A defesa intransigente na manutenção de grandes extensões de terras na região de fronteira, integrou o DNA da formação da União Democrática Ruralista, UDR. A mesma veio a nascer no imortalizado Bico do Papagaio, quando o norte do atual estado do Tocantins, pertencia ao estado de Goiás. O Bico se completa com o sul do Pará, e o oeste do Maranhão.

Região cantada em prosa, verso, pesquisas, reportagens, onde mais se matou camponeses na disputa pela terra no Brasil. No extenso  obituário  de camponeses, uma parcela significativa é creditada ao escudo da UDR. Ainda hoje a região é palco de execuções de trabalhadores (as) rurais que defendem a reforma agrária. Passadas duas décadas, tal latitude do país continua a registrar índice alarmante de trabalhadores em condições análogas à escravidão.

A UDR surge no cerrado goiano em 1985, a partir da reunião de dirigentes da Federação da Agricultura de Goiás, da Associação dos Criadores de Gir, Nelore e Zebu de Goiás, da Associação dos Fazendeiros de Araguaína e da Associação dos Fazendeiros do Xingu. No ninho de animadores destacam-se:  Ronaldo Ramos Caiado, -estrela de primeira grandeza da sigla-, Jairo de Andrade, um dos organizadores da “Marcha com Deus, pela Família, pela Liberdade”, idos de 1964, mineiro do município de Passos, Altair Veloso e Salvador Farina, donos de terras em Goiás. Único fazendeiro de fora da região a integrar a UDR, foi o engenheiro agrônomo, Plínio Junqueira Júnior, de tradicional família paulista.

As informações aqui elencadas tomam como base a obra:  Donos de Terras: trajetória da União Democrática Ruralista – UDR, da pesquisadora Marcionila Fernandes, publicada em 1999, em Belém, Pará. A obra resulta de pesquisa de dissertação defendida no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), no de 1992. 

nquieta a pesquisadora conhecer: qual a gênese da representação patronal, sob que princípios atua, quem são os seus representantes, e que táticas usam? Fernandes, adverte que um dos motivadores para a fundação da UDR, reside na ameaça de desapropriação de áreas consideradas como de situação de conflito, conforme a agenda do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), de 1985. O PNRA nasceu sob o contexto da Nova República, no governo de José Sarney, que repassou o Ministério da Reforma Agrária (MIRAD), para Jader Barbalho. 

I

Nas investigações da pesquisadora, sobre o perfil do quadro da entidade, destaca tratar-se de pessoas do centro sul do país, que desenvolvem atividades nos setores de comércio, indústria, serviços e mesmo bancárias(Bamentidus), e que por via legal ou não, adquiriram grandes extensões de terras, caso da família Lunardelli, na época da pesquisa, dono de 11 empreendimentos na Amazônia.

Ou mesmo, produtores de tradição rural paulista, que possuem origem na oligarquia cafeeira, como a família Lanari. Sobre o Grupo Quagliato, dono da Empresa Agropecuária QUAMASA- Quagliato da Amazônia Agropecuária S/A, detinha três fazendas na região, e era dona da Usina São Luiz S/A. Em Ourinhos, São Paulo, o Quagliato, processava açúcar e álcool. Outra família citada é a Bannach, que hoje batiza um município na região. A família tem origem ligada à atividade madeireira, vindos do Paraná. Tão expressivo é o poder?

Formalmente, a UDR do sul do Pará, foi criada no dia 17 de maio de 1986, no Parque Agropecuário de Redenção. Compuseram a mesa, Ronaldo Caiado, fundador da UDR em Goiás, Roberto Paranhos Rio Branco, presidente da Associação dos Empresários da Amazônia, Alceline Veronese, prefeito de Redenção, Plínio Junqueira, de São Paulo, Udelson Franco, de Minas Gerais. Em  sua análise, a pesquisadora pontua como uma das características da matriz da UDR no Pará, os laços, (articulação), entre o norte-sul.

A entidade também teve as suas versões em Marabá e Altamira. No entanto, o estudo deixa claro o protagonismo do sul do estado e do município de Paragominas, nordeste do Pará. Fernandes esclarece que a versão de Paragominas dialogava com freqüência com a

capital, Belém, espécie de quartel general. A Associação Rural da Pecuária do Pará –ARPP, é matriz da versão da UDR de Paragominas, a partir de uma reunião com o dirigente Plínio Junqueira e Ronaldo Caiado.

Com a  intervenção dos irmãos Lincoln e Luiz Bueno, paulistas do celeiro dos cafeicultores, aportados na região desde a década de 1970, a entidade ganha forma. “Um pioneiro”. Tem sido esse o amparo de gestos mais largos para a manutenção do poder de tal setor. A que tudo e todos, devem se submeter. Onde não há espaço para a diferença. 

Entre outros artífices no processo de defesa da intocabilidade das grandes porções de terras na fronteira, a pesquisa pontua a presença do  então estudante de Direito da UFPA, Leonardo Lobato, integrante do que ficou conhecido como UDR Jovem. Há ainda Gastão Carvalho Filho, mineiro, e Luiz Otávio Rodrigues da Cunha, paulista, descendente  de famílias proprietárias de terras em vários estados da União. Engrossam o escrete do processo de privatização de terras, setores tradicionais de pressão. Entre eles:  Grupo Belauto, Grupo Marcos Marcelino, Grupo EBD, Grupo Jonasa e a Construtora Estacon.

