi impedida de ser cumprida”, afirma Claudia que, no momento, se debruça sobre uma pauta para o Sindicato dos Servidores da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, embora não tenha vínculos laborais com o Sindicato.

Como observa a jornalista, são muitos os casos de jornalistas da imprensa popular e sindical que tiveram tratamento diferenciado, inclusive em entrevistas coletivas e no acesso às informações. “Queremos abrir esse debate e fazer essa campanha do direito à informação amplamente, junto com os Sindicatos de Jornalistas. Vamos inclusive levar esse assunto para ser debatido no 15° Curso Anual do NPC, que reúne jornalistas populares de todo o país”, afirma Claudia.

Gustavo Barreto, membro do grupo de trabalho executivo do Fórum de Mídia Livre, explica que, além da Constituição Federal, a própria lei 7210 de 1984 (Lei de Execução Penal) garante os direitos dos presos à liberdade de expressão. “Há um inciso do artigo 41 desta lei que permite o exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena”, lembra Barreto, que também é estudante de Direito na UNIRIO. Para ele, este caso demonstra o quanto ainda é preciso conquistar no país: “Dar acesso à Internet para a população é algo muito proveitoso, mas percebemos que a estrutura do Estado ainda está montada para impedir que grupos marginalizados e em conflito, como é o caso dos presidiários, se manifestem livremente e, portanto, consigam exercer sua cidadania plena”, opina.

 

Jornalistas populares falam sobre discriminação da mídia alternativa e contam suas experiências

O caso avivou a memória de diversos jornalistas alternativos que já passaram pela mesma situação de negação do acesso à informação. Gilka Resende, do mesmo jornal Fazendo Media, lembrou dois casos ocorridos com ela. O primeiro foi há dois anos, quando fazia uma matéria sobre a Operação Araribóia, em Niterói (RJ), similar ao atual “choque de ordem”, política de repressão empreendida pelo atual prefeito do Rio, Eduardo Paes. Ela conta que não conseguiu entrar em contato com o responsável da Polícia, após responder negativamente à secretária que perguntou se ela era jornalista da Tribuna ou do Fluminense (conhecidos jornais empresariais niteroienses). “Para mim ficou claro que eu teria mais possibilidade de entrevistá-lo se pertencesse aos dois veículos da grande mídia da cidade”, analisa Gilka.

Para Gilka, entretanto, o caso mais emblemático ocorreu este ano ainda, em janeiro de 2009, no Fórum Social Mundial, em Belém (PA). Ela ia a uma entrevista coletiva concedida por Leonardo Boff, mas foi impedida de passar de táxi quando interrogada pelo segurança. “Ele perguntou se eu era da mídia oficial, e achei que estivesse perguntando se era da cobertura oficial do evento. Expliquei que estava cobrindo o Fórum para um jornal popular (Fazendo Media), mostrei meu crachá de imprensa, ele consultou algum responsável pelo radinho e mesmo assim não pude passar”. Gilka conseguiu finalmente chegar ao local da entrevista, mas apenas por ter conseguido pegar uma carona em um carro do SBT. “O veículo passou pelo mesmo local que antes e não teve problema nenhum. Isso mostra que existe falta de democracia com a imprensa alternativa. E ainda vai contra o direito do jornalista e da sociedade de ter acesso à informação”. Para Gilka, o episódio ocorrido com Raquel leva a público uma situação que não é individual, mas sim de todos jornalistas populares.

A repórter Lívia Duarte, da Agência Pulsar, também já passou por situação parecida. Ela lembra, “entre vários outros casos”, a tentativa frustrada de entrevista com o professor Walter Colli, presidente da CTNBio. “Ele é um acadêmico pago por dinheiro público, já que é professor da USP, e é presidente da comissão que dá a última palavra sobre liberação de organismos geneticamente modificados no Brasil. Por esses motivos, me parecia razoável que ele respondesse a questionamentos levantados pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab)”, conta Lívia. Segundo ela, a Seab, órgão público estadual, alegava que as normas estabelecidas pela CTNBio para evitar contaminação de transgênicos não eram suficientes. Isso estaria causando diversos problemas para os agricultores e consumidores.


Lívia disse que não conseguiu nem mesmo falar com o professor Colli. “Depois de uma semana em contato com a assessoria de imprensa por telefone e e-mails, fui atendida por um funcionário que não fez mais que me destratar. Ele questionou meu conhecimento sobre o tema, sendo que estudo e trabalho com a temática dos transgênicos há mais de dois anos. Parece que seu interesse era ‘desencaminhar’ minha apuração. Seria melhor ter dito que a comissão não ia responder”, lembra Lívia. Segundo o assessor, Colli havia dado entrevista para o repórter do Estadão na reunião da CTNBio em Brasília. “Ora, se falou com o Estadão pessoalmente, por que não atenderia a Agência Pulsar por telefone? Fato é que até agora espero resposta da Assessoria de imprensa do Ministério de Ciência  e Tecnologia, a quem a CTNBIo está vinculada”, conclui Lívia.

 

E você, jornalista? Já participou por situação parecida? Se sim, envie seu relato ao BoletimNPC, para divulgarmos em nossa página.