Por Claudia Santiago, novembro de 2001
Linguagem é sempre magia, seja ela corporal, oral, escrita. É através dela que os seres humanos entram em contato uns com os outros, se relacionam, criam suas vidas. Um estrangeiro, quando chega a um país, a primeira coisa que faz é aprender a linguagem daquele povo.
Um dominador, um colonizador, quando chega a um país, a primeira coisa que faz é impor aos nativos a sua língua. Foi assim durante todo o Império Romano. Aos povos que escravizava, Roma exigia o pagamento de impostos, obediência às leis do império e que a língua falada fosse o latim.
A última geração que estudou português nas escolas do Timor Leste, hoje, luta para mantê-lo como língua. Uma das primeiras atitudes do governo da Indonésia quando dominou a ilha foi impor a sua forma de falar. Mas, afinal qual era a língua falada no Timor antes da chegada dos portugueses?
Voltando a Itália, berço da civilização ocidental, lembramos Sofia Loren.
A atriz napolitana conta que aprendeu italiano quando chegou a Roma, mais ou menos com 18 anos. Antes falava napolitano. Hoje, os italianos travam ardorosos debates para decidir se as escolas devem ensinar também os dialetos locais ou apenas o italiano standard, como convencionaram chamar a linguagem usada pelos meios de comunicação. Por que será?
Por que os italianos, que exigiam dos povos conquistados que esquecessem a sua língua há mais de dois mil anos, ainda hoje debatem se em seu próprio país o povo pode, ou não, ter mais de uma forma de se expressar escrita e oralmente?
E o nosso tupi guarani e outras tantas línguas que já foram, um dia, faladas no Brasil? Os jesuítas fizeram a gentileza nos ensinar a falar português. Não satisfeitos os portugueses nos vestiram e nos calçaram. Por sorte, não conseguiram impedir que continuássemos tomando banho. Mas o tupi-guarani acabou. Ou quase.
Hoje, nós brigamos é para garantir o português.
No Brasil de nossos dias, de 80 a 90% dos estudos da área da chamada ciência dura _ química, física, matemática, engenharia e arquitetura _ produzidos e publicados em revistas científicas são escritos em inglês. O presidente da Associação Brasileira de Edições Científicas, professor da Universidade de Ribeirão Preto é americano e não fala português.
Revogação da independência dos EUA
Corre uma brincadeira pela Internet que é a uma notificação de revogação de independência dos EUA pela Inglaterra devido à sua incapacidade de concluir o processo eleitoral. Diz o texto que “no sentido de facilitar a transição para a dependência da Coroa Britânica, algumas regras serão introduzidas”. Das dez regras, criadas por algum brincalhão, quatro referem-se à linguagem:
1. Vocês deverão procurar a palavra revocation no Oxford English Dictionary. Depois, procurem aluminium. Atentem para o guia de pronúncia. Vocês ficarão espantados sobre como vêm pronunciando isso erradamente. Genericamente, vocês devem aumentar seu vocabulário até um nível aceitável de, no mínimo, 27 palavras. A pronúncia aspirada de termos como “like” e “you know” constitui-se numa inaceitável e ineficiente forma de comunicação.
2. Não existe um idioma que possa ser chamado de “inglês americano” e faremos a Microsoft tomar conhecimento desse fato.
3. Vocês deverão aprender a distinguir a pronúncia britânica da australiana.
4. Vocês deverão reaprender o seu hino original, God Save the Queen, mas só depois de obedecerem completamente o item 1. Não queremos que vocês se confundam no meio do caminho.
É comum entre mães/pais e filhos adolescente ouvir-se que a comunicação é impossível porque falam línguas diferentes. A língua de um povo é parte de sua cultura, de sua forma de se relacionar com a vida. Falar línguas diferentes não é apenas falar idiomas diferentes. É viver em outro mundo.
Birinet dá aula de comunicação
Na última semana de outubro, um moço, morador da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, abriu um bar e usou como chamariz um computador conectado à Internet. Batizou-o com o nome de Birinet. Ao divulgar o estabelecimento, o novo comerciante explicou: se eu colocasse cybercafé ninguém, daqui do bairro, entenderia.
— Mas, por que bar com internet?
