No Rio, jornadas de junho prometem chegar a agosto
A contestação do sistema capitalista, na sua face mais cruel, o neoliberalismo, sem dúvida, move os jovens que contestam a ordem
[Por Claudia Santiago]
Poderia dizer que tudo começou com o aumento dos preços das passagens dos ônibus nas cidades brasileiras, em 2013. Poderia dizer também que começou antes, com as revoltas do Buzu, em Salvador (2003), e da Catraca (Florianópolis, 2004 e 2005). Essas revoltas estão na origem do Movimento Passe Livre (MPL), assim batizado em janeiro de 2005, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
Posso ir mais atrás e falar do documentário Não começou em Seattle, não vai terminar em Quebec. O filme mostra uma manifestação antiglobalização realizada em São Paulo, em 2003. Começa com um protesto pacífico. Termina em um conflito entre manifestantes e policiais, com vários feridos. Os manifestantes são jovens aparentemente ligados aos movimentos punk e anarquista. Agredidos com bombas e golpes de cassetetes, os jovens revidam com pedradas. Cartazes e faixas exibem palavras de ordem contra a Alca e o neoliberalismo.
Ou poderia dizer também que tudo começou em Seattle (EUA), em novembro de 1999, quando, cerca de 100 mil pessoas foram para as ruas protestar contra a chamada “Rodada do Milênio” da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No Brasil
Mas não quero ir tão longe. Essas etapas do movimento de contestação do sistema capitalista, na sua face mais cruel, o neoliberalismo, sem dúvida, estão presentes entre os jovens que contestam a ordem. Aqui no Brasil, em 2013, porém, o movimento ganhou tão grande repercussão, chegando a levar pelo menos meio milhão de pessoas à avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, no dia 20 de junho, por razões imediatas.
A violência policial durante a manifestação de São Paulo nos dias anteriores certamente ajudou a encher as ruas. A este motivo, juntaram-se outros, que vão desde a insatisfação popular com os gastos com as obras preparatórias aos grandes eventos, sem que a população veja retorno deste dinheiro no seu dia-a-dia, à repulsa da classe média pela escolha do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para presidir a Comissão de Direitos Humanos do Câmara dos Deputados. Assim aquela casa, já tão abalada por denúncias de corrupção, perdia o pouco que lhe sobrava de legitimidade.
As pessoas foram para as ruas com suas questões específicas, algumas progressistas, outras não. Nestes estão incluídos os portadores da mentalidade mais retrógrada. Gente que chama a presidente Dilma de terrorista e o ex-presidente Lula de analfabeto. Mas estes são minoria. Causaram estragos consideráveis nas grandes manifestações de São Paulo e do Rio, inclusive agredindo sindicalistas e militantes de partidos de esquerda, e incitando a massa contra esses grupos, mas depois se recolheram à espera de momento oportuno para novamente colocar suas manguinhas de fora.
No Rio de Janeiro
A composição do grupo de manifestante que insiste em continuar nas ruas nos meses de julho e agosto no Rio de Janeiro é similar àquela dos protestos de Seattle e do Fórum Social Mundial. Têm motivações políticas distintas, mas têm uma motivação política progressista. Numa cidade marcada pela violência policial, que mostrou sua face mais perversa na repressão às manifestações e no provável assassinato do pedreiro Amarildo Souza por policiais da UPP da favela da Rocinha, estranho seria se não acontecessem contundentes protestos contra a polícia.
É o espírito de Carlo Giuliano, o manifestante assassinado por um policial, em Gênova, na Itália, durante reunião do G-8, em 20 de julho de 2001 pairando nas ruas do Rio. São jovens radicais que não se sentem representados pelos partidos políticos de esquerda, são professores, militantes de esquerda, humanistas, ambientalistas. Ao protestar contra o desmonte dos serviços públicos, mesmo que não o digam nas cartolinas, estão pedindo o fim do neoliberalismo.
A estes, no Rio de Janeiro, juntou-se o importante grupos de jovens das periferias, aqueles que sobrevivem com salário mínimo (mais de 50% dos trabalhadores no Brasil ganham até um salário mínimo) e estão expostos à violência do crime organizado e à violência policial.
Mas neste grupo de hoje ainda faltam os sindicatos, aqueles que historicamente lutam pela manutenção dos direitos dos trabalhadores e que estavam presentes em Seattle, Gênova e nos Fóruns Sociais Mundiais. Quando esse grupo todo for para a rua juntos, aí, sim, poderemos voltar a acreditar que outro mundo é possível. Com a esquerda unida, não sobra espaço para os reacionários e seus infiltrados.