Assim como a pesquisadora, outros indicam a intervenção do Estado como fator importante para a oxigenação da saúde financeira de tais atores da fronteira. Recursos em particular, advindos de fundos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), reeditando o câncer do patrimonialismo.

Diferente de seus pares tradicionais, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Sociedade Rural Brasileira (SRB), Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), cujo dirigente da época era nada mais do que nada menos, o hoje ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, a UDR, não tinha esmero em dialogar com o Estado.

A partir desse mosaico ruralista, floresce a Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, em 1986. Assim vai desaguar no que ficou conhecido na Assembléia Nacional Constituinte, como “Centrão”, frente parlamentar que abortou a possibilidade de uma reforma agrária. Enfileirados na defesa do latifúndio, vestiam a camisa da UDR pelo Pará: Asdrubal Bentes, Jorge Arbage e Fausto Fernandes. Outras expressões residiam em Afif Domingues (PL/SP) e Alysson Paulinelli (PFL/MG), Ubiratan Spinelli (MT), Cunha Bueno (SP), José Lourenço (BA). No derradeiro pleito eleitoral de Marabá, o PT emprestou a estrela como vice, na chapa de Asdrubal Bentes, onde ficou em segundo lugar. Tempos modernos ?

Dias de sangue

Formalmente, pode-se afirmar que a existência da UDR no Pará foi curta, meia década. A mesma enrolou a bandeira, em 1991, no mesmo local, onde havia nascido cinco anos antes. O pouco tempo da existência imortalizou a região como a mais violenta do país na disputa pela terra. Entre os anos de 1988 a 1987,  há ocorrências de sete chacinas na região, com o saldo de 62 mortes. 

As chacinas estão assim distribuídas: Chacina dos Irmãos- Xinguara, junho de 1985, 06 mortos; Chacina Ingá – Conceição do Araguaia, 13 mortos, maio de 1985; Chacina Surubim- Xinguara, junho de 1985, 17 mortos; Chacina Fazenda Ubá – São .João do Araguaia, 13.06.1985/18.06.1985, 08 mortos; Chacina Fazenda Princesa-Marabá, setembro de 1985; 05 mortos; Chacina Paraúnas –São Geraldo do Araguaia, junho de 1986, 10 mortos; Chacina Goianésia – Goianésia do Pará, outubro de 1987, 03 mortos.  (relatório de violação dos direitos humanos na Amazônia – CPT- 2005).

Os massacres que tiveram o processo de apuração iniciados são: a chacina da Ubá, e o caso da fazenda Princesa, com cinco camponeses executados, onde alguns tiveram as cabeças decepadas, e os corpos jogados no rio. Ambos os processos tramitam há 21 anos. Já no episódio ocorrido em Goianésia do Pará, o processo é dado como desaparecido. No mesmo período, o município de Rio Maria, registrou a morte de membros da família Canuto, ligados ao PC do B, assim como o advogado Paulo Fontelles, Gabriel Pimenta, João Batista e o Pe. Josimo, em Imperatriz, Maranhão.

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É possível sinalizar que a gana da UDR arrefeceu na região? Episódios ocorridos no primeiro semestre do ano,  parecem indicar a direção contrária. Os ânimos dos ruralistas exaltaram-se com a prisão de pares e intermediários em execuções de camponeses ocorridas na década de 1980, e mesmo em período  mais recente.

São os casos das prisões de  : Marlon Lopes Pidde, fazendeiro, acusado de ter coordenado a chacina de cinco trabalhadores rurais na fazenda Princesa, município de Marabá, em setembro de 1985; Manoel Cardoso Neto, o Nelito, fazendeiro acusado de ser o mandante do assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta, crime ocorrido em Marabá, em 1982; Domicio de Sousa, o Raul, acusado de ser um dos intermediários do assassinato do Sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, crime ocorrido em Rondon do Pará, em 21 de novembro de 2000, e José Serafim Sales, o Barreirito, pistoleiro condenado a vinte e cinco anos de prisão por ter assassinado, em 02 de fevereiro de 1991, o sindicalista Expedito Ribeiro de Souza, no município de Rio Maria. Barreirito foi preso em Boston, EUA. 

As prisões foram efetuadas pela Policia Federal, após constante pressão das instituições ligadas aos camponeses, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara, junto ao Ministério da Justiça. Outro elemento da cena recente tem sido as constantes denúncias e libertações de trabalhadores rurais em condições análogas à escravidão nas fazendas e carvoarias. O Pará sozinho reponde com 50% dos casos brasileiros. Ao menos onde a fiscalização consegue alcançar.

Completa o quadro,  a ocupação da Fazenda Rio Vermelho, do Grupo Quagliato pelo MST. Ofendidos em seus brios,  os ruralistas pediram a cabeça do frei Henri des Roziers, advogada da CPT de Xinguara, ao bispo de Conceição do Araguaia. Pedido que foi negado. As reuniões com vistas a degola do frei, foram mediadas pelo senhor Ronaldo Caiado. Há cinzas nesse rescaldo? 

Rogério Almeida é colaborador da rede:www.forumcarajas.org.br, autor do livro: Araguaia-Tocantins: fios de uma História camponesa/2006.