A opção pela Internet deve-se ao fato de não querer disputar fregueses com o bar do seu sogro, freqüentado por bebedores de cachaça, ou seja, por pessoas que não acessam a rede mundial de computadores.
E assim divide-se a humanidade. Quem bebe cachaça não entra na internet.
Na Baixada Fluminense, segundo o dono do Birinet, mesmo quem acessa a internet não sabe o que é um cybercafé.
Então, aquele nome bonito que diz tudo em Ipanema, Leblon, ou mesmo em Vila Isabel, na Zona Norte, não diz nada na Baixada.
É por isso, que quando uma empresa lança um produto, ela compra, em bancos de dados, pesquisas que revelam características econômicas, culturais e psicológicas daqueles que serão os compradores em potencial da mercadoria. O produto, a embalagem e a campanha de lançamento serão pensados tendo como base estas informações.
A Rede Globo fez pesquisa para encontrar uma maneira de falar que fosse compreendida pela empregada doméstica. Mas, como seu público é formado por outros grupos sociais, teve a preocupação de encontrar uma fórmula que agradasse às domésticas e não irritasses a seus patrões. A Globo estuda e pesquisa a forma como o texto vai ser escrito e a forma como a notícia vai ser transmitida. No Império Globo, é tudo definido cientificamente: o tipo e cor da roupa dos apresentadores, o corte de seus cabelo, o sorriso ou expressão. Até se a cabeça vai ser virada para o lado esquerdo ou direito.
Em 98, as Organizações Roberto Marinho lançaram um novo jornal na Praça: o Extra. O objetivo do periódico é ser lido pelas chamadas classes D e E. Por isso, na seleção dos jornalistas buscou-se três perfis de profissionais: 1/3 veio do jornal O Globo, 1/3 atuava em outros setores da Organização e o outro terço foi selecionado entre jornalistas que moravam nos bairros populares, onde vivem as classes D e E. Consideraram que assim atingiriam a linguagem das pessoas que moram do outro lado do túnel Rebouças, que divide as zonas rica e pobre da cidade do Rio de Janeiro.
Este fato tem tudo a ver com o que disse sobre o assunto, o professor da Escola de Comunicação do México, Jesus Martin Barbero, na palestra O processo de recepção na América Latina, proferida em 89, na Universidade Federal do Ceará:
“… Não podemos duvidar de que os que mais sabem da recepção são os empresários. Eles sabem muitíssimo do receptor. Eles estudam o receptor. Quando fiz essa investigação, sobre os melodramas de folhetim, encontrei que não foram os grandes teóricos franceses a descobrirem que a linha típia permitia passar de uma tiragem de mil exemplares a uma tiragem de cem mil exemplares. Foram os donos dos periódicos que investigaram, conheceram os modos populares de ler.”
Moral da história. Quer aumentar o número de leitores do seu jornal? Faça como a Globo e os empresários. Faça pesquisas, contrate assessorias, faça projetos. Ou, então, pergunte para o dono do Birinet como é que faz. Ele vai dizer.
Primeiro defina quem você quer que freqüente o seu jornal. Depois, use palavras que sejam compreensíveis por aquelas pessoas. Use recursos que façam parte do universo daquelas pessoas. Dê internet àqueles que chegam perto de computadores.
Simples, não? Nem tanto.
Fazer comunicação seja ela para a empregada doméstica ou para o patrão requer o estudo, a pesquisa e o profissionalismo que nela empregam os donos de jornais, revistas e televisões.
Como os sindicatos não dispõem dos mesmos recursos que estas empresas, a professora Maria Otília Bocchini tem uma dica: “Estudar o que dá certo”, diz ela referindo-se às revistas da editora Abril. A Abril traz dos Estados Unidos, anualmente, um dos mais aclamados diagramadores, mundiais, para avaliar suas revistas e ministrar cursos a seus editores.
O jornal sindical e seus detalhes
Um jornal sindical tem uma série de desafios que precisam ser superados. A linguagem é um dos aspectos, mas há outros:
Síndrome da consciência tranqüila. Faz-se o jornal e paga-se a alguém para entregar. Não há nenhuma avaliação sobre a eficácia do instrumento. Porém, a consciência está tranqüila porque o jornal foi feito.
O jornal tem um dono. A categoria nunca é ouvida. Seu espaço resume-se a sessão de cartas e sua capacidade de protesto, a rasgar o jornal. Exatamente igual a você, leitor ou ex-leitor de Veja.
Não há um projeto editorial definido. Muda a diretoria, muda o jornal. Ou acaba.
Jornalista não tem liberdade de criação. Confunde-se defesa da linha política da diretoria com cerceamento do trabalho do profissional.
Não se conhece a categoria. Considera-se a pesquisa regular um luxo só! Não há avaliação dos resultados, sua penetração, o retorno.
Todos estes aspectos da Imprensa Sindical precisam ser constantemente avaliados. Neste artigo, porém, vamos tratar apenas de um. Da avaliação da linguagem utilizada nos jornais sindicais.
Linguagem de quem não é viciado em leitura
Primeiramente, vamos conversar a respeito da linguagem de quem não é viciado em leitura. Nestes casos, é um alerta sobre a distância que há entre a linguagem de quem escreve um jornal sindical e de quem o recebe.
A ideia central é que os dois usam um dicionário diferente. O alerta é para que dirigentes e jornalistas sindicais não incorram no mesmo tipo de erro, no qual patinam muitos livros. Estes optam pelo português das elites, sem se preocupar se o leitor mora na zona rica da cidade ou na periferia. Pressupõe-se que esta linguagem seja comum a todos. Definitivamente não é assim que acontece.
Palavras como imprescindível e irrelevante, por exemplo, que fazem parte, pelo menos deveriam fazer, do vocabulário de qualquer jornalista, têm, muitas vezes, o sentido oposto daquele definido pelos dicionários para pessoas com poucos anos de estudo.
É comum ouvir uma pessoa chamar a uma assembleia “porque ela é irrelevante” e dizer que “não vamos nos desgastar na lutar pelo café da manhã porque é imprescindível”. Escrever ou falar sem se preocupar com a capacidade de compreensão de seu público é uma irresponsabilidade. Às vezes até revela um desprezo pela maioria que não conseguirá compreender. E tem um terrível agravante. Aumenta o sentimento de inferioridade das pessoas frente aos letrados, aos que têm estudo. A sensação é mais ou menos assim: eu não estudei por isso não entendo.
Portanto, amigos, motivos não faltam para que a gente se esforce, cada vez mais, para escrever de um jeito que todos aqueles que se dispõem a entender, entendam.
Linguagem de quem não tem conhecimento da linguagem específica usada no movimento sindical, o sindicalês.
O outro caso é o da linguagem de quem não tem conhecimento da linguagem específica usada no movimento sindical, o sindicalês. Há uma distância enorme entre a língua falada pelos dirigentes sindicais e os trabalhadores aos quais tais falas se destinam. Nestes casos, é um alerta sobre a distância que há entre uma linguagem viciada e a linguagem padrão, que se ouve nas ruas da cidade.
A imprensa sindical tem que ter muito cuidado com a utilização de palavras que fazem parte da vida de um círculo limitado de pessoas. No caso, sindicalistas e seus assessores.
Outra preocupação são os conceitos com que lidamos cotidianamente. É coisa difícil. Não dá para soltar no meio de uma frase sem explicação. Socialismo, capitalismo, neoliberalimo, proletariado, imperialismo, dominação cultural.
A Imprensa sindical fala de todos esses assuntos o tempo todo. Precisa falar mesmo. Mas tem que ter jeitinho.
Linguagem de quem é viciado em leitura
Por último, nossa conversa vai ser sobre a linguagem que deve ser usada com quem é viciado em leitura. Esses estão cansados de tanta letrinha, tantos conceitos, tantos enigmas a decifrar. Querem algo palatável. Que desça com facilidade, sem precisar de muito esforço. Mesmo os que lêem muito preferem os textos simples.
Não se esqueça que você vai estar competindo com inúmeras outras publicações com as quais essas pessoas têm acesso.
Para comunicar-se com eles a dica é a seguinte: Tape o nariz e copie a Folha de São Paulo e a Veja. No projeto gráfico e na linguagem. Quando ao conteúdo, vomite!
O que se quer dizer, para quem e para quê?
Escrever para alguém não é ficar feliz porque escreveu. Quando você escreve você tem na sua frente uma meta. E esta meta é transmitir uma idéia para alguém. Só que este alguém, muitas vezes, aparece aos autores como um espírito, um ser nebuloso. E não é nada disso. O leitor é alguém que carrega consigo uma cultura, valores, uma forma sua de ver o mundo que vai brigar ou se encontrar com o texto.
Muitos fatores estão em jogo quando alguém decide ler um texto. Não basta querer. A relação que se estabelece entre leitor e autor depende de vários fatores:
Interesse do leitor pelo assunto abordado — No caso da imprensa sindical, os leitores estão interessados em saber quanto será o reajuste e qual o resultado do julgamento do processo. Por isso, como nós temos interesses em falar sobre outras coisas, nosso texto tem que ser muito interessante;
Forma de escrever do autor — Palavras que usa, se despeja ou não seus conhecimentos sem importar-se com a capacidade de absorção do outro;
Grau de conhecimento do tema que tem o leitor;
Nível de complexidade do texto. A quantidade de informações que ele traz;
Se o texto contém muitas informações, vai ser apreciado por aqueles que são muito bem informados. Será apenas absorvido pelos que têm um nível de informação regular. Tornar-se-á difícil para os que têm pouca prática em leitura. Mas será totalmente indigesto para o leitor iniciante.
Dicas de dois séculos
A busca por um texto compreensível por leitores com pouca escolaridade não é nova. Em vários cantos do mundo pesquisadores se debruçam sobre formas de tornar a leitura acessível a um maior número de pessoas. No Brasil, estes estudos sobre linguagem são recentes e não são tantos. Mas existem.
No começo da década de 90, a professora Maria Otília Bocchini, da Escola de Comunicação de Artes da USP, coordenou um programa de pesquisa sobre a compreensão de jornais e publicações destinados a movimentos sociais e populares em São Paulo.
A alma do programa, a idéia central que lhe deu vida era uma só: “o reconhecimento do direito das pessoas das camadas populares a uma comunicação escrita acessível. Direito como parte de um quadro mais amplo de direitos à comunicação, à informação, à educação e à cultura.”
Ou seja, o direito da grande massa que é informada pela televisão, principalmente pelos programas Sílvio Santos, Ratinho, Gugu, Faustão e novelas, a ler e entender um texto. Por exemplo, um boletim ou jornal sindical.
Na década de 70, François Richaudeau, professor da Universidade de Paris, estudioso e árduo defensor de uma linguagem acessível a todos os que querem ler, fez uma pesquisa e concluiu que um leitor ativo lê, confortavelmente, uma frase com até 16 palavras. Mais do que isso já faz esforço. Uma pessoa que lê pouco consegue entender, sem ter que repetir três vezes, uma frase com até oito palavras.
Inúmeros estudos e pesquisas foram feitos nos Estados Unidos, nas décadas de 50 e 60, sobre a compreensão de um texto. Chegou-se à conclusão de que o grau de inteligibilidade dependia de elementos como vocabulário comum, extensão da palavra e tamanho das frases. Os pesquisadores pressupunham que mesmo conceitos complexos poderiam ser transmitidos e assimilados, se escritos em linguagem simples.
Mas a preocupação de tornar textos mais atraentes ao leitor é mais antiga. Registros dão conta de que pelo menos há duzentos anos já havia gente interessada no assunto.
No começo deste século, Lênin e Trotsky pediam aos jornalistas que maneirassem com a pena. O objetivo era que o pessoal entendesse o que se necessitava dizer naquele grave momento.
“Por que não dizer em vinte ou dez linhas o que ocupa duzentas ou quatrocentas?”, perguntava Lênin em artigo escrito para o jornal Pravda, em 1918, com o título bem didático: Como devem ser nossos jornais?
Pode ser que Lênin tivesse presente no escrito mais curto de Marx, as Teses sobre Feuerbach, um dos documentos filosóficos mais importantes da humanidade, segundo Paulo Freire, que tem apenas duas páginas e meia.
No mesmo ano, Leon Trotsky, num texto com o título O jornal e seu leitor, pedia a escritores, jornalistas e afins, que cumpriam sua tarefa na Rússia revolucionária, que dessem a seus leitores aquilo que lhes pertencia: o direito de ler, compreender e, conseqüentemente, julgar o que lhes era oferecido.
Uma leitura fácil, agradável. “Sem apóstrofes”, dizia o líder revolucionário russo. Ou seja, sem grandes arroubos. “Caros colegas jornalistas, o leitor suplica-vos, evitem dar-lhes sermões, dirigir-lhes apóstrofes, mas antes lhes digam clara e inteligentemente o que se passou, onde, como e por quê?”
Com este apelo Trotsky não fez nada além de pedir aos jornalistas revolucionários que respeitassem a batida fórmula de abertura de uma matéria jornalística, usada em vários países do mundo, inclusive no Brasil. A fórmula simples, quase fórmula química: 3Q + Co + Pq.
Quem fez o quê? Quando? Como? Onde? Por quê?
Frases curtas. Parágrafos curtos. Períodos simples. Palavras curtas. Conceitos no início, explicação e exemplos depois. Explicar palavras que você julgue que o leitor não conhece. Frases personalizadas. Frases que se dirigem diretamente ao leitor, utilizando você, seu, nós. Utilização de palavras com apelo emocional como povo, gente, mamãe. Estas são algumas dicas para redatores de textos destinados a pessoas com pouca familiaridade com a leitura, elaboradas nestes últimos duzentos anos.
Por que usar estas dicas? Bernardo Kucinski responde:
“O Brasil saltou quase diretamente da condição de sociedade escravista, de cultura oral para uma sociedade pós-moderna também oral, de rádio e TV. É por intermédio da TV que as classes B, C, D e E percebem os assuntos atuais, adquirem novos hábitos e desenvolvem uma linguagem comum.”
O analfabetismo e sua irmã gêmea, a baixa escolaridade, impedem que milhões de adultos consigam ler um texto. A maioria dos leitores dos jornais sindicais não tem hábito de leitura. Está excluída, pela pobreza, pela falta de tempo e de incentivo, de qualquer forma de comunicação escrita. Esse é o ponto de partida para qualquer jornalista sindical. E também para qualquer dirigente sindical esforçado que dedica parte do seu tempo a escrever para o jornal ou boletim do seu sindicato.
Maria Otília considera que convivem na sociedade o dialeto padrão e os dialetos não-padrão e que ambos compartilham diversas construções sintáticas e palavras. É esta síntese que permite a comunicação entre pessoas de diferentes níveis culturais e econômicos. Explica que a comunicação deixa de existir: “quando quem fala ou escreve se afasta das palavras e das construções partilhadas” entre os dois dialetos.
Quando isto acontece, quando a classe que domina o dialeto padrão complica sem necessidade a sua própria linguagem, pode estar usando uma estratégia contra a intromissão do Zé-povinho, como diz o jornalista Ricardo Amaral, em artigo no Estado de São Paulo:
“Essa gente se expressa em idiomas próprios que têm em comum o fato de serem verdadeiras muralhas contra a intromissão do zé-povinho no assunto. O juridiquês, o economês e o mercadês são linguagens excludentes por princípio. Quem não sabe diferenciar hot money de datavenia torna-se ignorante e está condenado a ser tangido feito gado no debate dos problemas nacionais”.
Maurício Gnerre, em seu livro Linguagem e Poder, é impiedoso: “A linguagem é o arame farpado mais poderoso para se garantir o poder”.
No fundo, o artigo do Amaral e o livro de Gnerre mostram a mesma face da moeda. A linguagem pode ser um poderoso instrumento de dominação de classe. No nosso caso, dominação pela exclusão. Pela proibição de entrar. É o mesmo arame farpado que impedia os prisioneiros de sair dos campos de concentração nazista. Desta vez, impede o Zé-povinho de entrar. O resultado de uma linguagem deste tipo é exatamente o contrário do objetivo da comunicação sindical.
* Claudia Santiago é coordenadora do Núcleo Piratininga de Comunicação (https://nucleopiratininga.org.br) e co-autora do livro “Manual de Linguagem Sindical”